Missão quase impossível

Temos abaixo as diferenças entre os 1o e 2o colocados no primeiro e no segundo turnos das eleições desde a redemocratização. O terceiro número é o percentual de votos que o primeiro colocado conseguiu pescar dentre aqueles que não escolheram nenhum dos dois primeiros colocados no primeiro turno:

1989: 15,8 / 6,0 / 40,4%

2002: 23,2 / 22,5 / 48,8%

2006: 7,0 / 21,7 / 125,3%

2010: 14,3 / 12,1 / 44,6%

2014: 8,0 / 3,3 / 40,4%

2018: 16,8 / 10,3 / 36,9%

2022: 5,2 / ?

Podemos observar que, no pior resultado para o primeiro colocado, Bolsonaro conseguiu 36,9% dos votos dentre aqueles que votaram em todos os outros candidatos no primeiro turno.

Pois bem. Lula precisa ganhar 1,7 pontos percentuais para ganhar a eleição. Isso significa 20,3% dos votos em outros candidatos do primeiro turno. Ou, de outra forma, Bolsonaro precisa ganhar mais do que 80% dos votos de eleitores de outros candidatos. Não é impossível, mas seria um novo recorde e significaria a quebra de uma escrita, com o 2o lugar ultrapassando o primeiro.

Como é muito difícil capturar 80% dos eleitores de outros candidatos, Bolsonaro, para vencer essa eleição, precisará virar votos de quem votou em Lula. Como fazê-lo? Dessa resposta depende os próximos 4 anos.

Breves notas sobre as eleições

1) Os institutos de pesquisa são os grandes perdedores dessa eleição. As consideradas “padrão ouro” se provaram “padrão estrume”. Ainda vou fazer um levantamento mais sistemático dos erros, mas não precisa ser estatístico para isso, são visíveis a olho nu. A conclusão é de que talvez seja melhor mesmo contar motos em motociatas do que olhar os números das pesquisas.

2) Fernando Gabeira, na Globo News, com sua usual honestidade intelectual, reconheceu que o conservadorismo é uma força política a ser considerada na equação da democracia brasileira. Ele confessou que subestimou essa força em suas análises.

3) Bolsonaro chega ao 2o turno com moral muito mais elevado do que seu adversário. Isso, no entanto, não torna sua vida mais fácil. Faltaram apenas 1,7% dos votos para Lula ganhar no 1o turno. Ele ficou muito perto da vitória. Bolsonaro, para ganhar, precisa virar votos do próprio Lula, não basta conquistar os eleitores de Ciro e Tebet. Não é uma missão impossível, mas é bem difícil.

4) Janaína Paschoal teve 450 mil votos, menos de 1/4 do que obteve em 2018. Quando escrevi aqui que ela errou completamente o timing de sua candidatura ao senado, muitos se revoltaram, afirmando que iriam votar na deputada. Infelizmente, Janaína perdeu o tempo da política.

5) Tiririca teve apenas 70 mil votos, uma sombra do que já teve no passado. Foi eleito pelo quociente eleitoral. Ele, que já foi puxador de votos, dessa vez foi puxado.

Embalado para presente

O Estadão nos apresenta hoje um perfil de Fernando Haddad. O final está aí. A matéria nos informa que Haddad leu 250 livros para escrever sua mais nova obra, que nasceu de conversas com Noam Chomsky. Isso tudo é chic nas últimas!

Haddad é realmente um prodígio. Leu 250 livros desde que perdeu as eleições! Vamos fazer uma conta rápida: de dezembro de 2018, quando foi dispensado de sua condição de poste, a abril de 2022 (o livro foi lançado em maio) são 41 meses. Portanto, temos um ritmo de aproximadamente 6 livros por mês, ou 1,5 livros por semana, sem descanso. E não são livros quaisquer! São livros mais densos do que o interior de um buraco negro. E Haddad certamente conjugou esse febril trabalho acadêmico com uma atividade profissional que lhe permitiu ganhar o seu sustento nesse período. Ninguém sabe exatamente qual é essa atividade, mas deve existir.

Agora sério. Assim como Lula é embalado e vendido como um típico representante do povo brasileiro, Haddad é embalado e vendido como um intelectual potente, alguém muito mais preparado para entender o mundo do que trogloditas como nós. Lula teria aquela sabedoria do povo, enquanto Haddad teria a sabedoria adqurida nos muitos livros lidos e nas conversas com os Noams Chomskys da vida.

Tudo não passa de marketing. A “informação” dos 250 livros não estão ali à toa. Serve justamente para criar essa imagem. Alguém tão superior certamente está mais preparado para nos governar do que um troglodita como Tarcísio ou um capiau como Rodrigo.

A reportagem termina de forma patética, nos informando que Haddad tem tanto prazer em receber um elogio de Noam Chomsky quanto teria em ganhar a eleição para governador de SP. Coisas que nós, pobres mortais, não conseguimos alcançar. Eu humildemente recomendaria ao candidato que aproveite bem o elogio de Chomsky.