A privatização do SUS

Ouvindo agora a repercussão na Globo News sobre a proposta de estudos sobra a possibilidade de terceirização das Unidades Básicas de Saúde.

Todos horrorizados. Todos, jornalistas e especialistas. Aguardava ansioso algum argumento mais técnico, mas só ouvi que “a saúde é dever do Estado, e o Estado não pode tirar o corpo fora”. Uma espécie de dogma que não se pode discutir, sob pena de excomunhão da sociedade brasileira. Este é o mindset.

Claro que a discussão terminou com loas ao SUS. Ah, se não fosse o SUS, a pandemia teria efeitos muito mais graves no Brasil, ah porque o SUS isso, porque o SUS aquilo. Por óbvio, ninguém naquela bancada, nem jornalistas, nem especialistas, depende do SUS para cuidar da sua própria saúde ou da saúde da sua família.

PS.: não tenho opinião formada sobre a terceirização das UBS. Mas acho que a discussão deveria se dar no nível técnico, não dogmático. Só acho.

Quem quiser que acredite na conversão

É comovente a campanha da imprensa para embrulhar Guilherme Boulos para presente. A reportagem do Valor, maior jornal de economia e finanças do país, é o último exemplo.

Boulos está sendo vendido como um “moderado”. Seria uma espécie de Haddad, mas sem o defeito de ser petista. Ele só quer a igualdade, o que seria bom para a economia capitalista. Fiquei tocado com essa preocupação com os capitalistas.

O “diálogo com o setor privado” é inevitável, como se a concessão de conversar com quem produz tivesse o condão de apagar tudo o que Boulos fez no passado. Boulos, “em outro sinal de moderação” (?!?) também prometeu não acabar logo em janeiro com a terceirização de serviços da prefeitura. Será em fevereiro então? Pelo menos deixou claro que é contra toda e qualquer privatização. Moderação tem limite, não é mesmo?

A tal “fama de invasor de casa” seria injusta. Bem, Boulos lidera um movimento que tem como objetivo tomar posse de propriedades alheias para dar-lhes um uso “social”. Na onda de edulcoração da realidade, isso se transformou em “fama ruim”, não seria nada disso, Boulos é um moderado.

A presença de Boulos na Associação Comercial lembra Haddad e Manoela na missa. Foi lá, ajoelhou-se, comungou. Quem quiser que acredite na conversão.

Ideias politicamente viáveis

Estou cansado de ouvir que tal e qual proposta é inviável politicamente. Cortar salário de servidor não pode, é inviável. Cortar benefícios fiscais não pode, é inviável. Cortar aposentadorias não pode, é inviável. Nada é viável, tudo é muito difícil politicamente.

Exigem dos economistas soluções que sejam viáveis politicamente. Ora, para que então precisamos de políticos? Os políticos servem justamente para viabilizar politicamente as ideias certas. Se todas as ideias fossem “viáveis politicamente”, não precisaríamos de políticos, certo? Poderíamos ser dirigidos por tecnocratas com ideias politicamente viáveis, do agrado de todos.

Faz falta políticos com P maiúsculo. Faz falta um Churchill, que nos prometa sangue, suor e lágrimas, além da vitória. Faz falta uma Thatcher, que enfrenta mais de um ano de greve nas minas de carvão e dos servidores públicos. Faltam políticos com coragem para fazer a coisa certa. Sobram políticos covardes, que só reclamam da “inviabilidade política”. Mimimi.

Já privatizamos muitas empresas, mudamos a previdência dos funcionários públicos e dos trabalhadores da iniciativa privada, mudamos a CLT. Todos temas espinhosos que, quando tratados com habilidade política, foram resolvidos. Por que não continuar na direção certa? Por que não continuar na direção do aumento da produtividade e de um Estado que sirva o povo brasileiro e não suas corporações?

Não exija dos economistas soluções politicamente viáveis. Exija dos políticos que viabilizem politicamente as ideias econômicas corretas. Isso é o que vai evitar que o barco afunde. O resto é band-aid.

O que é meu, é meu, o que é seu, é seu

A última pesquisa Datafolha para as eleições em São Paulo trouxe uma informação interessante, e que só agora arrumei um tempo para comentar.

No geral, os primeiros 4 colocados são os seguintes:

  • Bruno Covas: 23%
  • Celso Russomano: 20%
  • Guilherme Boulos: 14%
  • Marcio França: 10%

No entanto, Boulos lidera em dois segmentos da população, que na verdade são um só: renda acima de 10 salários mínimos e educação superior. Esses dois segmentos são um só porque a renda tem uma correlação grande com a formação educacional.

Nesses dois estratos, a pesquisa traz os seguintes resultados (o primeiro número é o do segmento de maior renda, enquanto o segundo é o do segmento de educação superior):

  • Boulos: 28, 25
  • Covas: 25, 23
  • Russomano: 9, 9
  • França: 6, 11

Já nos estratos opostos, renda menor que 2 salários mínimos e ensino fundamental, os resultados são os seguintes:

  • Russomano: 25, 26
  • Covas: 22, 28
  • Boulos: 9, 4
  • França: 7, 6

Podemos observar que Bruno Covas e Marcio França são mais ou menos consistentes entre essas diversas categorias de eleitores. Ou seja, não há muita diferença se o eleitor é rico ou pobre, se estudou muito ou pouco, o resultado é mais ou menos o mesmo.

Já a intenção de voto em Russomano e Boulos muda dramaticamente: Russomano é o candidato dos pobres e iletrados, Boulos é o candidato dos ricos e intelectuais.

Óbvio que se trata de uma generalização, e toda generalização é burra e limitada. Há muitas nuances aí. Mas, sem dúvida, parece haver uma tendência de os eleitores trocarem Russomano por Boulos na medida em que aumenta a renda e a educação.

Esse não é um fenômeno somente paulistano. Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, obteve suas melhores votações na orla da Zona Sul, enquanto Crivella reinou absoluto na periferia da cidade.

Os que defendem a candidatura Boulos nos segmentos mais ricos da cidade, certamente o fazem por acreditarem que é a melhor solução para os problemas dos pobres. Esse é o discurso.

Já os pobres mesmo acreditam que seus problemas serão melhor resolvidos de outra forma. O “lugar de fala” lhes pertence, e eles insistem em usá-lo para contradizer as teorias dos ricos e intelectuais, que costumam classificar pobre que vota na direita de “burro”. Como se pobre não soubesse distinguir justiça social de empulhação.

Já disse aqui e repito: os métodos de Boulos vão afastar os votos dos mais pobres, que não se encantam com essa ladainha de “uso social da propriedade privada”. O que é meu é meu, o que é seu, é seu. O resto é cantiga de ninar para anestesiar consciências capitalistas pesadas.

Uma verdade inconveniente

Pastore é aquele cara chato que repete toda semana as mesmas coisas. Quem o lê semanalmente, não encontra nenhuma novidade. Mas, se o que ele diz não é original, não deixa de ser uma verdade inconveniente: vamos ter inflação se não resolvermos a questão do equilíbrio fiscal.

Bolsonaro está navegando em um aumento de popularidade impulsionado pelo grande ganho de renda (vide meu post anterior) proporcionado pelo auxílio emergencial. Só tem um detalhe: este ganho de renda está provocando alta da inflação de alimentos, item que pesa mais justamente na cesta de consumo de quem recebe o auxílio. Por enquanto está tudo bem, pois o ganho de renda mais que paga a alta dos preços.

O governo Bolsonaro está diante de um dilema: ou continua pedalando a bicicleta ou para de maneira controlada. Na primeira hipótese, a bicicleta vai parar de qualquer jeito, mas provavelmente com o povo brasileiro se esborrachando no chão, vítima da inflação fora de controle e recessão. Vivemos isso no biênio 2015-16.

Em ambas as hipóteses Bolsonaro perderá popularidade. Resta saber de que modo ele escolherá fazê-lo.