Apego

O apego a estatais de nossos governantes é algo que chega a ser tocante.

O caso em tela é a Cedae, companhia de saneamento básico do RJ, a única empresa do Estado que ainda vale alguma coisa.

A questão colocada pelo governador é até cândida: por que vou vender uma empresa que dá lucro de R$1 bilhão por apenas R$3 bilhões? O seu Zé, dono da padaria da esquina, que sabe fazer negócio, certamente concordaria.

Se a coisa se desse nesses termos.

Ocorre que não se dá. Vejamos.

Em primeiro lugar, de onde o governador do RJ tirou a ideia que a Cedae será vendida por “R$3-4 bilhões”? Já foi feito o leilão? Onde estão os lances? Este pode até ser o preço mínimo (dado que a empresa foi dada em garantia de um empréstimo de R$2,9 bilhões da União para o Estado), mas daí a concluir que este será o preço de venda vai uma grande distância.

Em segundo lugar, vamos olhar mais de perto esse tal de “R$1 bilhão de lucro”. Os lucros líquidos da CEDAE nos últimos anos foram os seguintes (em milhões de reais):

  • 2011: (188)
  • 2012: 163
  • 2013: 292
  • 2014: 460
  • 2015: 249
  • 2016: 379
  • 2017: 278
  • 2018: 832

Observe como o lucro saltou de uma faixa de 200-400 milhões por ano entre 2012 e 2017 para mais de 800 milhões em 2018! Esse é o “R$1 bilhão” de lucro do governador.

Qual foi a mágica, mister M? Olhando a demonstração de resultados, observamos que este “ganho” de quase R$600 milhões entre 2017 e 2018 se deu pela redução de provisões: cerca de R$350 milhões em reduções para devedores duvidosos e contingências. A outra parte do ganho no lucro veio do aumento de receitas: mais de 7% em termos nominais, sem aumentar substancialmente o número de clientes. Ou seja, aumento do preço do serviço.

A não ser que se assuma que as provisões podem continuar sendo diminuídas no mesmo ritmo e novos aumentos do preço do serviço possam ocorrer acima da inflação, esse lucro claramente não é sustentável no tempo.

Óbvio que um acionista privado poderia elevar o lucro de maneira sustentável, eliminando o cabide empregos, aumentando a eficiência e investindo no aumento da rede. Desta forma, mesmo com níveis pífios de lucro, a empresa poderia atingir valor significativo de venda, desde que o Estado abrisse mão do controle.

Por fim, um terceiro ponto, que para mim é o principal. O índice de cobertura da rede de esgoto era de 38,9% em 2011 e foi de 36,8% em 2018 (dados dos balanços da empresa). Ou seja, depois de quase uma década, houve recuo no índice de cobertura do serviço de esgoto, que já é, em si, um patamar vergonhoso. A empresa não tem fôlego financeiro para atender a população em coisas básicas.

Vender a Cedae não é uma questão simplesmente financeira. Não é saber quanto ela vale, se o Estado do RJ vai perder ou ganhar dinheiro com isso. Vender a Cedae é uma questão ética, é dar oportunidade para que a população do RJ tenha serviço de esgoto em suas casas. Não consigo pensar em argumento melhor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.