A narrativa do Bolsa Família

A The Economist publica matéria criticando o encolhimento do Bolsa-Família neste primeiro ano do governo Bolsonaro. Segundo a reportagem, que se meteu no sertão do Maranhão para comprovar a eficácia do programa, o cadastro do BF diminuiu em um milhão de beneficiários.

De maneira geral a matéria é correta: coloca como principal vilão da secular desigualdade brasileira os privilégios sugados de um Estado balofo por uma elite corporativista, que grita à primeira tentativa de colocar as coisas em seus devidos lugares. A The Economist até concorda que a reforma da Previdência foi um primeiro passo na resolução deste problema, mas muito tímido diante do desafio de fazer os mais ricos pagarem mais impostos que os mais pobres.

Mas daí, a revista escorrega para a demagogia, colocando o BF como um importante mitigador do problema da desigualdade. Para tanto, se vale de um gráfico com uma suposta correlação entre o número de BFs concedidas e o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.

Em primeiro lugar, um gráfico não prova nada. Seria necessário fazer testes estatísticos para provar correlação e, muito mais difícil, causalidade. Construí outro gráfico, com os mesmos dados de pessoas abaixo da linha da pobreza, só que substituindo o número de BFs concedidas pelo PIB brasileiro, em reais.

A “sensação” visual é praticamente a mesma. Aliás, o meu gráfico explica melhor os últimos 4 anos, quando vivemos uma recessão cavalar: o número de BFs concedidas não diminuiu de maneira relevante, mas o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou de maneira relevante. O PIB explica melhor este fenômeno.

O título do gráfico diz tudo: “Bolsonaro encolhe o Bolsa”. Está se referindo ao último movimento para baixo da linha azul clara. O que o título esconde mas o gráfico mostra é que o número de BFs está praticamente no mesmo nível desde 2011. Além disso, não é a primeira vez que há diminuição do número de BFs. Mas, enfim, a matéria é para criticar este governo. Então…

Há duas questões envolvidas neste tema. A primeira é que, de fato, um programa como o BF é barato perto do benefício que concede às famílias mais miseráveis, principalmente se há contrapartidas, como manter os filhos na escola. Por isso, é nada menos que burrice o governo Bolsonaro deixar este flanco aberto a críticas. Anunciar o 13o do BF, para se descobrir, no final do ano, que menos pessoas estão recebendo o benefício, foi um tiro no pé.

A segunda questão é que o Brasil está refém do BF. Qualquer diminuição do benefício será criticada enquanto tivermos miseráveis entre nós. É bom nos acostumarmos com isso. Não há porta de saída, este é um programa que existirá para sempre.

Todos que me conhecem sabem

“Todos que me conhecem sabem”…

É isso. Quem está do “lado certo da História” pode dizer qualquer barbaridade, mas exige julgamento pelo seu “bom coração”, que todos obviamente conhecem.

Já quem está do “lado errado da História” será julgado pelo que diz e pelo que não diz. Pouco importa, nem ser humano é!

Aliás, a forma de os nazistas lidarem com o genocídio dos judeus era retirar-lhes a condição de seres humanos. Só assim podiam matá-los em escala industrial, como se fossem gado. Ao retirar a condição de ser humano de um adversário político, Zé de Abreu mostra a sua verdadeira face.

Arma na mão

Mais um “tema polêmico” vai desfilar na Sapucaí. Além do “momento Porta dos Fundos” na Marquês de Sapucaí, a letra do samba-enredo da Mangueira também se dedica a “provocar Jair Bolsonaro”, com o trecho “o futuro não tem Messias de arma na mão”. Letra sob medida para embevecer a intelectualidade da zona sul.

Por curiosidade, fui ver o mapa de votação de Bolsonaro na cidade do Rio há pouco mais de um ano. O capitão ganhou em TODAS as seções eleitorais da cidade no primeiro turno. Nas seções em verde mais claro (zona sul), as votações foram inferiores a 50%. Ou seja, ele ganhou, mas não de maneira avassaladora como nas periferias e favelas.

E como foi a campanha de Bolsonaro? Com ou sem arma na mão? Pois é…

Se Bolsonaro perder a próxima eleição na cidade, pode ter certeza de que foi porque não cumpriu sua promessa de colocar ordem na casa. Com arma na mão.

Falta de vergonha na cara

Adriana Fernandes, colunista de economia do Estadão, levanta uma bola que eu queria ter comentado nessa semana mas não o fiz por falta de tempo: a capitalização de uma estatal chamada Emgepron, vinculado ao Ministério da Defesa. Foram R$7,6 bilhões autorizados por Bolsonaro no finalzinho do ano passado.R$7,6 bilhões para construir 5 navios de guerra! Sério que esta é a prioridade do Brasil?

Em reportagem de hoje (abaixo), o Estadão traça um quadro deprimente sobre os conflitos por água no Nordeste. No trecho que destaquei, ficamos sabendo que as obras de transposição do São Francisco consumiram R$10,8 bilhões nos últimos 13 anos. Desses, o governo Bolsonaro empenhou R$1,3 bilhão. São números com a mesma ordem de grandeza da construção de 5 navios de guerra.

O problema do Brasil não é falta de recursos. É falta de vergonha na cara.