O não californiano para as cotas

Por motivos profissionais, fui à Coreia uma vez. Estava em uma reunião em um grande banco, e o diretor da área de investimentos estava fazendo uma exposição. Em determinado momento, não lembro o contexto, ele afirma que o país havia acabado de passar uma lei, proibindo as escolas de funcionarem após as 22:00 hs. Quis confirmar a informação, dado o sotaque, e ele confirmou: sim, 22 hs, porque havia escolas que funcionavam além desse horário. Pensei com meus botões: o Brasil não tem a mínima chance. Era 2010.

Lembrei-me dessa passagem quando li a matéria abaixo.

Os californianos (!) resolveram rejeitar as cotas para minorias nas universidades, que existiram até 1996. “Como pode um Estado que elegeu Biden com uma votação de quase 70% rejeitar políticas afirmativas?”, parece se perguntar o atônito jornalista. Aparentemente, o lobby chinês foi forte: os asiáticos representam 40% dos alunos das universidades californianas, mas apenas 15% dos alunos do ensino médio. A relação dos latinos é quase o inverso.

O box lateral “explica” o resultado pela baixa representação negra na população da Califórnia, o que, obviamente, não explica nada. O problema de minorias marginalizadas na Califórnia claramente não é dos negros, mas dos latinos. Mas os latinos não têm a favor de si o “peso de consciência histórico”. Não foram escravizados, vieram para os EUA por livre e espontânea vontade. Portanto, que se virem, essa é a mensagem das urnas californianas.

O autor da matéria afirma que não há preconceito contra os asiáticos. Qual é o “lugar de fala” desse jornalista para afirmar uma enormidade desse quilate? Sugiro que assista ao filme “Gran Torino”, de Clint Eastwood (para mim, top 10 na história do cinema), em que ele faz um americano (ele mesmo emigrante irlandês) que não suporta seus vizinhos asiáticos. A Califórnia, nesse sentido, é um laboratório de meritocracia. Com exceção da população negra, que efetivamente teve seu “ponto de partida” prejudicado pela história da escravidão, praticamente todo o restante da população é formada de migrantes que tiveram que batalhar para encontrar seu lugar ao sol, lutando em desvantagem de condições com os migrantes que haviam chegado antes. No caso, os asiáticos simplesmente estudam mais que os latinos, como demonstra o episódio que contei no início.

E, antes que alguns se precipitem, esse resultado da Califórnia não quer dizer nada para o Brasil. São realidades completamente distintas, a começar pelo fato de que os negros têm muito menos acesso à educação básica de qualidade por aqui. Basta ver a coloração dos alunos em nossas escolas de elite. Além disso, as ações afirmativas mal começaram no Brasil, com cerca de 30 anos de atraso em relação aos EUA. O Brasil, definitivamente, não é a Califórnia.

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