Matemática é difícil, mas fundamental

Que falta fazem conhecimentos básicos de matemática para o exercício do jornalismo…

Reportagem do Estado hoje repercute “estudo” da Confederação Nacional do Comércio. Segundo o “estudo” (assim, entre aspas, porque não passa de peça de propaganda), os juros básicos caíram 54% desde outubro de 2016 (de 14,25% para 6,50%), enquanto os juros para o consumidor teriam caído apenas 26% no mesmo período, de 43,0% para 31,7%. Daí o jênyo que fez o estudo faz a conta: se os juros ao consumidor tivessem também recuado 54%, teriam sobrado R$40 bi adicionais no bolso do consumidor!

Onde está o equívoco?

A taxa de juros cobrada dos consumidores é formada basicamente de 5 partes: taxa básica, impostos, inadimplência, custos administrativos e lucro dos bancos. Ora, para que a taxa de juros ao consumidor tivesse caído 54%, seria necessário que TODOS os 5 componentes tivessem redução de 54%, não apenas a taxa Selic. Não me consta que os impostos tenham caído nesse período. Custos, inadimplência e lucros podem ter caído um pouco, mas longe, muito longe, dos 54% da queda da Selic.

A conta correta se faz pelos pontos percentuais. A Selic caiu 7,75 pontos percentuais, enquanto os juros ao consumidor caíram 11,3 pontos percentuais. Ou seja, não só a queda da Selic foi integralmente repassada, como outros custos também caíram, no montante de 3,55 pontos percentuais.

A Selic é apenas um dos componentes da taxa de juros ao consumidor. Querem mais redução? É preciso atuar nos outros 4 componentes: diminuição de impostos, de encargos trabalhistas, melhora na execução de garantias e fomento ao aumento da concorrência no setor bancário são as iniciativas que atuarão sobre os outros componentes da taxa de juros.

No finalzinho da reportagem, a Febraban é ouvida, e diz que o estudo está errado. Seguindo o manual do bom jornalista, o autor da matéria foi ouvir “o outro lado”. Como se matemática tivesse dois lados.

Por que Marta ganha menos?

Fui ler a reportagem, curioso para saber a reposta dada para a questão que é título da matéria: “Por que Marta não tem patrocínio e ganha menos de 1% do salário de Neymar?

Já escrevi sobre isto aqui. O diagnóstico parece simples: tem muito mais consumidor que assiste futebol masculino do que futebol feminino. Minha esperança é de que a reportagem trouxesse alguma evidência em contrário, para que eu pudesse enriquecer meu ponto de vista.

Saí frustrado. Fui lendo, lendo, e a única frase que tenta refutar a tese é de uma “especialista” em questões de gênero no trabalho: “As jogadoras ganham menos porque, por acaso, participam de um mercado que gera remuneração menor ou é o mercado que paga menos porque se trata de mulheres? A primeira opção, da lei de mercado, é a argumentação mais comum (para defender salários menores para elas). Mas essa é uma visão muito míope”.

Sim, é isso. A “visão” de que você recebe proporcionalmente ao lucro que você gera seria muito “míope”. Procurei em vão alguma visão alternativa no restante da reportagem. A única oferecida é de que as mulheres recebem menos por serem… mulheres. Bem, assim é se assim lhe parece. Entre os 10 tenistas mais bem pagos do mundo, 4 são mulheres. Por algum mistério ainda não explicado, o preconceito atingiria as futebolistas, mas não as tenistas.

Outro “especialista” sugere a adoção de cotas de transmissão nas TVs. Pode ser que funcione. Sugiro também a adoção de cotas de transmissão de outros esportes, como basquete, volei, curly e críquet. Afinal, não são só as mulheres futebolistas que sofrem com o monopólio do futebol masculino. Quem sabe com mais transmissão, esses esportes também não se tornem mais populares. O duro é saber como as emissoras vão sobreviver com tanta cota.

Sem dúvida, o futebol feminino está muito para trás em termos de desenvolvimento mercadológico em relação ao masculino. Há um longo caminho a percorrer. Entretanto, exigir pagamentos iguais antes de percorrer este caminho é colocar o carro adiante dos bois. Primeiro vem a popularização. Depois vem o dinheiro.

Quem manda está em Curitiba

O PT paulista enfrenta uma difícil decisão: quem será o candidato do partido na eleição para a prefeitura de São Paulo?

Carlos Zarattini, Paulo Teixeira e Jilmar Tatto formam as opções caseiras. Aloísio Mercadante é opção de nome nacional. Ana Estela Haddad ou outros nomes não políticos, da “sociedade civil”, também são opções. E até apoiar nomes de outros partidos, como Guilherme Boulos ou Marcio França, faz parte do cardápio.

Mas, assim como no PCC, a decisão final sai de dentro da cadeia.

Libra, a nova moeda do Facebook

A moeda do Facebook, que receberá o nome de Libra, começará a circular a partir do ano que vem.

Em princípio, nada demais. Trata-se de uma unidade de conta que poderá ser usada para adquirir produtos no ambiente virtual. Funciona mais ou menos como o dinheiro das festas juninas: você vai no caixa, troca seus reais pelo “dinheiro de festa junina” e, com esse “dinheiro”, compra a comida e os jogos na festa. A “moeda” só vale dentro daquele ambiente.

O desafio começa a surgir no estabelecimento da taxa de câmbio. Na festa junina, não tem dúvida: cada unidade da “moeda de festa junina” vale R$1,00. Sempre, por definição. Por outro lado, quantos reais (ou dólares, ou euros) valerá uma libra?

Em princípio, para não dar margem a arbitragens, cada libra deve valer o equivalente ao lastro que lhe deu origem. Ao contrário do Bitcoin, que não tem lastro, é um dinheiro criado “do nada” pelos mineradores, as Libras serão criadas em troca de dinheiro de verdade, moedas nacionais. Assim, digamos, por hipótese, que 100% das libras tenham sido criadas com o aporte de dólares. Ou seja, 100% das pessoas que foram no guichê do Facebook para comprar Libras, o fizeram com dólares. Neste caso, cada Libra vale US$1,00, com o FB funcionando como uma grande festa junina, em que os dólares são substituídos por Libras.

Mas, obviamente, o lastro não será formado somente por dólares. Haverá outras moedas, provavelmente em proporção à sua importância nas transações globais. Dólares e Euros deverão dominar, seguidos por ienes, libras esterlinas, francos suíços e iuans. A taxa de câmbio para Libras, portanto, deverá ser formada pela composição dessas moedas no lastro da Libra.

Mas isso só vai acontecer se houver ampla publicidade da cesta de moedas que forma o lastro da Libra. Caso contrário, estará aberta a possibilidade de arbitragens com alto potencial de lucro para quem possuir essa informação (o Facebook e o seu consórcio), comprando a cesta de moedas e vendendo Libras, ou vice-versa, a depender da distorção criada.

Por enquanto é isso. Como toda tecnologia, a Libra pode criar vida própria, assumindo papéis e facilitando processos que hoje não conseguimos visualizar, a ponto de substituir com vantagens as moedas nacionais. Quando a Internet foi criada, não passava de uma forma de comunicação interna dentro das universidades. Os seus criadores não imaginavam o seu potencial. Hoje, da mesma forma, a Libra não passa de “dinheiro de festa junina”. Mas o seu potencial ainda é desconhecido.

Mistificações

Pedro Cafardo, editor-executivo (!) do maior jornal de finanças e economia do país, comete mais um artigo inacreditável hoje no Valor Econômico.

O colunista é saudosista do tempo em que os industriais “tinham voz”, na pessoa de Antônio Ermírio de Moraes. Ou seja, o tempo em que o lobby da indústria funcionava, e arrancava do governo benefícios subtraídos do restante da sociedade. O novo programa de incentivo à indústria automobilística deve ser somente um acidente de percurso nessa “falta de apoio governamental à indústria”.

Cafardo também chora o “encolhimento absurdo do BNDES”. Faltou dizer que nos tempos áureos de Antônio Ermírio, o balanço do BNDES raramente representava mais de 1% do PIB. Esta participação foi elevada a quase 10% do PIB nos anos Dilma, e o que colhemos foi a maior recessão da história brasileira. Hoje, essa participação está em cerca de 4% do PIB, ainda quatro vezes mais do que nos tempos de Antônio Ermírio. E o colunista vem falar de encolhimento.

Outro ponto é o nível dos juros e do spread bancário. Antônio Ermírio, assim como todos os brasileiros, sempre reclamaram do nível dos juros. Ocorre que estamos, hoje, com a Selic no menor nível da história, tanto em termos nominais quanto em termos reais. O spread bancário continua sendo um problema, e tem a mesma raiz da questão que tornam absurdos os preços dos automóveis brasileiros: impostos. O aumento da alíquota da CSLL sobre os lucros dos bancos só vai piorar o problema.

Antônio Ermírio representava uma casta de industriais que serviam de fonte para os jornalistas. Hoje, segundo Cafardo, os jornalistas vão sondar a opinião dos profissionais do mercado financeiro. Que nunca, segundo ele, defenderão a queda dos juros. Bem, se o colunista lesse o próprio jornal onde é editor-executivo, veria opiniões de muitos executivos do mercado na direção da queda da Selic. Inclusive, o próprio relatório Focus, que traz a mediana das expectativas do mercado, indica Selic de 5,75% no final do ano.

Só faltou o câmbio no cardápio da “desindustrialização brasileira”. Deve ter faltado espaço na coluna.

Enfim, um amontoado de mistificações que servem para defender uma agenda que já se mostrou perniciosa para o país. Que o digam os 12 milhões de desempregados.

Volta Cristiano Romero!

A conta chegou

Ainda lembro das discussões homéricas que tive sobre o financiamento para a construção do Itaquerão. Alguns amigos defendiam que as CIDs, emitidas pela prefeitura da cidade, não eram investimento público, mas apenas incentivo para o desenvolvimento da Zona Leste da capital. O seja, o que seria gerado de impostos mais que compensaria a renúncia fiscal. Outros defendiam que o estádio era autossustentável, que os fãs da maior torcida de São Paulo fariam fila na entrada do museu do clube, pagando R$50 a entrada, como os fãs do Barcelona fazem.

A triste realidade é que a condição sócio-econômica do torcedor médio brasileiro não viabiliza a construção de estádios somente para o futebol. O ticket médio que o torcedor pode pagar não justifica a construção de estádios.

Há somente duas soluções. A primeira foi adotada pelo Palmeiras: uma empresa explora o estádio para eventos e, de vez em quando, cede o espaço para jogos de futebol. A segunda é o Tesouro bancar a construção do estádio a fundo perdido, como um patrimônio público. A construção do Itaquerão tentou explorar uma terceira via: a construção com dinheiro público, mas com utilização privada. O Corinthians faz de conta que está pagando, e o poder público faz de conta que está recebendo.

A Caixa, ao acionar a Odebrecht no caso do Itaquerão, decidiu parar de fazer de conta.

Regime de capitalização

O regime de capitalização já existe: chama-se PGBL. Neste instrumento, o trabalhador tem um incentivo fiscal para poupar em prazos mais longos. Temos, portanto, um sistema híbrido: para aposentadorias de até 5 salários mínimos, o sistema de repartição do INSS. Acima disso, a poupança individual em PGBLs. Não é isso que o Paulo Guedes quer?

Para que o atual sistema fosse realmente um substituto do regime de capitalização, seria necessário mudar o formato do PGBL: a liquidez precisaria obedecer regras muito mais rígidas do que os atuais 60 dias de carência. Em fundos de pensão fechados, o indivíduo somente tem acesso à sua conta se sair do emprego e, mesmo assim, se cumprir certos prazos. O grande segredo da poupança previdenciária é dificultar ao máximo o acesso ao dinheiro. O acesso ao PGBL poderia, por exemplo, estar atrelado ao momento da aposentadoria oficial, pelo INSS.

Obviamente, sob essas condições, o volume de recursos que temos hoje na indústria de PGBLs seria muito menor. As pessoas preferem liquidez, ainda que não tenham planos para o dinheiro. Ainda mais em um país instável como o Brasil.

O que Paulo Guedes quer é forçar essa poupança de longo prazo. Ao invés de dar murro em ponta de faca, tentando convencer os congressistas de algo que eles não entendem, talvez uma reengenharia da atual indústria de PGBLs, nos moldes do 401-k americano, pudesse ser um substituto aceitável.

Documentário de ficção

Tem documentário novo na Netflix, abordando “o golpe da direita que derrubou o governo popular do PT”.

“Algo aconteceu no tecido social do país”, diz uma voz lamuriosa no trailer. PQP, algo aconteceu! Como se a roubalheira da Petrobras tivesse sido uma espécie de meteoro que surgiu assim, do nada.

A academia de Hollywood vai precisar criar a categoria documentário de ficção.