A insustentável leveza do sustentável

Quanto custou o vestido “sustentável” de Gisele Bundchen? Quantas mulheres no mundo podem se vestir de maneira “sustentável”?

O mundo de Gisele Bundchen, se implantado de maneira radical, se dividiria em dois: as mulheres vestidas de maneira “sustentável” e toda uma imensa maioria vestida como Eva veio ao mundo.

“Mas é para o bem dessas próprias mulheres que preservemos as florestas!”, diria Gisele.

Talvez Gisele devesse perguntar a opinião das mulheres que não podem comprar vestidos “sustentáveis”.

Um pouco mais feliz

As usinas que pertenciam à Cemig foram leiloadas hoje. O governo arrecadará mais de R$ 12 bilhões, com um ágio de quase 10% sobre o preço mínimo.

Um deputado de Minas afirmou que as usinas foram vendidas “a preço de banana”. Não ocorreu a ninguém perguntar ao nobre deputado qual teria sido o “preço justo”. Mesmo porque, não há preço que pague o feudo político que representa uma estatal. Trata-se de uma fonte eterna de empregos e barganhas políticas, impossível de precificar.

Além dos donos do feudo, também os sindicalistas se mostraram preocupados. Os empregos estariam ameaçados. Sim, estão mesmo. Empregos que nem deveriam existir e cujo custo recai sobre toda a sociedade, que sustenta a baixa produtividade das estatais.

Além dos donos do feudo e dos sindicalistas, também os defensores dos interesses nacionais criticaram a venda das usinas da Cemig. Os interesses nacionais, por algum motivo, envolveriam manter a geração da energia elétrica nas mãos do Estado. Talvez porque, em uma guerra, as multinacionais pudessem cortar a energia das nossas cidades. Bem, não precisa de uma guerra pra cortar a energia, basta uma chuvinha de verão.

Os donos de feudo, os sindicalistas e os defensores do interesse nacional estão hoje um pouco mais tristes. O que significa dizer que o cidadão está um pouco mais feliz.

Ajuste no olho do outro é refresco

Hoje, o Valor traz algumas declarações de um diretor do BNDES em evento na Abimaq (sim, segurem suas carteiras!). Entre outras pérolas, consta que o diretor soltou essa: “Se o valor (da devolução dos recursos do BNDES para o Tesouro) de R$180 bilhões colocar em risco a missão do BNDES, não será R$180 bilhões”. Aplausos da Abimaq.

Em dezembro de 2007, o Tesouro tinha o equivalente a 0,2% do PIB no BNDES. Veio a crise (a “marolinha”) e, em dezembro de 2009, o Tesouro havia aumentado seus aportes no BNDES para 4,0% do PIB. Isso, para enfrentar a “maior crise do capitalismo desde a depressão de 29”. O investimento saiu de 18,1% para 19,8% do PIB nesse período, atingindo o pico de 21,5% do PIB em meados de 2010.

Pois bem. Hoje, o Tesouro tem aportado no BNDES a bagatela de 6,9% do PIB, isso depois de ter devolvido R$ 100 bi no final do ano passado, quando a dívida do BNDES para com o Tesouro estava em 8,5% do PIB. O investimento representava, no final de 2016, 15,6% do PIB. É isso mesmo que você leu: os aportes no BNDES do seu, do meu, do nosso, aumentaram de 4% para 8,5% do PIB, e os investimentos recuaram de mais de 20% para pouco mais de 15% do PIB!

Agora, o Tesouro quer mais R$180 bilhões de volta, o que deve reduzir a dívida do BNDES, no final de 2018, para cerca de… 4% do PIB!, o mesmo montante do final de 2009, naquele hiperesforço para combater os efeitos da crise do subprime. Ou seja, estamos apenas enxugando os excessos da política mal sucedida dos anos Dilma.

O barulho do corpo técnico do BNDES, a começar de seu presidente, e do “empresariado nacional”, só pode ser entendido como espírito de corpo (mais um!) diante das necessidades do país de resolver a sua grave crise fiscal. Todas as corporações têm “motivos nobres” para não pagar a sua parte na conta.

Como diz o velho ditado, ajuste no olho do outro é refresco.

Receita para sair da crise

Luciano Coutinho, hoje, em artigo no Valor, dá a sua receita acaciana para a retomada do crescimento: aumentar a taxa de investimento de 15% para 21% do PIB. Como? Fazendo a reforma da previdência, diminuindo a taxa de juros e usando o BNDES para “coordenar” os projetos.

Bem, quando esse senhor assumiu a presidência do BNDES, em 2007, a taxa de investimento era de 17,6% do PIB. Ao sair, em 2016, era de… 15,4%! É chocante como essas pessoas, responsáveis pelo buraco em que nos encontramos, ainda têm a cara de pau de sair por aí dando “receitas para sair da crise”.

Você sabe com quem está falando?

Se qualquer cidadão se comportasse como Lula se comporta diante do juiz Sérgio Moro, teria sido preso por desacato à autoridade.

O que só demonstra que Lula dá continuidade à secular tradição brasileira do “você sabe com quem está falando?”, que divide os cidadãos em entre aqueles que podem e aqueles que obedecem.

Lula é o que pode haver de mais velho na política brasileira.

Eu tenho e-mail

“Eu não tenho e-mail. Teve um presidente que me disse que se eu quisesse fazer as coisas sem ser bisbilhotado, que eu não falasse ao telefone, não mandasse e-mail. Que pegasse a pessoa e conversasse com ela pela estrada”.

Lula hoje, diante de Sergio Moro.

Eu não tenho problema nenhum em entregar à justiça todos os meus e-mails e minhas conversas ao telefone. E você?

Irmãos separados no nascimento

“O direito social, em vez de atingível mediante abstenção do poder público, cria para este o dever de intervir em quase todos os domínios, de modo a satisfazer às pretenções de bem-estar coletivo que lhe são formuladas. A expansão das funções do Estado, imposta pela necessidade de assegurar os postulados da justiça social, faz parte, desse modo, da filosofia política de todos os países, cujas instituições, em razão disso, se transformam inevitavelmente, ou pela violência ou pelo trabalho pacífico de revolução silenciosa.”

Garrastazu Médici, em mensagem ao Congresso no dia 31/03/1970.

A filosofia política do PT e dos militares do golpe são mais próximas do que um e outro gostariam de admitir.

Uma reforma que distribui renda

A economista Adriana Dupita, da corretora do Santander, publicou um estudo muito bom sobre a reforma da Previdência. Seu principal ponto é que a reforma, além da questão fiscal, endereça outro ponto fundamental para um país desigual como o Brasil: trata-se de uma reforma que redistribui renda. Copio as principais conclusões a seguir:

· A reforma traz efeitos redistributivos diretos e indiretos. Os efeitos diretos vêm da correção de duas grandes distorções, ao eliminar a aposentadoria por tempo de contribuição e impor aos inativos do setor público o mesmo teto de benefícios válido para os aposentados do setor privado. Ao mesmo tempo, a reforma preserva as condições de acesso para a camada mais pobre da população: os mais pobres já se aposentam a uma idade semelhante à mínima proposta pela reforma, sendo que 66% dos beneficiários do setor privado recebem até 1 salário mínimo – benefício que não é afetado pelas novas regras de cálculo propostas.

· A aposentadoria por tempo de contribuição beneficia, via de regra, justamente a camada mais rica e educada da população, e a longa sobrevida após a aposentadoria precoce por esta via implica que a sociedade transfere renda em termos líquidos para este grupo, representando portanto um mecanismo de concentração de renda. A imposição de uma idade mínima para aposentadoria contribui para minorar este efeito. De acordo com nossas estimativas, ao final do período de transição da reforma, a diferença entre o pagamento de benefícios previdenciários com e sem reforma pode alcançar um montante equivalente a quase R$ 280 bilhões por ano (em reais de 2017), uma economia de 25% em relação ao pagamento esperado de benefícios – com a maior parte da economia recaindo na redução das transferências em favor do grupo de maior renda e escolaridade, ou seja, com efeito líquido distributivo.

· O benefício médio recebido por inativos e pensionistas da União R$ 8 mil mensais em 2016, mais de sete vezes superior ao benefício médio dos aposentados do setor privado (R$ 1.100/mês) e bastante acima do teto do benefício para aposentados do setor privado. A imposição do mesmo teto ao setor público, ainda que apenas ao final de um longo período de transição, tem o potencial de reduzir em pelo menos R$ 40 bilhões anuais (em reais de 2017) o gasto público com este tipo de benefício.

· Além disto, ao prolongar o período ativo da população, as novas regras de aposentadoria também contribuem para aumentar em 0,2 ponto percentual o potencial de crescimento da economia (na comparação com a dinâmica esperada sem reforma) – ajudando a mitigar o efeito negativo que se esperaria da reversão do bônus demográfico. O crescimento adicional potencialmente permitiria um efeito redistributivo indireto da reforma.

· A própria redução do déficit da previdência também representaria outro impacto redistributivo indireto, dado que o déficit tende a ser financiado com impostos e contribuições em grande medida regressivos – isto é, que consomem uma parcela maior da renda justamente das camadas mais pobres da população, representando um sacrifício deste grupo para financiar a transferência de renda via previdência (que, nas regras atuais, beneficia também e em maior proporção justamente os estratos de renda mais elevados).

· Por fim, a reforma é essencial para permitir o cumprimento do teto de gastos, inserido na constituição no final de 2016. Sem a reforma, em poucos anos o governo pode se ver sem espaço para expansão de políticas distributivas – como assistência social, valorização do salário mínimo e investimentos mais significativos em educação básica.

Bem feito

Você, que é funcionário ou aposentado da Caixa ou da Petrobras, e que vai ter desconto no contracheque para pagar o rombo dos seus respectivos fundos de pensão, duas observações:

1) Se você é a favor da privatização, faça-se ouvir, porque a conta, no final, chega pra todo mundo.

2) Se você é contra a privatização, bem feito.

O direito da empresa privada

Meus dois dedos sobre a polêmica do Santander.

O banco decidiu patrocinar uma mostra de arte (com o seu, o meu, o nosso dinheiro da Lei Rouanet, mas vou relevar este fato). Ao perceber que a reação de parte da sociedade, incluindo clientes atuais e potenciais, não foi das melhores, resolveu despatrocinar a mostra.

Não vou aqui entrar no mérito da exposição em si, se faz apologia disso ou daquilo, se aquilo é arte ou não, se crianças deveriam ou não visitar etc etc etc. O meu ponto é mais prosaico: uma empresa tem ou não o direito de fazer o que bem entender com o seu próprio dinheiro (no caso, o nosso, mas prometi não entrar nesse mérito)?

Como toda grande empresa, o Santander preza muito a sua imagem diante do público. Ao perceber que se encontrava no olho da revolta popular nas redes sociais, resolveu pular fora. Simples assim.

Pode-se, isso sim, questionar a reação das pessoas, que acabaram pressionando o Santander a tomar essa atitude. Ora, a pressão da opinião pública é um direito sagrado nas democracias. Quem fosse a favor da continuidade da exposição, que fizesse pressão contrária, e o Santander, avaliando as duas pressões, tomaria a decisão que melhor lhe conviesse. Como, afinal, o fez.

É a segunda vez que o Santander cede à pressão. Na primeira, demitiu uma economista que “ousou” dizer que a bolsa iria subir se a Dilma perdesse a eleição. Naquela ocasião, a pressão foi do Lula e do PT. Eu, particularmente, acho mais democrática a pressão da opinião pública do que do governo de plantão.