Guerra & Paz

A proposta de “paz total” do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, levou a um aumento da violência. Quem diria…

A natureza do ser humano é beligerante. A guerra é a norma, a paz é a exceção. Isso vale nas famílias, nas instituições, entre os países. Os quase 80 anos sem guerras de grandes proporções na Europa (vamos desconsiderar a Ucrânia) é o recorde de todos os tempos.

“A guerra é horrível, muita gente inocente morre” é o tipo de platitude que não muda a natureza humana. “Sou contra qualquer tipo de guerra” é o mesmo que dizer “sou contra a lei da gravidade”. Chamberlain rules só serve para dar vantagem ao adversário, que sempre existe.

Como diz um aliado de Petro, “não existe um processo de paz no mundo que não seja acompanhado de uma política de segurança sólida”. E uma especialista acrescenta: “os acordos de cessar-fogo foram um presente tático para esses grupos. Sem nenhum Exército para pressioná-los, eles ficaram livres para se rearmar, recrutar e reabastecer”.

Claro que não consigo deixar de pensar sobre os clamores por um cessar-fogo em Gaza. Como a especialista salientou, o cessar-fogo somente servirá para que o Hamas “se rearme, recrute e reabasteça”, pois o grupo terrorista não está realmente interessado em paz. E, como lembra o aliado de Petro, Israel deveria se concentrar em desenvolver uma política de segurança sólida como condição para qualquer processo de paz. Bingo!

Sim, a guerra é horrorosa. Pior que ela, no entanto, é a ilusão de que a paz se faz com boas intenções. A respeito de Chamberlain, Churchill afirmou que, ao escolher entre a desonra e a guerra, o primeiro-ministro inglês teria os dois. A história lhe deu razão.

Matando o mensageiro

Essa discussão é assaz interessante: seriam os jornais responsáveis pelo conteúdo de suas entrevistas?

O caso concreto, que deu ensejo ao atual julgamento no STF, refere-se a uma entrevista de 1995 no Diário de Pernambuco, em que o entrevistado acusa um parlamentar de um certo crime. Durante o processo na justiça, o entrevistado negou que tivesse feito tal acusação, e o jornal já não tinha a gravação da entrevista. A justiça condenou o jornal por calúnia, e o caso chegou ao STF.

A mim me parece óbvio que os jornais não deveriam responder por calúnia no caso de entrevistas. Afinal, são apenas os mensageiros. Como bem lembra o presidente da ANJ, Marcelo Rech, grandes momentos da política nacional, como o impeachment de Collor e o Mensalão, começaram com entrevistas bombásticas. Se os jornais estivessem sob a ameaça de serem processados, talvez as entrevistas com Pedro Collor e Roberto Jefferson jamais tivessem conhecido a luz do dia. No caso do Diário de Pernambuco, o entrevistado poderia ter entrado com um processo contra o jornal por ter “inventado” a entrevista logo depois de publicada, mas não o fez.

Mas gostaria de chegar a outro lugar. Essa discussão nos leva à responsabilidade das plataformas sobre o conteúdo publicado por terceiros, um debate que esquentou durante a tramitação do chamado PL das Fake News. Para quem não lembra, o PL estabelecia que as plataformas deveriam fazer um trabalho de curadoria sobre os conteúdos, retirando não somente os falsos, mas também os nocivos. Ora, se os jornais, que fazem um trabalho de edição do que publicam (afinal, essa é a definição de jornal), não podem ser responsabilizados pelas palavras de terceiros transcritas em suas páginas, quanto mais uma plataforma que, por definição, não faz edição.

O que a ANJ corretamente defende, a liberdade de informação, vale com mais razão para as plataformas. Que o produtor do conteúdo seja responsabilizado pelo que falou. O jornal e as plataformas são apenas o papel da carta.

Varrendo o déficit para debaixo do tapete

O pagamento de precatórios (dívidas liquidas e certas da União com indivíduos e empresas) tornou-se um problema fiscal de primeira grandeza. O seu volume crescente (um “meteoro”, no dizer do inefável Paulo Guedes) levou o governo Bolsonaro a patrocinar um calote branco, aprovando em lei o empurrão com a barriga dessas dívidas para o dia de São Nunca. O efeito disso, como alertei na época, foi a criação de uma bola de neve que prometia se transformar, em poucos anos, no maior esqueleto fiscal de Banânia.

A solução ótima para o problema era simplesmente pagar os precatórios, afetando o déficit fiscal e forçando o corte de outros gastos para que a meta de déficit fosse cumprida. Claro que isso é politicamente impossível. A solução de segundo ótimo foi essa aprovada pelo STF: permitir o pagamento sem afetar a meta para o déficit. Ou seja, esse pagamento não contará para o cálculo do déficit do governo. Trata-se de mera formalidade, porque dinheiro é dinheiro, e a dívida pública irá subir de qualquer forma. Quem estuda o assunto considerará esses pagamentos nas suas projeções. Mas, em termos legais, o governo não será “accountable” por esses pagamentos.

Porque eu digo que essa é a solução de segundo ótimo? Porque a sua alternativa, que é empurrar com a barriga, é bem pior para as contas públicas, além de passar por cima do direito dos cidadãos de receberem suas dívidas do governo.

Mas existe uma coisa ainda pior, que não ficou clara na decisão do STF: a contabilização separada, daqui em diante, do principal e dos juros dos precatórios. O governo propôs contabilizar os juros como despesa financeira, como se os titulares dos precatórios fossem “investidores” emprestando dinheiro para o governo. Trata-se de uma interpretação completamente heterodoxa, que não tem previsão em nenhum manual de contabilidade pública. Isso sim, seria uma desmoralização total das estatísticas da dívida.

Toda essa discussão só demonstra que, entra governo, sai governo, estamos vivendo no fio da navalha em termos fiscais. O Estado brasileiro tributa na média dos países ricos da OCDE e, ainda assim, precisa fazer déficit fiscal. Truques contábeis feitos para que esse déficit não apareça não mudam essa realidade.

Um ministro de terceira categoria para um país de terceira categoria

Em toda indicação para o Supremo há uma espécie de comoção nacional. Nem sempre foi assim. O ponto de virada foi o julgamento do Mensalão, transmitido ao vivo e a cores em rede nacional, evento que alçou a Suprema Corte ao estrelato da política nacional. Os embates entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowiski eram acompanhados como disputas de MMA no octógono da justiça brasileira. A partir de então, a escalação dos 11 do STF é acompanhada com muito mais interesse do que a convocação da seleção canarinho. O resultado é que, hoje, sabemos a formação do escrete Supremo, enquanto o time brasileiro é formado por ilustres desconhecidos. Se essa troca foi benéfica ao país, fica a critério de cada um.

Muitos torceram o nariz para a indicação de Flávio Dino. A sua formação política dentro do PC do B e seu estilo meigo de tratar as pessoas e os assuntos não admitem otimismo com sua futura atuação na Corte. Mas, pensando bem, Flávio Dino não é pior do que a média dos que lá estão, uma mistura de ideologia com truculência política, regada com doses generosas de mediocridade. A nossa Suprema Corte, como de resto, os representantes dos outros Poderes da República, são o retrato do povo e das elites brasileiras. Esta é a pasta de que somos feitos. Flávio Dino será apenas mais um a compor o quadro de um país de terceira categoria.

Insistindo no erro

Errar uma vez é humano, duas vezes é burrice. Esta nova greve dos metroviários em São Paulo é, portanto, prova de burrice. Com as linhas privatizadas funcionando normalmente, o caos gerado pela greve só reforça o caso pela privatização junto à população. Isso é tão óbvio que a pura e simples burrice parece ser a única explicação plausível para essa nova greve.

O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes, agradece a munição contra o seu adversário, Guilherme Boulos, patrono natural da baderna.

Concurso de coragem

Coragem. Palavra que dominou, explícita ou implicitamente, o bate-boca institucional entre representantes de duas das instâncias máximas do nosso Estado Democrático de Direito. (Pronuncie essas últimas palavras enchendo a boca, brasileiro).

Mas o que é coragem? Coragem é uma virtude. São Tomás de Aquino definia a virtude como o justo meio entre dois vícios. No caso, a coragem se situa entre a covardia e a temeridade. Coragem é aceitar ou assumir riscos calculados para atingir um fim bom. Não assumir risco algum é covardia, assumir riscos em excesso é temeridade.

Tendo esse pano de fundo em mente, pergunto: que coragem demonstram os ministros do STF ao tomarem as suas decisões? Que risco estão correndo? A resposta é: nenhum. Nenhum ministro será demitido, processado e muito menos morto por suas decisões. O máximo que pode acontecer é um bate-boca em algum aeroporto da vida. E, como estamos acompanhando no caso do ministro Moraes, a coragem (ou temeridade) foi do cidadão que supostamente atacou o ministro, pois agora está enfrentando a mão pesada do Estado brasileiro contra si., que entorta as regras em seu próprio benefício.

A “coragem moral” a que se refere o ministro Barroso é simplesmente o dia a dia de qualquer juiz, que, por definição, não contará com a simpatia de uma das partes de qualquer processo. Se não quer ficar mal com uma das partes, melhor escolher outra carreira. Estufar o peito para afirmar uma “coragem moral” é só uma bravata juvenil.

Se eu tivesse a caneta de Gilmar Mendes também não seria “covarde”, no sentido visto acima. Na verdade, o ministro está exercitando a covardia de uma forma diferente do conceito acima: covardia, além de não assumir riscos, é aproveitar-se de seu poder para intimidar. É o valentão da escola que bate nos menores. Isso, obviamente, não é a definição de coragem, mas de covardia. Nesse sentido, os senadores, estes sim, exerceram as suas funções, no caso, com coragem. Tudo no Brasil acaba no STF, e certamente é corajoso, se não temerário, confrontá-lo.

Por fim, é de se destacar que esse desfile de macheza institucional, esse concurso de mister coragem democrático só tem lugar em uma república de bananas. É o que somos, como demonstrado mais uma vez.

Ainda bem que temos o PT para salvar nossa democracia

Quem diria que o PT, o baluarte e último refúgio da democracia brasileira, patrocinasse uma ação contra o jornalismo profissional. Mas, aparentemente, foi o que fizeram, no caso da chefe da sucursal de Brasília do Estadão, Andreza Matais, acusada de ter “fabricado” a matéria sobre a Dama do Tráfico intima dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos.

O roteiro foi o clássico. A coisa começou com uma “reportagem” do site “acima de qualquer suspeita” Fórum, com base em uma denúncia de supostos funcionários do Estadão, que acusavam Andreza de assédio moral com o objetivo escuso de fabricar uma matéria que prejudicasse as pretensões de Flávio Dino de ser apontado como próximo ministro do STF.

A partir dessa matéria, toda a máquina petista de moer reputações entrou em ação. Até Nelipe Feto deu a sua contribuição.

O único problema da “reportagem” do site é que os prints usados são da própria página de inserção das denúncias, como demonstrado por um print que eu mesmo fiz da mesma página, em branco. Note o “1o passo” acima da página, igual aos prints do site. Ou seja, somente seria possível tirar esses prints no momento em que a denúncia estivesse sendo escrita. E não há um número de protocolo sequer que prove que a denúncia foi efetivamente submetida.

Por que fizeram assim? Provavelmente porque uma mera entrevista com “funcionários” anônimos do Estadão seria mais fraco. Uma “denúncia” ao Ministério Público, isso sim, dá ares de oficialidade, algo muito mais sério e concreto. O fato de que o site tenha tido acesso à denúncia no mesmo momento em que estava sendo feita demonstra a armação tosca.

Como diz a notinha da ANJ, esses métodos “não se coadunam com valores democráticos” e são “uma prática de regimes autocráticos”.

Curiosamente, na mesma página, a inefável Eliane Cantanhêde aponta Javier Milei, ao lado de Bolsonaro e Trump, como um “trio contra a democracia”. Ainda bem que temos o PT para nos salvar.

A esquerda com as barbas de molho

Lembrando aqui os números das eleições argentinas, e que me fizeram cravar Sérgio Massa como próximo presidente da Argentina:

Primárias:

  • Milei: 30,0%
  • Massa: 27,3%
  • Bullrich: 28,3%
  • Outros: 14,4%
  • Comparecimento: 69%

1o turno (número entre parêntesis é a variação para as primárias):

  • Milei: 30,0% (zero)
  • Massa: 36,5% (+9,2%)
  • Bullrich: 23,9% (-4,4%)
  • Outros: 9,6% (-4,8%)
  • Comparecimento: 78%

Agora no 2o turno os números foram os seguintes (número entre parênteses é a variação para o 1o turno):

  • Milei: 55,7% (+25,7%)
  • Massa: 44,3% (+7,8%)
  • Comparecimento: 76%

O que me havia levado à previsão de Massa presidente foi a migração de votos de Bullrich para Massa das primárias para o 1o turno, e a extrapolação desse movimento para o 2o turno, o que simplesmente não ocorreu. Aparentemente, os eleitores de Bullrich que migrariam para Massa já o tinham feito no 1o turno. Sobraram os que não estavam dispostos a dar mais um mandato para os peronistas, que migraram em peso para Milei.

Mário Covas costumava dizer que o povo sempre vota “certo”, cabendo aos políticos interpretarem os resultados das urnas, não julgá-los. O povo argentino falou através das urnas de forma contundente, dando a Milei uma vitória muito folgada para os padrões atuais de polarização. Cabe aos políticos, inclusive no Brasil, interpretarem esse resultado. Os petistas devem estar com as barbas de molho, o que, por si só, já é uma boa notícia para o Brasil.

Um Collor argentino?

Há oito anos, Maurício Macri derrotava Daniel Scioli em uma eleição apertada, 51,7% contra 48,3% dos votos. Macri dava fim, assim, a 12 anos da era Kirshnerista no poder. Pró-mercado, Macri era a esperança da volta de alguma racionalidade macroeconômica ao país. Quatro anos depois, Macri perderia as eleições já no primeiro turno para o kirshnerista Alberto Fernandez, com Cristina Kirshner de vice. Macri, ao contrário de todas as promessas, entregou um país com inflação maior e com um pacote giganteesco do FMI, o maior da história da instituição. A estratégia gradualista de Macri não funcionou.

Loco Milei promete que, se eleito, não vai cair nos mesmos erros de Macri. Entrará com os dois pés no peito do Estado argentino, sem chance de reação. Lembra-me um pouco Fernando Collor, que dizia que iria acabar com os “marajás do serviço público” e tinha uma única bala para matar o dragão da inflação. Não era só retórica: Collor protagonizou o maior calote da dívida pública da história ao promulgar o confisco. Apesar de, do ponto de vista microeconômico, o governo Collor tivesse deixado um legado positivo, com as privatizações e a abertura comercial, do ponto de vista macroeconômico foi um desastre, com o seu calote nos assombrando até hoje. Não fosse o impeachment, certamente perderia as eleições de 1994.

A eleição de Massa, por outro lado, promete ser um pouco mais do mesmo, como se isso fosse resolver alguma coisa. A verdade é que a equação macroeconômica argentina não tem solução, a não ser através de um ajuste profundo do Estado, que deixará muitas viúvas pelo caminho. A estratégia Macri não deu certo, a estratégia Fernandez-Kirshner muito menos. A estratégia Milei ainda não conhecemos. Mas, pelo menos, será algo diferente. Só espero que não termine como Collor.

(este post foi escrito antes de conhecido o resultado das eleições, que deu a vitória a Milei)

O leitor que lute

Essas notinhas de jornal, muitas vezes, são fruto de uma troca mutualmente vantajosa: o repórter tem acesso a dados “exclusivos”, e o órgão governamental ganha um espaço simpático no jornal. E aí você pergunta: onde fica o leitor nessa troca “mutuamente vantajosa”? Bem, aí já é demais exigir que as três partes ganhem, não é mesmo?

Vamos fazer a pergunta óbvia: qual foi o efeito real desse “grande aumento de desembolso” do BNDES? A julgar pela evolução da produção industrial, zero. Literalmente. A produção industrial cresceu zero nos últimos 12 meses em relação aos 12 meses anteriores. E pior: decresceu 0,2% nos primeiros nove meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado. Justamente o período em que os desembolsos do BNDES “explodiram”.

Essa é a análise óbvia a ser feita, mas talvez seja pedir demais para o repórter que precisa estar de bem com o poder para continuar a ter acesso a dados “exclusivos”. O resultado são essas notinhas chapa-branca que passam a ilusão de que o governo está trabalhando.

A cereja do bolo é a menção à CNI, que teria recebido “com entusiasmo” um pacote para “fortalecer o setor”. Bem, só faltava os industriais rechaçarem dinheiro farto e barato do governo. A julgar pelos resultados até o momento, essa “explosão” de recursos do BNDES deve ter parado onde sempre pararam: na linha de lucros das empresas, sem qualquer aumento de produção.