Prerrogativas

Eu costumo não compartilhar da ideia do “nós contra eles”. Acho isso geralmente contra-produtivo, porque gera reações do “outro lado”, tornando a tarefa de construir consensos mais complicada. E é só através de consensos mínimos que uma sociedade avança. Pelo menos, em um regime democrático.

Tendo dito isso, tem um “nós contra eles” do bem: “nós”, que ralamos o c nas ostras todo dia para ganhar a vida dentro das regras e pagar os impostos que sustentam o direito adquirido dos mesmos de sempre, e os “outros”, essa camarilha que se junta para garantir o direito de nos roubar em paz. E isso em nome da democracia!

Hoje o Estadão traz matéria sobre um grupo de whatasapp chamado “Prerrogativas”, que conseguiu se organizar para derrubar a prisão em 2a instância do relatório do pacote anticrime. Prerrogativas é um nome bem adequado. Eufemismo para a palavra “privilégios”, muito mais negativa. O Brasil é o país das prerrogativas desde o seu nascimento oficial, em 1808, quando a Família Real trouxe suas prerrogativas do além-mar. Desde então, essas prerrogativas são defendidas com unhas e dentes pela Corte.

A Lava-Jato foi uma espécie de corpo estranho dentro da “democracia” brasileira, ao suspender as prerrogativas cultivadas ao longo de séculos. Não é que a Lava-Jato vai morrer. A Lava-Jato já morreu. A operação vai continuar por aí, prendendo um ou outro. Mas o seu espírito já morreu. O presidente que se elegeu em torno do tema da corrupção está colocando a pá de cal, em defesa das prerrogativas de sua família.

Não sou contra prerrogativas. Qualquer país minimamente desenvolvido garante o direito das pessoas. Mas as prerrogativas em um país onde as Ordenações do Reino ainda são vigentes são diferentes das prerrogativas em um país onde todos são iguais perante a lei. Enquanto as prerrogativas no país da igualdade faz com que todos os que roubam acabem na cadeia, no país dos privilégios as prerrogativas mantém os cortesãos fora da cadeia.

A corrupção sistêmica não é um acidente de percurso. É uma construção institucional. O Brasil não vai sair nunca de seu subdesenvolvimento com esse tipo de prerrogativa.

Cobrar? Não vai acontecer.

Cobrar a dívida do Rio? Não vai acontecer, né?

Ontem participei de uma apresentação sobre o mercado de “munis” nos EUA. Munis são títulos de dívida emitidos por entidades sub-nacionais (munis é o diminutivo de “municipals”). Trata-se de um mercado de trilhões de dólares. O município (ou o Estado) precisa de dinheiro pra fechar as contas? Emite munis, e quem for louco de querer financiar o município, compra o título. Se o município quebrar, azar do investidor. Obviamente, a taxa de juros cobrada não é a mesma da União, pois os municípios não podem imprimir seu próprio dinheiro para pagar a conta.

No Brasil, Estados e Municípios não podem emitir títulos de dívida. Suas dívidas são cobertas pelo caixa da União. Além dos precatórios e atrasos com fornecedores e funcionários públicos. Todos esses entes financiam os Estados e Municípios.

Permitir que o RJ ou qualquer outro Estado emitissem suas próprias dívidas significaria que os Estados deveriam fazer a lição de casa de verdade para merecer a confiança dos credores. Uma ideia para acabar de vez com esse problema da dívida dos Estados é a União absorvê-la toda e, a partir daí, cada um que se virasse para lidar com seu déficit.

Mas não vai acontecer. Primeiro, porque a arrecadação tributária (que é o que financia o pagamento da dívida) é uma barafunda sem tamanho. Mas esse não é o principal motivo.

O principal motivo é que estamos no Brasil, não na Alemanha. Esse negócio de que cada um agora vai cuidar da própria responsabilidade fiscal e nunca mais vai ter ajuda de ninguém é um negócio muito alemão. Nunca mais é muito tempo. Só corações duros vão conseguir fechar os olhos para as necessidades do povo sofrido que precisa daquele dinheiro. E aí, quando os Estados não conseguirem mais nenhum financiamento no mercado, os irmãos brasileiros não hão de faltar.

Agora, a União ameaça de verdade cobrar a dívida do RJ. Ou viramos a Alemanha, ou não vai acontecer, né?

A máquina ou o homem?

https://www.facebook.com/marcelo.guterman/videos/3053449544720548/

Quantos homens seriam necessários para retirar estas latas lá de cima? Quantos empregos foram eliminados por esta máquina?

Olhe em volta. Quantas máquinas substituem empregos?

Aqui no Brasil temos frentistas e cobradores de ônibus. O nosso desemprego é de 11%.

Nos EUA não existem frentistas e cobradores de ônibus. O desemprego lá é de 3%.

São as máquinas que eliminam empregos?

Mais uma pra nossa conta

Cansei de tentar explicar para amigos corinthianos, entusiasmados com a ideia de, finalmente, ter um estádio próprio, que aquilo estava sendo construído com o dinheiro deles. Não!, diziam, não tem um tostão público, vai ser tudo pago pelo clube, com o faturamento adicional proporcionado pelo estádio.

Bem, o estádio foi pago pela Odebrecht e pelo BNDES, em empréstimo operado pela Caixa. Os dois viram apenas uma fração do dinheiro de volta até o momento.

A Odebrecht seria paga com CIDs, certificados emitidos pela prefeitura que dão direito a isenção fiscal no município. A empresa poderia negociar esses CIDs no mercado para reembolsar-se. Para a Odebrecht, obviamente, tratava-se de uma enrascada, pois a empresa trabalha com dinheiro, não com CIDs. Mas negar um pedido pessoal do “amigo do meu pai” não pegava bem. Além disso, havia muitas outras frentes de negócios com o Estado brasileiro onde a empresa poderia se “ressarcir”. Não sei onde foi parar essa história dos CIDs, mas o fato é que a Odebrecht está cobrando a fatura do clube. Há exato um mês, o inefável Andrés Sanchez veio a público afirmar que haviam chegado a um acordo com a empresa, faltava só assinar o contrato. Acho que estão esperando o Bessias chegar com o papel.

Agora, a Caixa resolveu partir pras vias de fato, provavelmente porque a nova diretoria do banco, calejada no mercado financeiro, deve ter percebido que a diretoria do clube é uma versão menos séria do personagem Rolando Léro.

No final disso tudo, seja por meio de CIDs, seja por meio de corrupção em outros contratos, seja por meio do calote pura e simples, o estádio do Corinthians foi feito com o meu, o seu, o nosso. Os partidos de esquerda fãs de uma “auditoria da dívida” podem contabilizar mais essa.

Mulheres matemáticas

Matéria do Financial Times (traduzida no Valor Econômico) aborda o fantástico fato de que praticamente 100% dos medalhistas de olimpíadas de matemática serem meninos.

Segundo os estudiosos do tema, cérebros de meninos e meninas são iguais. Portanto, a única explicação é que essa diferença seria resultado de uma “construção social”: o machismo estaria afastando as meninas da matemática.

Não fica claro porque os homens teriam monopolizado a matemática e não, por exemplo, línguas ou biologia. Talvez os estudiosos ainda não tenham chegado neste ponto em seus estudos.

Já tentaram de tudo, mas nada parece funcionar. A única mulher que ganhou a medalha Fields na história (o Nobel da matemática) veio do Irã, um país onde uma mulher ateou fogo em si mesma na semana passada por ter sido condenada ao entrar escondida em um estádio de futebol. Talvez os estudiosos pudessem estudar o Irã e suas práticas de “gender equality”. Quem sabe funcione.

Em outro ponto, a matéria lembra que a recordista feminina de medalhas em olimpíadas de matemática tem família de origem na antiga Alemanha oriental. A explicação, segundo os estudiosos, é que, na parte comunista do planeta, a mulher era valorizada como cientista. De onde concluo que perdemos uma chance de ouro de acabar com o machismo na matemática quando os EUA venceram a Guerra Fria. Uma pena.

Grande dia!

Para não dizerem que só trago más notícias.

Depois de 3 anos dormindo nos escaninhos do Senado, finalmente foi aprovado o marco legal que traz o setor de telecomunicações brasileiro para o século XXI.

Grande dia!

O tamanho da carga tributária

As discussões em torno da “nova” CPMF desnudam o problema de fundo do País: a carga tributária é muito alta. Exageradamente alta. Pagamos cerca de 35% do PIB em impostos, contra 20% no Chile, 16% no México, 27% na Coreia e 25% na Turquia, países mais ou menos comparáveis.

O efeito disso é que fica cada vez mais difícil “esconder” impostos. A criatividade para “aumentar a base de arrecadação” (eufemismo para esconder impostos) não tem limites, como se viu no caso da CPMF. A oneração da folha de pagamentos é um exemplo: o imposto fica lá, longe dos olhos do grande público. Até que fica claro seus efeitos deletérios sobre a atividade econômica. Mas, e aí é que está o problema, se o imposto for compensado pelo aumento da alíquota sobre a venda dos produtos, ficará claro para todos quanto custa manter aquela arrecadação: seria maior que a maior alíquota da OCDE! A CPMF era uma forma esperta de esconder essa realidade.

A verdade é que tanto faz onde está o imposto. Se continuar onerando a folha de pagamento, este imposto continuará a ser embutido no preço dos produtos, diminuindo o poder de compra dos trabalhadores, do mesmo jeito que se o imposto fosse cobrado diretamente sobre a venda. O problema é a carga tributária em si, não a forma de cobrança do imposto.

Para resolver este problema, somente um grande programa de redução de despesas resolve. Estamos gastando tempo e energia filtrando o mosquito, enquanto o camelo da carga tributária continua lá, tranquilo, sem ser incomodado.

– Ah, mas um país com as carências do Brasil precisa ter programas sociais que mitiguem o problema da pobreza.

Precisamos acabar de nos convencer de que, em um país pobre como o Brasil, os impostos saem do bolso dos pobres. Todos esses “impostos escondidos”, no final do dia, oneram os produtos e serviços comprados pelos mais pobres. O Estado brasileiro tira escondido de um bolso e devolve para o outro bolso com estardalhaço. No meio, aumentamos os lucros das empresas da Zona Franca de Manaus, pagamos o miserê dos procuradores de MG e sustentamos as falcatruas do Petrolão. Se ainda o dinheiro tirado do bolso do pobre voltasse para o bolso do pobre, seria menos mal. Mas nem isso.

Começamos a arranhar o problema com a aprovação da Reforma da Previdência, mas ainda há muito, muito o que fazer. O governo precisa liderar esse debate, ao invés de perder tempo e energia com malabarismos para trocar o bolso de onde os impostos são extraídos.

Debate de alto nível

Com Felipe Neto como key speaker. Autor da inspiradora frase em destaque no panfleto, publicado hoje no Valor.

Evento que contará também com a presença de atores globais, com a presidente da Apeoesp, membros do “Sou da Paz” e estudantes.

Mal posso esperar pelos resultados dessa jornada.

A CPMF derruba o secretário da Receita

A única parte que não encaixa nessa história da demissão do Cintra é que o seu chefe imediato, Paulo Guedes, parecia genuinamente convencido de que a única saída para desonerar a folha de pagamentos era a criação da CPMF. Guedes chegou a falar que os congressistas deveriam escolher entre “o imposto ou o desemprego”, daquele jeitinho meigo dele de convencer as plateias.

Do jeito que Cintra foi demitido, parece que ele estava sozinho nessa, atropelando tudo e todos, inclusive o seu próprio chefe imediato.

Claro, a se tomar a valor de face o que Bolsonaro diz em seu tuíte, Cintra foi demitido como uma demonstração, digamos, em três dimensões, de que a CPMF está enterrada. Uma imagem vale mais do que mil palavras, diz o sábio ditado. A cabeça cortada do secretário da Receita exibida na entrada do ministério da Economia vale mais do que mil desmentidos. A única ideia que Cintra teve na vida foi o imposto único. Seu escalpo é o escalpo da CPMF.

Além disso tudo, Cintra não mostrou pulso no episódio das multas contra parentes de Bolsonaro. Sua cabeça já estava a prêmio. A fome com a vontade de comer se juntaram harmonicamente, no caso.

Sobra o enigma de Guedes. Ele estava genuinamente convencido sobre a CPMF. Mas prevaleceu a leitura política de Bolsonaro: a CPMF seria de tal forma um estelionato eleitoral, que ficou claro que não havia como banca-la. Guedes preferiu enfiar o rabo entre as pernas a confrontar o chefe, em uma demonstração clara sobre quem manda em quem no Planalto.