Vamos relevar a idiotice de dizer que uma empresa lucrativa não vende mercadoria. É típico de quem tem os conceitos muito confusos na cabeça.
Vamos estender o conceito.
Comida também é um direito, não? Deveria ser tratada como mercadoria? Deveria haver uma grande estatal tratando da produção e comercialização de comida?
Vestir-se também é um direito. As roupas deveriam, portanto, ser produzidas por empresas estatais, correto?
Aliás, de tudo o que consumimos, o que pode e o que não pode ser considerado “um direito”? Quem define o que é direito? Digamos que fosse possível fazer esta definição. Tudo o que fosse definido como “direito” deveria ser produzido por uma empresa estatal?
Nas antigas economias comunistas (URSS e seus satélites), tudo era considerado direito do povo. E todo direito era produzido por empresas estatais. Deu muito certo mesmo. Cuba continua tentando.
Um terço da população da cidade do RJ não tem coleta de esgoto, e mais da metade do esgoto coletado não é tratado. Este é o resultado da “garantia de direitos” proporcionada pela CEDAE.
Ao que tudo indica, o único direito verdadeiramente garantido ao carioca é o de ter uma empresa estatal de estimação. Parabéns.
Para colocar “fim à pobreza”, bastariam R$ 120 bilhões por ano. Isso equivale a aproximadamente 5% da atual arrecadação de impostos. Ou seja, bastaria aumentar a carga tributária dos atuais 32,5% do PIB para aproximadamente 34% do PIB. Não parece ser um impacto relevante.
Mas a coisa não é tão simples assim. Como os impostos não poderiam ser cobrados dessa parcela mais pobre, este aumento da carga deveria ocorrer sobre os 75% mais ricos. Portanto, este aumento deveria ser de 6,66% para essa parcela da população. Continua não parecendo impressionante. Vamos seguir.
Este aumento de impostos deveria se dar na forma direta. Se cobrar indiretamente (sobre produtos e serviços) os mais pobres pagariam também, anulando parte do efeito pretendido.. Então, a alíquota do IR deveria ser aumentada para os 75% mais ricos. Em quanto?
A arrecadação do IR pessoa física é de aproximadamente R$ 120 bilhões/ano. Ou seja, se o IR da pessoa física fosse majorado para “resolver” o problema da pobreza no Brasil, as alíquotas deveriam ser dobradas.
Uma outra forma de resolver o problema é remanejar despesas. O Bolsa-Família, por exemplo, distribui R$30 bilhões/ano para os mais pobres. Para “resolver o problema da pobreza”, este valor deveria ser quintuplicado, para R$150 bilhões/ano. Ao mesmo tempo, a União gasta R$300 bilhões/ano com servidores públicos federais. Ou seja, se estes servidores reduzissem seus ganhos em 40%, estaria resolvida a questão da pobreza no Brasil.
Poderíamos diminuir também os gastos com previdência. A União gasta R$750 bilhões/ano com aposentadorias. Bastaria que os aposentados aceitassem um abatimento de 16% nos seus vencimentos para “resolver o problema da pobreza no Brasil”.
Como vimos, por traz de números aparentemente irrelevantes (aumento de 5% na carga tributária) escondem-se ajustes brutais. Como também puderam observar, coloquei entre aspas o objetivo de “resolver a pobreza”. É muito estreito o conceito de “pobreza” definido como um montante de dinheiro. O que faz o brasileiro mais pobre é a falta de emprego, educação, saneamento básico e segurança pública. Colocar mais dinheiro na mão dos brasileiros pode mitigar certos desejos de consumo de curto prazo, mas essas pessoas continuarão sendo pobres. Amanhã, a tal “barra” que define a linha da pobreza vai subir, e voltaremos a ter pobres no país.
É simplesmente uma ilusão achar que vamos acabar com a pobreza quintuplicando o bolsa-família. O programa tem seus méritos como um programa emergencial, mas a pobreza continuará existindo se continuarmos a ser um país pobre.
Neste artigo, três professores da FEA, com o pretexto de atacar o regime de capitalização da previdência, na verdade tentam nos convencer de que o problema da Previdência no Brasil se resolve com crescimento econômico.
Ao afirmarem que a reforma não gerará ganhos fiscais no curto prazo e que o problema da Previdência se manifestará apenas ao longo de 40 anos, os professores, na prática, descartam a reforma como algo fundamental. O problema, segundo eles, seria a falta de crescimento econômico.
Esta é a realidade fantástica em que vivem os economistas chamados “desenvolvimentistas”. Para estes, o crescimento econômico é uma espécie de elixir que está sempre à mão para que todos os desequilíbrios deixem de existir como que por mágica.
Imagine que uma família viva acima de sua renda. Ela começa a se endividar para manter o seu padrão de vida, com a confiança de que, no futuro, vai aumentar a sua renda de modo a pagar as suas dívidas. Aliás, ela começa a se endividar para montar um novo negócio, com a esperança de que este novo negócio seja capaz de gerar a renda necessária para pagar tanto as dívidas do negócio em si como as dívidas geradas pelo seu padrão de vida acima de suas posses. Este é o raciocínio dos economistas desenvolvimentistas. Para estes, é possível manter o padrão de vida dos aposentados com o aumento da renda futura das pessoa que trabalham. E se a renda não aumentar? Esta é a pergunta que se fazem os credores hoje.
Mas para estes heróis da resistência desenvolvimentista, a reforma da Previdência deveria ficar em segundo plano e o governo deveria focar fortemente na retomada do crescimento econômico. Afinal, com o crescimento, todo o resto se resolve. Seria uma espécie de moto-contínuo: o endividamento tem importância secundária, desde que se mantenha o crescimento econômico. Este se manteria porque todo mundo sabe que, sem crescimento, a dívida é impagável. Seria uma espécie de bicicleta: se parar de pedalar, todo mundo cai.
Aliás, foi o que aconteceu nos anos Dilma: um governo desenvolvimentista que patrocinou uma série de políticas pró desenvolvimento e deixou uma penca de esqueletos fiscais nos armários da República. Aos poucos, os agentes econômicos descobriram a natureza da brincadeira e pararam de pedalar.
É óbvio que o crescimento econômico é fundamental. Afinal, em casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão. O busílis é saber como fazer o país crescer. Aliás, o problema fiscal também afeta o crescimento econômico. Na medida em que os agentes econômicos começam a duvidar da capacidade do Estado de fazer frente às suas dívidas, começam a precificar um calote futuro, seja por via de suspensão do serviço da dívida, seja por via inflacionária. Este calote potencial é um claro inibidor de investimentos. E, sem investimentos, não há crescimento econômico. O equilíbrio fiscal não é condição suficiente para o crescimento econômico, medidas para o aumento da produtividade são igualmente fundamentais. Mas é condição absolutamente necessária.
A questão da previdência NÃO se resolve com crescimento econômico. É o justo contrário. Senão, a bicicleta não para em pé. Eu esperaria que os anos Dilma tivessem deixado isso claro. Pelo visto, não.
Onyx Lorenzoni vai rapidamente descobrir que não tem 4 anos para fazer a reforma da Previdência. Não tem sequer um ano.
A paciência dos credores já acabou faz tempo e estamos atravessando águas calmas no mercado porque existe a expectativa de que o novo governo vai dar prioridade máxima para o equilíbrio das contas públicas a longo prazo, o que significa patrocinar a reforma da Previdência para ontem.
É bom que Bolsonaro esteja convencido disso o quanto antes. Senão, corre o risco de ver seu governo terminar antes de começar.
Na superfície parece exatamente o mesmo fenômeno: motoristas protestando contra os preços dos combustíveis. Vivemos isto em maio.
Quando os caminhoneiros fizeram o seu movimento no Brasil, o preço dos combustíveis sofria dois choques: o preço do barril de petróleo superava os US$ 80 e o real havia se desvalorizado mais de 30% em relação ao dólar no ano. A Petrobras repassou esses dois choques para os preços dos combustíveis e estourou a insatisfação dos caminhoneiros.
Mas parece esquisito que o protesto francês tenha vindo à tona justamente quando o preço do petróleo atinge as mínimas do ano, por volta de US$ 50 o barril. Ocorre que, na França, o protesto não é contra o preço do combustível. Lá, o problema são os impostos que incidem sobre os combustíveis, com o objetivo de financiar energias limpas que não se sustentam economicamente.
Além disso, parece que a coisa se transformou em um protesto contra impostos de maneira geral. A perda de poder aquisitivo causada não pela inflação (que na França é baixíssima), mas pela alta carga de impostos, parece ter atingido algum limite.
A carga tributária da França era de 48% do PIB em 2015, segundo dados compilados pela Heritage Foundation. É uma das cargas mais altas do mundo. Superiores a este número temos apenas os paraísos do bem-estar social: Dinamarca (51%), Finlândia (54%), Noruega (55%) e Suécia (50%). Outros países europeus têm carga tributária semelhante. Por exemplo: Bélgica (48%), Alemanha (45%), Itália (44%), Áustria (43%). Por que então foi na França que explodiram esses protestos contra a carga tributária? Sei lá, talvez porque a França seja o berço das revoluções. O fato é que parece existir uma espécie de “malaise”, um mal estar geral com o tamanho da carga tributária. E isso em um país que entrega serviços públicos de primeira. Imagine no Brasil.
Estes protestos parecem-se mais com os protestos de 2013 do que com a greve dos caminhoneiros. O estopim foi o preço do ônibus, mas depois a coisa se tornou um protesto geral contra o governo e seus impostos muito mal gastos.
A carga tributária do Brasil, segundo o mesmo levantamento, era de 34% do PIB em 2015. Comparada com países semelhantes – África do Sul (27%’), Argentina (25%), México (24%), Colômbia (16%) – é excessivamente alta. É comparável com países como Japão (36%) e Reino Unido (34%). É bem mais alta, inclusive, do que a carga tributária dos Estados Unidos (26%).
De onde vem essa sensação (na verdade, uma constatação) de que a carga tributária não está adequada? Tributos nada mais são do que a transferência para o Estado de um grau de liberdade do indivíduo. Quando pagamos um imposto, delegamos ao Estado o que fazer com o fruto do nosso trabalho. Então, a revolta pode se dar em dois níveis: sobre as decisões do governo (que é quem opera as decisões do Estado) e sobre a própria delegação de poderes para o Estado. Na França, a coisa parece ser uma revolta contra o próprio conceito de imposto. No Brasil de 2013, os protestos eram mais na linha de exigir do governo serviços melhores em troca dos impostos.
O ponto disso tudo é que se trata de uma grande ilusão. Pagamos impostos para que o Estado supostamente patrocine políticas que beneficiem aqueles que não conseguem gerar receita por conta própria, como é o caso daqueles que tiveram azar na loteria da vida e nasceram em famílias mais pobres. O que ocorre, no entanto, é que o Estado é sequestrado por corporações dos mais diversos tipos, que agindo em nome dos “direitos adquiridos”, têm poder imenso sobre a máquina arrecadatória. Pagamos impostos para sustentar as aposentadorias dos mais ricos e os salários dos funcionários públicos, todos ganhando muito mais do que seus pares na iniciativa privada. Além de subsidiar os setores e indústrias que plantam seus lobbies em Brasília.
No Brasil, a coisa complica ainda mais pelo simples fato de sermos um país pobre. 34% de um PIB per capita medíocre significa uma arrecadação medíocre que, mesmo com toda a honestidade e competência do mundo, estaria longe de satisfazer o estado de bem-estar social prometido pela Constituição de 1988. Os líderes da socialdemocracia mentiram para o povo esse tempo todo, tentando nos convencer de que era possível ter serviços públicos de 1o mundo em um país com renda medíocre. E o tamanho do Estado para tentar esse objetivo enterrou de vez as chances do país de se tornar um país de renda alta.
Bolsonaro se elegeu prometendo diminuir a carga tributária. Vamos ver como se sai enfrentando as corporações. Não sou otimista. Os protestos na França parecerão um passeio no parque quando o país descobrir que diminuir a carga tributária e aplicar corretamente os impostos não são uma questão de boa vontade do governante de plantão.