Poucos ficaram sabendo, mas o PT lançou um programa de governo . Chama-se nada menos que “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”. A pretensão não é modesta, como se vê.
Destaco abaixo um trecho do preâmbulo que, para mim, deslegitima o PT como uma força a mais no jogo democrático.
O PT não é um partido democrático. Pelo menos, não no sentido em que entendemos esse regime nas democracias ocidentais. Lembremos, por exemplo, que o nome da Alemanha Oriental era República Democrática Alemã, mesmo sendo uma ditadura feroz.
O trecho diz o seguinte: “A reconstrução do Brasil exige fortalecer a democracia, traumatizada pelos processos do golpe de 2016 e da cassação da candidatura Lula em 2018,…”Em qualquer democracia, um processo de impeachment faz parte do jogo. Richard Nixon seria impichado se não renunciasse, e Bill Clinton escapou por um triz de ser impichado. Aqui no Brasil, Fernando Collor foi impichado. A nenhum deles lhes ocorreu chamar o processo de golpe. Ao desqualificar como golpista um processo conduzido, do início ao fim, dentro das regras estabelecidas no jogo democrático, o PT coloca-se fora do jogo. Simples assim.
O mesmo ocorre com a dita “cassação” do direito de Lula se candidatar em 2018. Lula estava PRESO. Havia sido condenado em duas instâncias da justiça (não somente por Sergio Moro) por corrupção passiva e outros crimes. Pode-se discutir a sentença, a suspeição do juiz, o que for. O que não se pode é chamar isso de “cassação”. Isto está fora do jogo democrático. O PT exclui-se do jogo ao desqualificar um instituto absolutamente de acordo com o que vai na Constituição.
Outro dia, teve início um movimento que perguntava se já não estava na hora de “perdoar o PT”. Ora, só se perdoa quem pede perdão, quem está arrependido do que fez. Este documento deixa claro que o PT não está pedindo perdão. Pelo contrário.
Em qualquer democracia avançada, como Alemanha ou Japão, se o partido no poder fosse pego em um centésimo do que foi feito na Petrobrás, seus dirigentes teriam caído no ostracismo há muito tempo, quando não estariam enjaulados. No caso do Japão, talvez até rolasse um harakiri em rede nacional. Aqui, o partido se acha no direito de dizer que é o único realmente democrático. O documento em si pouco importa. Trata-se de um amontoado de baboseiras escritas como se o PT nunca tivesse sido governo, como se o desastre Dilma nunca tivesse existido. Até combater a corrupção eles prometem, vejam só! Bater no conteúdo de um documento que parece ter saído de debates de centros acadêmicos é perda de tempo.
O PT, hoje, é um morto-vivo que vive à sombra de dois políticos: Lula e Bolsonaro. Lula é o salvador, enquanto Bolsonaro é a encarnação do mal. Deus e o diabo na terra do sol, em uma dança que somente interessa aos dois. O PT, ao lançar este documento, dá sobrevida a Bolsonaro, lembra a todos porque, afinal, Bolsonaro está no poder.
Ciro Gomes hoje, em entrevista ao Valor Econômico, resumiu o ponto: “não é mais possível disfarçar que o bolsonarismo boçal é consequência do colapso moral e econômico da governança do PT.” Óbvio que Ciro tem interesse em herdar o espólio do PT, mas seu diagnóstico não deixa de ser verdadeiro.
Bolsonaro tem uma retórica muitas vezes incendiária, que beira o golpismo. Mas, pelo menos por enquanto, está a anos-luz de distância do que o PT fez para solapar a democracia, enquanto fazia um discurso “fofo”. Não, o PT não faz parte do jogo democrático. Nunca fez. E não vai ser diferente agora.