A mágica da dívida infinita

João Sayad nos presenteia com um inacreditável artigo no Valor de hoje. Sayad propõe o pagamento de todos os direitos adquiridos dos contribuintes e aposentados do sistema previdenciário oficial com a emissão de dívida pública. Ele não entra no mérito do custo dessa política, coisa meio desagradável, mas não vamos deixá-lo na mão.

Em primeiro lugar, qual seria o tamanho desse passivo? Como calculá-lo? Imagine a briga política para definir isso. Mas o principal é o tamanho da coisa.

O ministério da Fazenda calculou o passivo atuarial somente do setor público, que totalizaria algo como R$6,5 trilhões. Esta seria a “dívida” do sistema previdenciário caso se pagassem todas os direitos futuros dos pensionistas. E isso só no setor público!

Digamos, de maneira muito conservadora, que este fosse o tamanho total do cheque que o Tesouro precisasse assinar para liquidar o sistema. A dívida cresceria para mais de 200% do PIB! Hoje gastamos cerca de 5,5% do PIB com juros, ou a bagatela de quase R$ 400 bi/ano. Só para dar uma ideia, tudo o que o governo gasta com educação e saúde não passa de R$200 bi por ano. Se a dívida fosse a 200% do PIB, este gasto subiria para R$ 1 tri/ano, ou quase 15% do PIB! Isso por baixo, porque, com uma dívida dessa magnitude, as taxas de juros certamente subiriam.

Sayad reconhece que a dívida pública se elevaria abruptamente, mas afirma que pararia de subir a partir de então. Para isso ser verdade, seria preciso gerar um superávit primário da ordem de 15% do PIB só para pagar os juros! Já suamos sangue para gerar 3% de superávit primário, imagine 15%!

Mas Sayad tem a solução! Basta estabelecer a taxa de juros abaixo da taxa de crescimento da economia, como propôs André Lara Rezende em artigo recente. Puxa, como não pensamos nisso antes! Inclusive, com taxa de juros zero, a despesa com juros também seria zero! Só falta combinar com os russos que financiam a dívida.

Mas a insanidade não para por aí. Sayad propõe jogar R$ 600 bilhões/ano de helicóptero, distribuindo “renda” entre todos os brasileiros. Como não teríamos mais um sistema contributivo, esse dinheiro só poderia vir ou de aumento de dívida ou de algum tipo de contribuição que substituísse a contribuição previdenciária. Ou seja, para eliminar o sistema contributivo, seria preciso criar uma nova contribuição. Ou aumentar a dívida ainda mais. Mas, com a taxa de juros zero, isso não seria problema.

João Sayad era ministro do planejamento do governo Sarney, e foi um dos mentores intelectuais do Plano Cruzado, o primeiro plano heterodoxo para tentar acabar com a inflação, em 1986. Até hoje acho que ele não entendeu porque o plano não funcionou.

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