Houve manipulação das pesquisas eleitorais?

Mais uma vez, as pesquisas eleitorais estão na berlinda. Foram vários erros crassos. Pior, no entanto, não são os erros em si, mas a desconfiança de que os institutos de pesquisa estariam trabalhando para um determinado campo ideológico. No caso, a esquerda.

Não é segredo para ninguém que as redações têm, em geral, uma simpatia pela esquerda. Não vou aqui entrar do porquê isso acontece, mas é assim. A pergunta, então, é a seguinte: estariam os institutos de pesquisa sendo contaminados por esta, digamos, “simpatia”, e manipulando dados para influenciar eleições?

Fiz um levantamento dos dados deste ano, 1o e 2o turnos, do Ibope e Datafolha, nas 26 capitais onde pelo menos um desses dois institutos publicaram pesquisas. Comparei os resultados das urnas com a pesquisa do dia da eleição. Classifiquei as eleições em 4 categorias:

  • Eleição tipo 1: onde houve erro acima de 3 pontos favorável a candidato de esquerda (considerado aqui candidato de esquerda aquele que pertence a um desses partidos: PT, PSOL, PSB, PCdoB e PDT) disputando com candidato que não é de esquerda.
  • Eleição tipo 2: onde houve erro acima de 3 pontos favorável a candidato que não é de esquerda, disputando com candidato de esquerda.
  • Eleição tipo 3: onde existiu candidato de esquerda mas não houve erro acima de 3 pontos.
  • Eleição tipo 4: onde não existiu candidato de esquerda, ou onde existiram somente candidatos de esquerda.

As eleições tipo 1 confirmam a tese de manipulação em favor de candidatos de esquerda, enquanto as eleições tipos 2 e 3 refutam a tese.

Pois bem: temos um total de 44 eleições, considerando 1o e 2o turnos nas capitais. Desse total, tivemos 11 eleições do tipo 1, 6 eleições do tipo 2, 10 eleições do tipo 3 e 17 eleições do tipo 4. Ou seja, dessas 44 eleições, 11 confirmam a tese de manipulação em favor de candidatos à esquerda, enquanto 16 refutam a tese.

Vejamos no detalhe.

As 11 eleições que confirma a tese foram as seguintes:

  • São Paulo – 2o turno: Datafolha errou em 4,4 pp a favor do candidato do PSOL.
  • Porto Alegre – 1o turno: Ibope errou em 11 pp (!) a favor da candidata do PCdoB. (Datafolha não fez pesquisa)
  • Porto Alegre – 2o turno: Ibope errou em em 5.6 pp a favor da candidata do PCdoB.
  • Vitória – 1o turno: Ibope errou em 4.2 pp a favor do candidato do PT.
  • Vitória – 2o turno: Ibope errou em 8.5 pp (!) a favor do candidato do PT
  • Aracaju – 2o turno: Ibope errou em 4,1 pp a favor do candidato do PDT
  • Fortaleza – 2o turno: Ibope errou em 9,3 pp (!) a favor do candidato do PDT
  • Recife – 1o turno: Ibope errou em 9,8 pp (!) a favor do candidato do PSB e 7,1 pp (!) contra o candidato do DEM. O Datafolha errou em 4,8 pp a favor do candidato do PSB.
  • Belém – 1o turno: Ibope errou em 3,8 pp a favor do candidato do PSOL
  • Belém – 2o turno: Ibope errou em 6,2 pp (!) a favor do candidato do PSOL
  • Rio Branco – 1o turno: Ibope errou em 18,6 pp (!) contra o candidato do PP

Agora vejamos o inverso, eleições do tipo 2:

  • São Paulo – 1o turno: Ibope errou em 4,2 pp contra o candidato do PSOL, enquanto Datafolha errou em 3,2 pp contra o mesmo candidato.
  • Florianópolis – 1o turno: Ibope errou em 8,5 pp (!) a favor do candidato do DEM contra o candidato do PSOL
  • Aracaju – 1o turno: Ibope errou em 3,6 pp contra o candidato do PDT
  • Manaus – 1o turno: Ibope errou em 5,3 pp contra o candidato do PT
  • Campo Grande – 1o turno: Ibope errou em 3,4 pp a favor do candidato do PSD contra o candidato do PT
  • Natal – 1o turno: Ibope errou em 4,4 pp contra o candidato do PT

Claro que houve outros erros crassos, como por exemplo o 2o turno em Recife (6,3 pp de diferença em ambos os institutos), mas aí foram dois candidatos de esquerda.

O ponto aqui é que não temos evidências de uma manipulação generalizada. De 27 eleições que envolveram candidatos de esquerda, apenas em 11 houve erros com margem superior a 3 pp que beneficiaram esses candidatos. O que houve, provavelmente, foi muita incompetência.

Estelionato eleitoral anunciado

Erundina inaugura uma nova modalidade de estelionato eleitoral: aquele que é anunciado ainda antes da eleição.

Perguntada se a promessa de Boulos de não aumentar impostos era para valer, a vice inventa um troço chamado de “programa não hermético”, que estará sujeito ao “teste da realidade”.

Bem, isso é o que todos nós já sabemos: 90% das promessas feitas pelos candidatos de todos os partidos não passam pelo “teste da realidade”. Mas como o papel aceita tudo, continuam prometendo o paraíso na Terra.

A novidade está em reconhecer isso antes das eleições, o que não deixa de ser um cândido sinal de honestidade. No entanto, parafraseando Cazuza, mentiras sinceras não me interessam.

Apoio maroto 2

A exemplo da reportagem de ontem do Valor, em que “empresários” emprestaram seu apoio à candidatura de Guilherme Boulos, hoje é o Estadão que nos quer levar a crer que a “tradicional advocacia paulista” está apoiando o moderado candidato do PSOL.

Dei um Google nos nomes. Oh! coincidência, todos eles são colaboradores do grupo Prerrogativas. Aprendi que o grupo se autodenomina carinhosamente de “Prerrô”. Não consigo pensar em nada mais caviar que isso.

O grupo não esconde sua luta: absolver Lula. “Como amplamente reconhecido pela comunidade jurídica, uma condenação sem provas”, segundo a carta de apresentação do grupo. Pois então: 9 juízes de três instâncias diferentes condenaram o líder das gentes sem provas.

Agora, o tal grupo apoia Boulos. Sim, o tal grupo, e não a “tradicional banca paulista”, como quer nos fazer crer o Estadão.

A pergunta que não quer calar é esta: por que um grupo que quer conservar o atual sistema de justiça, que garante a defesa ad aeternum de criminosos assessorados a peso de ouro, tem tanto interesse na eleição de um sujeito que encarna a “nova esquerda limpinha” e anda de Celta 2007?

Apoio maroto

Sexta-feira, antevéspera da eleição. No sprint final, continua o esforço por “normalizar” a candidatura do queimador de pneu em via de grande tráfego. Agora, são “empresários” que manifestam apoio.

Empresários são sujeitos práticos, que se interessam, antes de tudo, pelo sucesso de suas empresas. Se empresários estão apoiando Boulos, então trata-se de uma candidatura que tem consistência, nada radical. Essa é a mensagem.

Aí você vai ver a matéria do Valor. São três os “empresários” citados. O primeiro é Eduardo Moreira, ex-sócio de André Esteves no Pactual e que se “converteu” ao “capitalismo responsável socialmente”. Figurinha carimbada. Apresenta-se normalmente como “economista”, mas na reportagem virou “empresário”.

O segundo “empresário” é Paula Lavigne, que dispensa apresentações.

O terceiro empresário na verdade é um grupo, um tal de “empresas B”. Nunca tinha ouvido falar. Fui pesquisar. São empresas que defendem “um outro mundo possível”. Mãe Terra, por exemplo, é uma delas. Pra quem não conhece, fornece produtos orgânicos para descolados com muito dinheiro para gastar com comida. E por aí vai. É um outro mundo possível, desde que você possa pagar por ele.

Alguns nomes de “empresários B” aparecem na reportagem, mas são ilustres desconhecidos. Outros não aparecem por “questões de compliance”. Quase caí da cadeira de tanto rir. Apoiam o candidato, mas não podem aparecer apoiando o candidato. Muito útil esse apoio.

Trata-se claramente de uma não-noticia. Existe uma expressão em inglês que usamos quando uma pessoa tenta fazer algo, mas que é claramente insuficiente para atingir o seu objetivo: nice try.

Nice try, Valor.

O mito Maradona

Maradona não se explica somente pelo futebol. Um dos gênios da bola de todos os tempos, difícil classificá-lo como melhor do que, sei lá, Zito, Beckenbauer, Rivelino, Zico, Ronaldo, Messi, Zidane e uma longa lista de etceteras. Do ponto de vista estritamente técnico, vamos ficar um século discutindo as virtudes e defeitos de cada um deles para tentar classificá-los em ordem de habilidade. Um exercício tolo.

Um craque se faz pelos feitos, mais do que pela habilidade. Certamente há artistas de circo que podem fazer com uma bola mais do que Maradona fazia. Não se trata disso. Trata-se de feitos.

Vou aqui arriscar uma explicação para a comoção que tomou conta da Argentina e do mundo com a morte de Dieguito. A pista está nas imagens repetidas ad nauseam nas reportagens sobre o assunto: os dois gols contra a Inglaterra na Copa de 86. Maradona tem inúmeros gols e lances de gênio. Mas são esses dois gols os que dominam as reportagens. Por que? Aqui entra a minha sociologia de botequim.

A Argentina tinha sido vencida pela Inglaterra na guerra das Malvinas quatro anos antes. Mais do que vencida, humilhada. O futebol era o único campo em que a Argentina tinha alguma chance de devolver a humilhação sofrida por toda uma nação. E quem foi o artificie dessa redenção?

Não foram dois gols comuns. Um deles foi um dos mais bonitos de todas as Copas e o outro aconteceu através de uma malandragem bem latino-americana, ludibriando regras e juízes em um mundo onde o mais forte nem sempre sai vencedor. Um jogador de 1,65 vencer pelo alto um goleiro pelo menos 20 cm mais alto desafia qualquer regra de física elementar. Mas não para o juiz e todos os espectadores (inclusive eu, que estava assistindo ao jogo na TV), convencidos que estávamos de que Maradona era sim capaz de fazer aquilo. Ainda bem que não existia o VAR para estragar aquele momento mítico.

Indo um pouco além. Maradona foi autor de outro gol fantástico na mesma Copa, contra a Bélgica, semelhante ao gol contra a Inglaterra. Ele dribla praticamente a defesa inteira do adversário e marca. Por que esse gol não é sequer mostrado nas reportagens? Ora, porque esse é apenas mais um gol fantástico do craque, mas não um gol mitológico.

E por que mitológico? Por que aquele gol, juntamente com o gol da mão de Deus, redimem o povo argentino. Humilham zagueiros, juízes e regras. É o desabafo de um povo cansado, humilhado, que explode em um grito de gol que transcende o futebol.

A Copa do Mundo é o palco da guerra pacífica entre as nações. Clubes podem comprar o futebol de craques, montar estruturas milionárias que faturam campeonatos. Seleções nacionais não. Seleções nacionais representam o que de melhor cada país pode produzir. O dinheiro não compra uma boa seleção nacional. Caso comprasse, os Estados Unidos teriam um track record bem melhor. Não. Seleções nacionais são a expressão do futebol como paixão de um povo. Não é à toa que, em dias de jogos de Copa do Mundo, o país para. E não é só o Brasil.

Maradona é mito porque o futebol é um esporte mitológico, que transcende as quatro linhas. É só por isso que Maradona tornou-se uma lenda. Jogou com maestria e conquistou feitos em um esporte que não é simplesmente um esporte.

Educação e mobilidade social

Meu pai cursou até o colegial (hoje ensino médio), minha mãe, até o ginásio (hoje fundamental 2). O pai de minha esposa cursou até o primário (hoje fundamental 1) e a mãe dela nem isso. Eu e minha esposa temos pós-graduação.

Somos exceção em um país com mobilidade social muito reduzida. Tivemos sorte, eu e minha esposa, de nascermos em lares onde a educação sempre foi valorizada e de termos tido a oportunidade de conviver com pessoas de nível universitário em nossa juventude. Porque a questão da formação superior não se restringe à renda. Há também, e talvez principalmente, o que chamo de “ambição”: para um rapaz ou uma moça que não têm, em seu círculo de convivência, pessoas que cursaram a faculdade, esta parece ser uma meta inatingível, uma espécie de monte Everest. Falta o exemplo de que aquilo não só é possível, mas é para você. Trata-se de um circulo vicioso de difícil superação.

Paulo Tafner foi o apóstolo da reforma da Previdência. Armado de uma montanha de dados e perseverança inabalável, pregou no deserto durante anos, até a sua doutrina tornar-se o pensamento dominante. Reformar a Previdência não é fácil em lugar nenhum do mundo, é necessário mudar o mindset da sociedade, e Paulo Tafner fez grande parte desse trabalho.

Agora, Tafner dedica-se a estudar a mobilidade social no Brasil. A sua entrevista abaixo merece ser lida. Se há um assunto importante no Brasil, é este. Sorte do Brasil ter uma pessoa como Tafner dedicada a isso.

Um mundo melhor

A notinha abaixo saiu na Coluna do Estadão de ontem. Alguns poderiam se questionar: por que o destaque para um “advogado apoiador de Guilherme Boulos”?

Bem, para quem não conhece, Marco Aurélio de Carvalho é o coordenador de um grupo de advogados chamado “Prerrogativas”, aquele que se organizou para defender as prerrogativas de clientes endinheirados e politicamente poderosos de se defenderem nos tribunais com chicanas intermináveis, aproveitando tudo o que o sistema judicial brasileiro tem de bom para seus clientes. Não é preciso dizer que estão no grupo os advogados de todos os enredados na Lava-Jato.

Como se vê, Boulos não conta somente com o apoio da juventude ingênua que quer “um mundo melhor”. Há outros interesses menos ingênuos por trás da eleição de Boulos, a ponto de Marco Aurélio declarar publicamente seu apoio à candidatura do PSOL. Será porque o grupo Prerrogativas queira também um “mundo melhor” para os seus clientes?

O não californiano para as cotas

Por motivos profissionais, fui à Coreia uma vez. Estava em uma reunião em um grande banco, e o diretor da área de investimentos estava fazendo uma exposição. Em determinado momento, não lembro o contexto, ele afirma que o país havia acabado de passar uma lei, proibindo as escolas de funcionarem após as 22:00 hs. Quis confirmar a informação, dado o sotaque, e ele confirmou: sim, 22 hs, porque havia escolas que funcionavam além desse horário. Pensei com meus botões: o Brasil não tem a mínima chance. Era 2010.

Lembrei-me dessa passagem quando li a matéria abaixo.

Os californianos (!) resolveram rejeitar as cotas para minorias nas universidades, que existiram até 1996. “Como pode um Estado que elegeu Biden com uma votação de quase 70% rejeitar políticas afirmativas?”, parece se perguntar o atônito jornalista. Aparentemente, o lobby chinês foi forte: os asiáticos representam 40% dos alunos das universidades californianas, mas apenas 15% dos alunos do ensino médio. A relação dos latinos é quase o inverso.

O box lateral “explica” o resultado pela baixa representação negra na população da Califórnia, o que, obviamente, não explica nada. O problema de minorias marginalizadas na Califórnia claramente não é dos negros, mas dos latinos. Mas os latinos não têm a favor de si o “peso de consciência histórico”. Não foram escravizados, vieram para os EUA por livre e espontânea vontade. Portanto, que se virem, essa é a mensagem das urnas californianas.

O autor da matéria afirma que não há preconceito contra os asiáticos. Qual é o “lugar de fala” desse jornalista para afirmar uma enormidade desse quilate? Sugiro que assista ao filme “Gran Torino”, de Clint Eastwood (para mim, top 10 na história do cinema), em que ele faz um americano (ele mesmo emigrante irlandês) que não suporta seus vizinhos asiáticos. A Califórnia, nesse sentido, é um laboratório de meritocracia. Com exceção da população negra, que efetivamente teve seu “ponto de partida” prejudicado pela história da escravidão, praticamente todo o restante da população é formada de migrantes que tiveram que batalhar para encontrar seu lugar ao sol, lutando em desvantagem de condições com os migrantes que haviam chegado antes. No caso, os asiáticos simplesmente estudam mais que os latinos, como demonstra o episódio que contei no início.

E, antes que alguns se precipitem, esse resultado da Califórnia não quer dizer nada para o Brasil. São realidades completamente distintas, a começar pelo fato de que os negros têm muito menos acesso à educação básica de qualidade por aqui. Basta ver a coloração dos alunos em nossas escolas de elite. Além disso, as ações afirmativas mal começaram no Brasil, com cerca de 30 anos de atraso em relação aos EUA. O Brasil, definitivamente, não é a Califórnia.

A matemática da aposentadoria

Por mais que se discuta, a Previdência nada mais é do que uma conta matemática.

Digamos que uma pessoa contribua para a sua própria aposentadoria durante 30 anos, poupando 11% do seu salário, e investindo essa poupança a uma taxa de 3% ao ano além da inflação. Depois de 30 anos, se essa pessoa, durante sua aposentadoria, investe o montante poupado a uma taxa de 2% ao ano além da inflação, vai poder retirar aproximadamente 27% do seu salário ao longo de 25 anos.

Obviamente, essa conta varia de acordo com as premissas adotadas: a taxa de juros, o tempo de trabalho, o tempo aposentado, o montante poupado. Mas não tem mágica, tudo não passa de matemática.

A previdência pública, tanto o INSS quanto a previdência dos funcionários públicos, trabalha no regime de mutualismo. Ou seja, o dinheiro da aposentadoria de um determinado indivíduo não está carimbado, esse indivíduo pode se aposentar com o dinheiro poupado por um terceiro. Mas, mesmo assim, no final, a conta é matemática: a soma de todas as aposentadorias de todos os indivíduos somados vão obedecer à regra descrita acima. Assim, se um indivíduo retira mais dinheiro do que poupou ao longo de sua vida de trabalho, esse dinheiro vai fazer falta para outro indivíduo. Alguém vai precisar cobrir a diferença. A isso chamamos de “déficit da previdência”.

O problema do déficit é camuflado durante o período em que entram mais indivíduos no mercado de trabalho do que aqueles que se aposentam. Funciona como uma pirâmide financeira, em que os poucos primeiros se beneficiam das contribuições dos seguintes entrantes no sistema. Esta pirâmide só ficou em pé, até o momento, por conta do chamado “bônus demográfico”, período no qual o número de idosos ainda não é grande, e o número de jovens continua aumentando. O Brasil está no fim do período de “bônus demográfico”, dada a queda da taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população. Por isso, a pirâm…, quer dizer, a previdência, já mostra sinais de fadiga. Alguns Estados, inclusive, já estão atrasando o pagamento das aposentadorias dos funcionários públicos.

Esse longo preâmbulo teve como objetivo embasar o comentário a respeito da previdência municipal de São Paulo, tema de debate nas eleições. Boulos sugeriu fazer mais contratações para manter a pirâmide financeira funcionando. Faria sentido, se assumíssemos que fosse possível manter uma pirâmide financeira ad aeternum, sempre introduzindo novos contribuintes para pagar as aposentadorias de um esquema que matematicamente não fecha.

A reportagem abaixo mostra o tamanho do déficit da previdência municipal da cidade de São Paulo ao longo dos próximos anos.

A previsão é que não haverá dinheiro para mais nada daqui a 10 anos, a não ser pagar as aposentadorias dos servidores municipais. Mesmo que, em 2018, tenha sido aprovado o aumento da alíquota de contribuição dos servidores, de 11% para 14%. Usei 11% no exemplo que dá início a este post justamente por conta disso. Se aumentarmos para 14%, dá para se aposentar com 34% do salário. Melhor do que os 27% anteriores, mas mesmo assim bem longe da aposentadoria integral. E isso considerando 30 anos de contribuição e 25 anos de tempo de aposentadoria. Sabemos que uma boa parte dos professores se aposentam mais cedo e usufruem mais tempo de aposentadoria. Fora a pensão para a esposa/esposo após a morte do beneficiário. A conta obviamente não fecha. Por isso, o déficit aumenta sem parar, mesmo com esse aumento de alíquota.

Corta para 2003.A primeira (e única) grande reforma do governo Lula foi a da previdência do funcionalismo público federal, em 2003. Por conta dessa reforma, o PT expulsou alguns de seus deputados que se recusaram a votar com o partido, entre eles Luciana Genro e Heloísa Helena. Esses dissidentes fundaram o PSOL, um PT puro.

O PSOL, portanto, nasceu da recusa de alguns deputados de reconhecerem a necessidade matemática de reformar a previdência. Essa lembrança vem nos ajudar a entender que a proposta de Boulos não é um acidente de percurso. Pelo contrário. É a própria essência do partido que representa. O partido nasceu recusando-se a admitir que havia um problema. Ou, na melhor das hipóteses, o problema é solucionável “contratando mais funcionários públicos” ou “cobrando dívidas das empresas”. No limite, fazendo mais dívida. Enfim, não está no DNA do partido cobrar dos funcionários públicos a fatura de suas próprias aposentadorias.

Acho graça quando ouço que Boulos é a “nova esquerda”, uma lufada de ar fresco no embolorado panorama da esquerda tupiniquim. Nada mais falso. Nova esquerda é Tabata Amaral, que não briga com a matemática e votou a favor da reforma da previdência mesmo contra o seu partido. Boulos é o novo representante da velha esquerda, apegada a paradigmas do século XIX. Não consigo pensar em nada mais velho do que “luta de classes”, em pleno século XXI.

Heloísa Helena, uma das deputadas expulsas do PT, foi a sensação das eleições presidenciais de 2006, quando chegou em um surpreendente terceiro lugar, com quase 7% dos votos. Lembro que todos diziam que o PSOL tinha vindo para ficar, era o novo PT, Heloísa Helena era um novo fenômeno eleitoral. Desapareceram, ela e o partido, nas brumas do extremismo ideológico. O mesmo ocorrerá com Boulos.