Protejam a rede de proteção

Um dos argumentos utilizados por apoiadores do PT é de que essa história de transformar o Brasil em uma Venezuela é completamente fora de propósito. O PT esteve 13 anos no poder e, aí vai o “argumento”, “não nos transformamos em uma Venezuela”.

Parece aquela piada do cara que cai do 10o andar de um prédio e, ao passar pelo 5o andar, alguém na janela lhe pergunta se está tudo bem. Ao que o homem responde: “tirando o vento na cara, por enquanto está tudo bem”.

A resposta é tão idiota quanto o “argumento” usado pelos petistas. O vento estava batendo nas nossas caras até o impeachment, mas para os petistas estava “tudo bem”.

Quais as evidências de que nos aproximávamos do solo?

– Assim como a PDVSA, a Petrobras foi usada para implementar políticas desenvolvimentistas e para fazer populismo tarifário. Claro, a PSVSA é muito mais importante para a economia da Venezuela do que a Petrobras é para o Brasil, mas mesmo assim o impacto foi relevante.

– Assim como na Venezuela, o governo Dilma adotou política econômica intervencionista, mexendo profundamente com o sistema de preços relativos e a confiança dos agentes econômicos. Eu diria que este é o fator, tomado isoladamente, mais importante para explicar a pior recessão da história brasileira.

– Assim como na Venezuela, as estatais e outros órgãos do governo foram aparelhados até a medula, tornando-se instrumentos do partido para a manutenção do poder.

– Assim como na PDVSA, a Petrobras foi usada para manter um esquema gigantesco de corrupção do sistema político.

– Assim como fez o chavismo na Venezuela, o PT tentou emplacar uma “constituinte” por meio de um plebiscito. Isso aconteceu como resposta às manifestações de 2013, uma das 5 medidas propostas pelo governo para “dar uma resposta às ruas”. Não custa lembrar que esta mesma ideia voltou no programa de governo do PT deste ano e foi espertamente retirada por Haddad.

– O governo Dilma tentou emplacar uns tais “conselhos populares”, em que decisões importantes de governo passariam pelo crivo popular. Uma forma de driblar o Congresso.

– A exemplo da Venezuela, está ainda no programa do PT uma tal “regulação econômica da mídia”. Juram que é só para acabar com os monopólios. Ok, acreditamos.

Sim, é verdade que não nos transformamos em uma Venezuela nos 13 anos do PT. Mas isso só não aconteceu porque as instituições brasileiras, a imprensa livre e o povo nas ruas estendeu uma rede de proteção, impedindo a continuidade da queda.

Não se engane: o que o PT quer fazer agora é retirar a rede de proteção.

Respeito à imprensa

Quem teve paciência de ler os Diários da Presidência (eu li o 1o volume e foi o suficiente) viu como FHC passa grande parte do tempo reclamando das injustiças publicadas pela imprensa. Houvesse Twitter na época e fosse FHC um histriônico como Trump, seus tuites não seriam muito diferentes.

Além disso, é o PT que ameaça a imprensa livre em seu programa, prometendo implementar um tal “controle social da mídia”.

Sim, intimidar a imprensa livre é uma ameaça à democracia, e isso é inadmissível.

Parabéns, Lula!

“Tenho consciência de que fizemos o melhor para o Brasil e para o nosso povo, mas sei que isso contrariou interesses poderosos dentro e fora do País. Por isso tentam destruir nossa imagem, reescrever a história, apagar a memória do povo. Mas não vão conseguir.”

Dizem que esta carta, divulgada ontem, é do Lula. Duvido. Deve ter sido fabricada pela campanha do Bolsonaro, só pode ser.

A 5 dias das eleições, quando Haddad já conseguia começar a convencer de que ele era um “novo PT”, mudando trechos relevantes do programa de governo e ensaiando um incipiente mea culpa, vem essa carta lembrando o que Lula e o PT são: um conjunto de mistificações e uma eterna luta entre “nós e eles”. Hoje é o fascista Bolsonaro, ontem era o neoliberal PSDB, todos inimigos do povo.

Não tem nada melhor que Bolsonaro pudesse ter feito para inflamar a sua militância e afastar a possibilidade de uma “frente democrática”. Parabéns, Lula!

Porque o PT vai perder

Está repercutindo essa fala de Mano Brown, cobrando a leitura correta do PT a respeito da sua provável derrota nessas eleições.

Mas o que me chamou a atenção nesse vídeo foi outra coisa. A partir de 3’47”, depois da fala de Mano, Caetano Veloso toma o microfone para fazer uma espécie de redução de danos.

Em um discurso meio sem pé nem cabeça, complexo, com aquele verniz intelectual hermético típico da esquerda brasileira, no fundo Caetano diz o contrário de Mano: os culpados são os outros, os fascistas cafajestes. E a conclusão é que estes precisam ser eliminados da vida pública brasileira.

Ao contrário de Mano, Caetano foi aplaudido. Não é à toa que vão perder, e vão perder feio, como bem disse o intelectual Cid Gomes.

A “virada” e a realidade

Lembro do clima na semana anterior à votação do impeachment. Começou a ser ventilado um movimento de “virada” que, garantia-se, aconteceria na votação da Câmara.

A realidade: o impeachment ganhou com o número de votos previsto.

Aconteceu também nessa eleição: um clima de “virada” em favor de Ciro tomou conta da campanha, fazendo crer que ele tinha chance de tomar o lugar do PT no 2o turno.

A realidade: Ciro obteve 12% dos votos, mais ou menos o que as pesquisas indicavam na véspera.

Agora vai começar um clima de “virada” por parte da campanha de Haddad e da imprensa engajada. Basta sair um número um pouco mais apertado hoje no DataFolha, em linha com o que saiu ontem no Ibope.

A realidade? Veremos no domingo.

O verdadeiro mal

Vou correr o risco de atrair a ira dos bolsonaristas mais fanáticos com este post. Mas acreditem, é para o seu próprio bem.

Bolsonaro é um nada. Trata-se de um oportunista que soube surfar na onda, esta sim relevante, do anti-petismo.

Colocar Bolsonaro no mesmo patamar de Lula é um artifício que só interessa ao PT. Lula é o político brasileiro mais importante desde Getúlio Vargas. Raros políticos na história brasileira moldaram o país como Lula o fez nos últimos 30 anos. Bolsonaro não passa de um obscuro deputado do baixo clero que, repito, soube surfar a onda da insatisfação popular com tudo o que o lulopetismo representa.

Por que estou dizendo isso? Porque acho ridícula toda essa campanha sobre “democracia”, “ameaça às liberdades” e coisas semelhantes, que colocam Bolsonaro como o líder de um movimento consistente da política brasileira, o exato contraponto de Lula. No máximo, podemos dizer que Bolsonaro nos remete a acontecimentos de 50 anos atrás, por mera semelhança de discurso. E só. As circunstâncias são completamente outras, o mundo é completamente outro. A única força política que realmente molda a realidade atual chama-se lulopetismo.

Bolsonaro é um espantalho útil. Amedronta as almas mais sensíveis com histórias de bicho-papão, quando o verdadeiro bicho-papão, aquele que transformou a vida do brasileiro em um inferno de violência, desemprego, corrupção, aparelhamento do Estado, incompetência e arroubos autoritários chama-se lulopetismo.

Os principais representantes da esquerda não caíram nessa. Ciro foi viajar. FHC mandou o PT para o inferno. Marina demorou duas semanas para, mesmo assim, declarar seu “apoio crítico”. Pode até ser que Ciro e FHC declarem finalmente o seu “apoio crítico” ao petista nesta última semana da campanha. Se isso acontecer, será apenas protocolar, sem o real desejo de se engajar na campanha. Eles sabem com quem estão lidando.

Checando as agências de checagem

Fake news. Essa é a palavra do momento.

Minha primeira fake news está na minha certidão de nascimento. Consta lá que nasci às 7:20 hs de um certo dia de dezembro. Agências de checagem chegaram à conclusão de que, na verdade, pode ter sido às 7:19 ou 7:21. Ou mesmo qualquer outro horário, porque o relógio da sala de parto estava atrasando por aqueles dias.

Claro que é uma piada. Mas não tem dúvida de que a chance de eu ter nascido exatamente às 7:20 é muito baixa. Trata-se de um horário aproximado, suficiente para dizer: Marcelo Guterman nasceu no início da manhã de um certo dia de dezembro. Mas com toda probabilidade, essa informação seria classificada como fake news pelas agências de checagem.

Essa comparação me ocorreu quando li um artigo onde a agência Lupa selecionou as 8 fake news mais compartilhadas via Whatsapp. A primeira está abaixo e é bastante curiosa: mostra uma suposta Dilma Rousseff jovem na companhia de Fidel Castro. A agência conclui que se trata de fake news, porque Dilma teria, na data da foto, apenas 11 anos de idade. O fake está em que aquela moça da foto não é Dilma, apesar da engraçada semelhança física.

Ora, mas o ponto da foto não é este. Não é que Dilma, a vida inteira, tenha jurado de pés juntos que não apoiava Fidel, que achava Cuba um lixo, que deplorava a revolução cubana e, de repente, encontraram uma foto que desmentia tudo isso. Não! É pública e notória a simpatia de Dilma pelo regime cubano.

Assim, a foto serve, até de maneira jocosa, para reafirmar uma verdade: Dilma é próxima de Fidel e do regime cubano. Não, Dilma não esteve com Fidel em 1959. Isso é falso, assim como é falsa a informação de que eu nasci à 7:20. Mas sim, é verdadeira a informação de que Dilma e Fidel tem tudo a ver.

Esta foto serve para reforçar uma verdade, apesar de ser, em si, mentirosa. Ao checar exclusivamente a veracidade da foto, a agência de checagem perde (proposital ou inadvertidamente, não vou julgar) o “big picture”.

Outro ponto, o reverso da medalha: tirar uma foto ao lado de uma personalidade não é prova de apoio àquela personalidade. Ficou famosa a foto de Sérgio Moro ao lado de Aécio Neves.

Esta foto foi usada ad nauseam para “provar” que Moro favoreceria o PSDB em seus julgamentos. As agências de checagem não diriam que é fake. Afinal, a foto é verdadeira, de fato Moro foi fotografado ao lado de Aécio, dando risadas. O problema são as inferências que se fazem a partir da foto. No caso de Dilma, a foto é falsa mas a inferência é verdadeira. No caso de Moro, a foto é verdadeira, mas a inferência é falsa. As agências de checagem se limitam a julgar as fotos, mesmo porque seria subjetivo julgar as inferências. Mas são essas que importam, no final.

A foto da Dilma jovem com Fidel serve para reforçar uma verdade. Há outras, no entanto, que servem para reforçar preconceitos. Uma das fake news mostra mulheres defecando em uma igreja (não reproduzo aqui por pudor) com a legenda “Feministas invadem igreja, defecam e fazem sexo”. A foto foi classificada como fake porque foi tirada na Argentina, em um protesto contra Macri. Mas o problema não é este. O problema está em relaciona-la com “feministas”. Pode-se não concordar com a ideologia feminista no campo das ideias. Outra coisa, no entanto, é relacionar o feminismo com depravação dos costumes, coisa que ultrapassa em muito o admissível. Temos aqui um caso em que a agência de checagem novamente perde o big picture, pois afirma que a notícia é fake porque a coisa aconteceu na Argentina e não no Brasil, enquanto o busílis da questão não é se a foto é verdadeira ou falsa, mas sim se o feminismo pode ou não ser associado a este tipo de foto. Não se trata de fake ou não, mas de honestidade intelectual, coisa impossível de medir em um fact checking.

Um terceiro e último exemplo, muito parecido com minha certidão de nascimento falsa: uma determinada mensagem afirma que o os gastos do governo cresceram 4% entre os anos de 2011 e 2016 (governo Dilma), enquanto os gastos das famílias recuaram mais de 1% no mesmo período, em uma mensagem de que o governo tomou o lugar das famílias durante aqueles anos.

A agência de checagem verificou os números e sentenciou: é fake. Segundo a agência, neste período (2011-2016), o consumo do governo cresceu 3,1% enquanto o consumo das famílias cresceu 1,8%. Portanto, falso. Novamente, a agência perde o big picture ao se apegar à verdade dos números. Mesmo considerando os números reais, podemos concluir que os gastos do governo cresceram mais do que os gastos da família nesse período. Mas concedo que os números do gráfico são muito mais “chocantes” e levam a uma conclusão viesada.

Mas o ponto não é este. A agência de checagem se ateve ao período indicado no gráfico (2011-2016). No entanto, se o cálculo fosse feito até o 2o trimestre de 2016 (quando efetivamente o governo Dilma se encerrou) o resultado seria o seguinte: queda de 1,2% do consumo das famílias e crescimento de 2,5% do consumo do governo. Portanto, um resultado semelhante ao mostrado no gráfico. Ou seja, a agência de checagem, ao se limitar estritamente aos dados do gráfico, na verdade, está dizendo que o mais importante é saber se nasci exatamente às 7:20, sendo pouco relevante se nasci ou não.

Empate no Z4

“Um cabo e um soldado fecham o STF” – Bolsonaro, Eduardo

“Tem que fechar o STF” – Damous, Wadih

“Um grande acordo, com STF, com tudo” – Jucá, Romero

“Nós temos um STF acovardado” – Lula da Silva, Luís Inácio

No campeonato de desrespeito às instituições, tá dando empate no Z4.

Manifesto petista

Na véspera da manifestação “elenão”, um amigo, eleitor de Alckmin, tentou convencer-me a ir até a manifestação. Segundo ele, era essencial que a manifestação fosse vista como “plural”, e não uma agenda da esquerda, uma campanha pró-PT disfarçada. Na época, Haddad já despontava como o virtual adversário de Bolsonaro no 2o turno, mas ainda havia uma tênue esperança de que o ex-capitão pudesse desidratar em favor do candidato do PSDB. Recusei-me, pois pra mim aquilo era só campanha do PT disfarçada, como restou provado por pesquisa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP.

Segundo essa pesquisa, realizada durante o evento no Largo da Batata, em São Paulo, 80% dos entrevistados se identificaram como de esquerda e 8% como de centro-esquerda. 34% dos entrevistados afirmaram que seu partido era o PSOL, 30% afirmaram que era o PT e 20% afirmaram que não tinham partido de preferência. Ou seja, dos que tinham partido, 80% eram PSOL ou PT.

Fernão Bracher, Claudia Costin, Phillipe Reichstul, José Carlos Dias, Naercio Menezes são nomes que servem para aquilo que meu amigo sugeriu que eu fizesse: dar um verniz plural a uma manifestação petista. Mas agora, sem a desculpa de que há outros candidatos no cardápio. É PT mesmo, sem disfarces.

Cada um sabe o que faz com o seu nome.