A relativização do estupro

Rodrigo Constantino foi demitido de quase todos os veículos de comunicação onde trabalhava.

Acho que todos viram a fala de Constantino que deu motivo para estas medidas drásticas. Ele basicamente diz que colocaria sua filha de castigo caso ela saísse para uma festa, ficasse bêbada e fosse abusada na festa. E não denunciaria o abusador.

A filha do comentarista fez um vídeo tocante defendendo o pai, afirmando que ele, como qualquer pessoa decente, não é, nem poderia ser, a favor do estupro.

Pois bem. Vamos começar por essa última parte. Parece óbvio que ninguém, em sã consciência, seja a favor do estupro. Nem bandido é a favor. Dizem que estuprador, na cadeia, precisa ficar separado dos demais presos. Caso contrário corre o risco de ser devidamente cancelado do mundo dos vivos. No mínimo, vai sentir na própria pele o que é ser abusado.

Estamos falando, neste caso, do estupro a seco, aquele que ocorre nos caminhos ermos das cidades e dos campos. A moça sozinha, voltando para casa, é surpreendida pelo tarado, que força uma relação sexual obviamente não consentida. Este parece ser o caso em que não há dúvida de que não houve consentimento.

Constantino, no entanto, está se referindo a uma outra circunstância: a menina se embebedou, “ficou” com meninos durante a festa e, portanto, teria como que “consentido implicitamente” na relação sexual. Ou até explicitamente, mas não se lembra, dado o teor alcoólico.

Seria o primeiro caso “preto no branco”, enquanto o segundo caso entraria em uma espécie de “zona cinzenta”, onde a culpabilidade seria, digamos assim, fluida? Creio que não.

Vamos combinar que abuso é abuso, independentemente da quantidade de álcool no sangue. Aliás, não sou jurista, mas parece-me que abusar de uma pessoa bêbada é até mais grave do que se estivesse sóbria, pelo simples fato de a pessoa abusada não ter o devido discernimento para dizer sim ou não.

É óbvio que, quando temos filhos, damos os conselhos de sempre: não ande sozinho por aquela rua, não leve celular no bloquinho de carnaval, não beba na festa, etc. Isso é uma coisa, são os cuidados básicos de segurança que toda pessoa deve observar. Outra coisa completamente diferente é dizer que a falta desses cuidados justifica o ato de quem se aproveita para roubar, matar ou estuprar, a ponto de, inclusive, poupar o bandido de ser denunciado! Se minha filha chegasse em casa dizendo que havia sido abusada, as circunstâncias pouco importam. A única coisa que importa é a palavra dela, que indica não consentimento. E se não houve consentimento, é estupro. Ponto, sem vírgula

.O que está implícito na fala do Constantino, e que justifica o repúdio e a sua demissão de vários veículos de comunicação, é justamente a ligação entre “ficar” e embebedar-se em uma festa com o consentimento de uma relação sexual. E, como bem notou uma amiga, esta ligação só existe para mulheres. Homem pode se embebedar à vontade que a ninguém ocorre que ele esteja a fim de ser estuprado.

Enfim, Rodrigo Constantino se notabilizou por ser uma voz do conservadorismo brasileiro. Voz meio estridente, mas ok. Neste caso, no entanto, o que poderia ser, com um pouco de boa vontade, um libelo pela disciplina dos filhos (um valor caro ao conservadorismo) se tornou uma relativização do estupro. Triste papel.

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