Fidelidade partidária

O PSB expulsou um deputado que votou a favor da reforma da previdência e suspendeu outros nove de suas funções partidárias. O deputado expulso é reincidente, pois havia votado a favor da reforma trabalhista, também contra o fechamento de questão do partido.

Querem saber? O partido está absolutamente correto.

As democracias ocidentais são partidárias. Os políticos se reúnem em partidos que comungam de certas ideias centrais. É como em um restaurante: um cozinheiro especializado na culinária francesa não pode, em nome de sua liberdade de consciência, servir crepe suzette em restaurante baiano. Cada qual no seu quadrado.

Com todo respeito à Tabata Amaral ou ao Filipe Rigonni, para ficar nos dois novos queridinhos da mídia, eles usaram a estrutura partidária do PDT e do PSB para se elegerem, e deveriam ter consciência de seus respectivos programas de governo antes de se filiarem.

No limite, se não houvesse disciplina partidária, os partidos seriam dispensáveis. Teríamos 513 “partidos políticos” na Câmara, cada um com sua respectiva “liberdade de consciência”. Se já achamos que o atual número de partidos é deletério para a governabilidade, imagine um ambiente sem partidos!

Fechar questão é algo raro na vida de um partido, e só acontece quando o tema da votação é nevrálgico, faz parte da própria essência do partido, é o motivo do partido existir. Se Tabata, Filipe e os outros deputados não identificaram essa essência antes de se filiarem, então erraram feio.

Em 2003, 3 deputados foram expulsos do PT por terem votado contra a reforma da previdência dos funcionários públicos, patrocinada pelo então governo Lula. Estes 3 deputados, que viriam a fundar o PSOL, não identificaram a essência do PT: obedecer Lula acima de qualquer coisa. Isso é assim até hoje.

São raros os partidos que têm uma essência clara. A do PT, é obedecer Lula. A do PSL, é obedecer Bolsonaro. A do Novo, é ser liberal raiz e obedecer aos estatutos bem restritos do partido. O deputado quer poder exercer a sua “liberdade de consciência”? Existem muitos partidos disponíveis que formam a “geleia real” da política brasileira, onde a consciência é livre. O que não significa que seja de graça.

“O problema aqui é convencer os mercados a aceitar essa visão de longo prazo”

Mais um artigo reverberando o abaixo-assinado de CEOs decretando que o lucro não é tão importante quanto o impacto social das empresas (‘Mr. Friedman, we have a problem’: Vem aí o capitalismo 3.0)

Se eu fosse CEO faria o mesmo. Quer coisa melhor do que não ser cobrado pelo lucro? “Olha, a empresa não gera lucro, mas trata muito bem os empregados e ajuda a plantar árvores na Amazônia”. Ok.

Como profissional do mercado financeiro, canso de ouvir perguntas de amigos e parentes sobre “quais são as melhores opções de investimentos”, que “rendam mais que a poupança”. Ninguém me pergunta: “qual a opção de investimento em empresas que tratam bem os empregados?” Ou “onde posso investir para melhorar o ar do planeta?”. Nada disso. A pergunta é sempre “onde rende mais?”

Esse é o tal de “mercado” citado no trecho do artigo que dá o título a este post. O “mercado” somos todos nós, que, afinal, estamos sempre atrás de um bom retorno.

“Ah, mas as empresas socialmente responsáveis rendem mais no longo prazo”. Bem, se isso for realmente verdade, os critérios sociais se imporão naturalmente. Afinal, todos estamos atrás de bons retornos, não é mesmo? A necessidade de um “abaixo-assinado” de CEOs parece ser a evidência de que, afinal, critérios sociais não devem ser tão lucrativos assim.

O artigo diz que Milton Friedman deve estar se virando no túmulo. Acho que, na verdade, ele deve estar é rolando de rir no túmulo. A frase “só falta convencer o mercado” é exatamente o que ele diria.

A política do crime

Carlos Alberto Sardenberg, mais uma vez dando show em sua coluna nO Globo (A política do crime).

“Sigo na análise de algumas teses político-jurídicas supostamente articuladas para conter também supostos “excessos da Lava-Jato”.

Na semana passada, tratei de “criminalização da política” — a tese segundo a qual a Lava-Jato criminaliza toda a atividade política e todos os políticos. Argumentei: a força-tarefa não pega políticos, pega políticos ladrões. Outra tese criticada foi a da “criminalização da atividade empresarial”. Mesma lógica. A Lava-Jato não apanha empresários, apanha empresários envolvidos em corrupção.

Nesta coluna, examino outra tese — “ cerceamento do direito de defesa ”. Aqui aparecem, de novo, os garantistas. Argumentam que os métodos de investigação, acusação e julgamento da Lava-Jato impedem a ação efetiva dos advogados de defesa. Ou, de outro modo, não garantem o direito dos réus de um julgamento, digamos, justo.

Foi a defesa de Lula que começou com isso logo no primeiro processo do ex-presidente em Curitiba, referente ao tríplex do Guarujá — e a tese se generalizou na medida em que a operação apanhou membros de todos os partidos. O que era uma operação contra Lula tornou-se, nessa visão, uma operação contra os políticos.

Mas, tomando como exemplo o caso do tríplex, nenhuma prova solicitada pela defesa foi recusada pelo então juiz Sergio Moro. Ele também topou ouvir nada menos que 86 testemunhas, quando o normal seriam apenas oito.

Na verdade, neste caso como em outros, os garantistas (advogados, juízes e juristas) se incomodam com a celeridade dos processos em Curitiba.

O que leva a outra questão: onde há celeridade, os garantistas dizem haver um atropelo das normas e práticas do direito, ou um tipo de “ ofensa à ordem jurídica ” — outra tese muito utilizada.

Observem os fatos, porém. Em cinco anos, a Lava-Jato instaurou 2.476 procedimentos, tudo aí incluído: mandados de busca e apreensão, condução coercitiva, prisões preventivas, temporárias e em flagrante. Parece muito e é muito, se os números forem comparados com a lentidão conhecida da Justiça brasileira. Entretanto, apenas 438 pessoas foram acusadas, sendo 159 condenadas até o momento, em Curitiba.

Pode-se dizer que se trata de uma “sanha acusatória”? Na Itália, a operação Mãos Limpas levou à cadeia nada menos que 3.292 pessoas, incluindo políticos, governantes de alto nível, elite empresarial.

A reação dos ofendidos demorou para tomar força na Itália, mas acabou triunfando. Acabaram com a operação.

Aqui, a reação das elites apanhadas ou ameaçadas começou bem antes. E está em progresso.

O último movimento nessa direção foi a decisão da Segunda Turma do STF, que anulou a condenação de Aldemir Bendine alegando uma formalidade inédita.

A Turma entendeu que a defesa do réu Bendine deveria ser a última a ser ouvida, depois dos réus delatores. O juiz Moro havia decidido que a defesa de todos os réus tinha o mesmo prazo para as alegações finais. Argumentara que não havia nada na lei mandando separar os réus, delatores ou não.

Essa era a tese aceita até então. A decisão da Segunda Turma foi uma surpresa — e uma decisão que faz a festa dos chamados garantistas.

Digamos que a defesa dos réus delatores, perdendo a última palavra, também se dirija ao STF, alegando que está sendo prejudicada pois a defesa sempre fala por último.

Pronto, isso vai ao infinito, esquecem-se as provas, os testemunhos, anula-se o processo por uma disputa formal.

Elites políticas e jurídicas dizem que houve uma conspiração não republicana entre promotores e o juiz Moro, e mais os agentes da Polícia Federal, Receita Federal e Coaf, tudo isso cerceando a defesa e poluindo o processo.

Mas seria o senador Flávio Bolsonaro um “garantista” revoltado com a ação do velho Coaf, que compartilhava informações com Receita, Ministério Público e Polícia Federal sem autorização judicial expressa? Ou estaria incomodado com o fato específico de um assessor seu, o Queiroz, ter sido apanhado?

Seguidas decisões de juízes do STF dificultando investigações envolvendo políticos, empresários e agentes públicos seriam apenas uma opção doutrinária?

Mais parece a politização do crime.”

Delação premiada sob ataque

Esses são trechos do editorial do Estadão de hoje.

Cabe uma pequena explicação: a 2a turma do STF entendeu que Bendini teve o seu direito de defesa cerceado porque apresentou suas alegações finais ao mesmo tempo que outros réus. Sendo esses outros réus delatores, poderiam apresentar fatos novos, que ficariam sem resposta da defesa.

Ocorre que a legislação penal brasileira não prevê diferença entre réus colaboradores e não-colaboradores. Se Moro tivesse dado o privilégio de Bendini ser o último a falar no processo, poderiam os outros réus afirmarem que estavam em desvantagem no seus respectivos direitos de defesa. Vale lembrar que não é preciso ser réu colaborador para acusar outros. Bendini poderia usar seu privilégio para atacar os outros réus, sem que esses pudessem se defender. Entraríamos então em um processo recursivo, em que a alegação de cerceamento ao “direito de defesa” se exerceria ad infinitum.

Bem lembra o editorial que o instituto da colaboração premiada foi importado de outro sistema de justiça. Exatamente. De um sistema de justiça que funciona, não se perde em filigranas jurídicas, e põe atrás das grades criminosos de colarinho branco de maneira rápida e eficaz. Um sistema de justiça que, enfim, é realmente para todos.

A delação premiada foi incorporada ao sistema penal brasileiro como um corpo estranho. Onde já se viu condenar eficazmente pessoas que podem contratar advogados pagos a peso de ouro para encontrar brechas jurídicas em um sistema penal feito para proteger a casta dominante? Não, não é possível. A 2a turma do STF começa a colocar as coisas em seus devidos lugares.

Precatório não é dívida

Gostei dessa definição de moratória do Serra. Penso em adotar.

Por exemplo: meu IR não tem data de vencimento. Não fiz um acordo com meu credor para pagar em determinada data. Vou dizer: preciso desse dinheiro para pagar saúde e educação dos meus filhos. Portanto, vamos estar adiando isso aí.

Será que cola?

Argumentos técnicos

Como se vê pelo voto de Gilmar Mendes, a anulação da sentença de Bendini contou com argumentos técnicos e bem embasados. Fico feliz de ter um Supremo que restabelece as bases da verdadeira justiça no País, aquela que garante o “direito de defesa” ad infinitum.

(Por aqui paro, que não quero ser alvo de busca e apreensão por parte da polícia do Supremo).

Faça alguma coisa!

Trecho da entrevista de Marcos Lisboa ontem, no Estadão.

Assim como aprendemos a duras penas que não se vence a inflação congelando preços, estamos também aprendendo a duras penas que não saímos da armadilha do baixo crescimento econômico dando incentivos de curto prazo. Quer dizer, “estamos aprendendo” talvez seja uma expressão muito otimista.

Lisboa coloca dois exemplos: a Inglaterra de Thatcher e a Austrália. Na primeira, as reformas foram rápidas e dolorosas. Na segunda, lentas e mais palatáveis. Em ambos os casos, funcionaram para aumentar a produtividade da economia.

Não temos uma Thatcher tupiniquim, que aguenta firme mais de um ano de greve dos mineiros. Aqui, os governos fogem correndo para fazer tabelamento de fretes quando os caminhoneiros batem o pé. Greve de funcionalismo público, nem pensar.

Portanto, o ritmo das reformas será lento. Exasperadoramente lento. Macri está pagando o preço por ter optado por esse caminho.

“Faça alguma coisa!”, começam a gritar os agentes políticos. “Faça alguma coisa!”, Bolsonaro começa a dizer para o seu Posto Ipiranga. Desde raspar o tacho das estatais até liberar o FGTS, o super-ministro da economia vai mostrando que seus super-poderes são bem limitados.

13 milhões de desempregados urgem. Mas não há o que fazer. Assim como o congelamento de preços, incentivos de curto prazo introduzem distorções de médio prazo, em uma economia já cheia delas. É preciso perseverar nas reformas.

Os sacrifícios do governo

A meta de déficit fiscal é de R$ 136 bilhões. Atenção: não é de superávit. É de DÉFICIT. Mesmo assim, o governo vai parar em setembro porque não há dinheiro para cumprir esta meta.

Guedes está raspando o tacho, dessa vez antecipando o máximo possível de dividendos das estatais. Dividendos esses que somente seriam devidos no ano que vem. E no ano que vem? Sei lá, a gente se vira.

O governo está fazendo sacrifícios enormes para tentar se enquadrar. Sacrifícios com o bu do povo, que fique bem claro. Serviços essenciais estão ameaçados, desde a emissão de passaportes até o atendimento de saúde. Mas despreocupe-se quem está pensando que o governo está vivendo a pão e água. Vejamos:

– O STF decretou que salários públicos são irredutíveis. E, claro, funcionários públicos são inamovíveis.

– Entrantes em carreiras de Estado continuam recebendo o mesmo que profissionais tarimbados sequer sonham em ganhar na iniciativa privada.

– Penduricalhos continuam pendurados nos salários dos servidores, fora do alcance da Receita.

– Dentes continuam sendo tratados no Congresso, garantindo o sorriso dos representantes do povo.

– Municípios continuam sendo criados, para garantir o ganha-pão de novos prefeitos e vereadores.

– Aposentadorias integrais para ex-servidores com menos de 60 anos, incluindo moçoilas que tiveram a sorte de não se casar, continuam sendo religiosamente depositadas.

– E uma longa, longuíssima lista de privilégios adquiridos se segue.

Mas, para não ser injusto, a máquina está fazendo a sua parte. Ouvi dizer que as luzes da esplanada dos ministérios estão sendo apagadas às 18:00 hs e o cafezinho está sendo cortado. Mas, claro, descansem os espíritos mais sensíveis, sem tocar na copeira que ganha o equivalente a engenheiros: ela é irredutível e inamovível.

A grande reforma fiscal dos últimos anos foi a da Previdência. R$ 1 trilhão economizados nos próximos 10 anos. Grande parte dessa economia virá do grande público. Muito bem, assim tinha que ser. Afinal, de onde sairia o dinheiro para manter essa máquina de privilégios funcionando?

Rombos never die

A ideia é usar os recursos do FGTS como uma poupança previdenciária. É uma excelente ideia, a não ser por um pequeno detalhe: não sei quanto a vocês, mas eu já considero o meu saldo do FGTS como uma poupança previdenciária. Usarei aquele dinheiro como reserva para a minha aposentadoria.

O problema dessa ideia se vê no trecho da matéria destacado abaixo: poderíamos migrar para o sistema de capitalização sem custo fiscal. Afinal, tem o dinheiro do FGTS!

Apenas para relembrar, migrar para o sistema de capitalização envolve um custo fiscal pelo seguinte: a aposentadoria de quem saiu do mercado de trabalho é financiada por quem ainda está trabalhando e contribuindo para o INSS. Assim, se esse pessoal da ativa parar de contribuir e passar a colocar o seu dinheiro em um sistema de capitalização (onde cada um é dono de sua própria poupança), a aposentadoria dos atuais aposentados precisará ser financiada com outras fontes de recursos. Este é o custo fiscal.

A ideia brilhante de usar o FGTS para financiar a transição é a seguinte: você que está aposentado, não tenho mais como te pagar a aposentadoria. Mas não se preocupe: vou pegar esse dinheiro aqui do FGTS para cobrir o rombo. Lá na frente, quando não houver mais aposentados pelo regime atual, acabará o problema, pois cada um terá a sua própria poupança previdenciária no regime de capitalização.

Seria uma excelente ideia, não fosse um detalhe: estamos transferindo o rombo do INSS para o FGTS. Lá na frente, quando você for sacar o FGTS, faltará dinheiro, pois foi usado para pagar as aposentadorias. Só estamos transferindo o rombo de um bolso para o outro. Rombos never die.

Essa discussão sobre o regime de capitalização é bastante útil, pois explicita o rombo atuarial do atual sistema previdenciário. Não tem jeito, não tem mágica: o Estado brasileiro ainda vai precisar se endividar muito e aumentar muito imposto para cobrir esse rombo. Ou, diminuir o benefício. Usar o FGTS é uma forma mágica de fazê-lo sem que o público perceba.

CPMF ou desemprego

Na semana passada, escrevi aqui que a substituição do imposto patronal para o INSS dificilmente seria transformado em novos empregos. Para que isso acontecesse, seria necessário que os empresários se animassem a aumentar investimentos, o que está longe de ser um destino óbvio para o dinheiro poupado. Provavelmente, esse dinheiro seria usado para aumentar os lucros das empresas.

Claudio Adilson, economista que respeito muito, afirma que o dinheiro da contribuição previdenciária patronal poderia também ser usado para aumentar salários e/ou formalizar o emprego de quem já está empregado. Verdade, ainda que eu não veja muito porque o empresário iria aumentar a remuneração em um ambiente com 11% de desemprego. Na parte superior da pirâmide até pode ser, mas, de maneira generalizada, parece pouco provável.

De qualquer forma, fico feliz de ter escrito antes o que um dos melhores economistas do país escreve hoje: reduzir ou eliminar o imposto previdenciário patronal não irá aumentar o emprego. Não nas atuais condições do mercado de trabalho.

Portanto, a dicotomia “CPMF x desemprego” é só um arroubo de retórica por parte do ministro da Economia. Paulo Guedes precisa tomar cuidado ao usar expressões fortes, politicamente carregadas, para defender suas posições. Ele teve muito sucesso ao fazer isso durante a tramitação da reforma da Previdência, ao usar a imagem do avião que está caindo. No entanto ao abusar desse tipo de retórica em temas nos quais claramente há exagero e má teoria econômica, o ministro corre o risco de perder credibilidade junto aos congressistas, de quem depende para seguir em frente com os projetos da pasta. Como dizia minha avó, quem fala muito dá bom dia a cavalo.