A Lei de Responsabilidade Social

Juntei três notícias para escrever meu post de hoje.

A primeira é o acordo no Congresso para votar a PEC do Pacto Federativo, que incluirá fim de subsídios e inclusão de gatilhos para congelamento de salários do funcionalismo e de concursos. Mas o mais importante é que essa PEC não inclui a continuidade do auxílio emergencial em 2021. Ou seja, continua o velho e bom Bolsa Família, e só. O que fez o jornalista que escreveu a matéria, no meio das informações, a dar a sua abalizada opinião: “o governo não tem uma solução para os milhões de brasileiros que ficarão desamparados… em 2021”.

A segunda notícia, no mesmo jornal (Valor) é a austeridade fiscal adotada pelo governo esquerdista de Lopez Obrador, no México.

O contraste com o Brasil é gritante:

  • O México gastou 0,6% do PIB com auxílios, enquanto o Brasil gastou 8,3% do PIB. Foi o país que mais gastou dentre os emergentes, com a África do Sul ficando em um distante segundo lugar, com 5,3% do PIB.
  • Em termos de dinheiro, o México gastou, NO TOTAL, US$ 1,7 bilhões, contra US$ 10 bilhões do Brasil. AO MÊS.
  • Resultado: enquanto o déficit público do México será de 4% do PIB em 2020, no Brasil vai alcançar 17%. Nossa dívida pública acabará o ano sendo o dobro da mexicana, em proporção ao PIB.

Com esses números, como alguém pode, em sã consciência, dizer que “o governo não tem uma solução para os milhões de brasileiros desamparados”? Pelo contrário: o governo brasileiro apoiou os milhões de brasileiros desamparados como nenhum outro país o fez. Só que concentrou tudo em 2020. Não sobrou nada para 2021. Acabou o dinheiro. O México pode pensar em continuar suas políticas compensatórias. O Brasil, não. Como a cigarra da fábula, gastamos tudo hoje.

Aí vem a terceira notícia, que é a manchete principal do Estadão de hoje: o Senado prepara uma Lei de Responsabilidade Social, com metas de redução pobreza. Haveria “gatilhos” se certas metas de redução de pobreza não fossem alcançadas. Não está claro na matéria se esses gatilhos se sobreporiam à regra do teto de gastos.

Nem vou comentar os problemas metodológicos para se definir o que é “pobreza” (lembram quando o governo Dilma comemorou o “fim da miséria no Brasil”? Então…). Dado o tamanho do orçamento (muito próximo ao que se gasta hoje com o Bolsa Família), parece-me que não será suficiente para ultrapassar os resultados que o BF já atinge hoje, o que, como sabemos, está muito longe de “acabar com a pobreza” no Brasil.

Esse tipo de projeto, assim como o BF, é bem-intencionado, e realmente melhora a distribuição de renda, se bem focado. Mas o nome grandiloquente (Lei de Responsabilidade Social) pode passar a impressão de que, finalmente, as necessidades sociais do Brasil se sobreporão à gestão fiscal, que tem uma lei própria, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Duas más notícias para quem pensa que é isso o que vai acontecer:

1) desde o “tudo pelo social” de Sarney, todos os governos vêm prometendo erradicar a miséria. Só a Dilma “conseguiu”, na base da tortura das estatísticas;

2) uma Lei de Responsabilidade Social não tem o condão de suspender as leis básicas da economia, sendo uma delas a de que não se distribui o que não se tem. Prova disso é o estado de petição de miséria em que terminarão as contas públicas esse ano, quando fizemos um programa que realmente acabou com a miséria no país durante 6 meses.

A desigualdade como construção

A constitucionalidade do contrato intermitente de trabalho está em julgamento no STF. Para quem não lembra, o contrato intermitente permite registrar empregados sem uma jornada fixa de trabalho. O funcionário pode ser chamado a qualquer tempo, dentro de certas regras. Como todo empregado registrado, terá direito a férias, 13o e FGTS proporcionais.

Pois bem. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra, alegando que “o modelo não se coaduna com a dignidade da pessoa humana”. E o ministro específica: essa incerteza sobre se vai trabalhar ou não deixaria o trabalhador “sem as condições de gozar de direitos sociais fundamentais”, mais especificamente, “sem conseguir a renda mínima que LHE DEVERIA SER ASSEGURADA” (grifo meu).

Onde vive esse ministro do STF? Do que se alimenta? Como se reproduz? Tudo isso, no Globo Repórter.

No habitat do ministro, ali na linda Praça dos 3 Poderes, a Constituição garante trabalho para todos com uma remuneração justa assegurada. Que país feliz!

Já aqui no Brasil, a coisa é um pouco diferente. O sujeito que não é contratado de forma intermitente, tem, de fato, uma renda mínima assegurada: zero. E há certeza sobre quando vai trabalhar: nunca. Para surpresa de ninguém, a ação foi proposta por um sindicato. Assim como o ministro, o sindicato está preocupado com os peixinhos do seu aquário. Uma vez tendo o privilégio de ser registrado, o contrato deve dar ao trabalhador todas as garantias possíveis e imagináveis, para que “se coadune com a dignidade da pessoa humana”. Que se danem os peixinhos que não têm a sorte de estarem no aquário, que são a imensa maioria.

No planeta onde o ministro e o sindicato vivem, deveria ser possível colocar todos os peixinhos no aquário. Não lhes ocorre que o aquário é tão cheio de garantias de “dignidade humana”, que acaba se tornando muito pequeno para caber todo mundo, dadas as limitações econômicas. Resultado: uma minoria privilegiada com garantia de acesso a todos os “direitos sociais”, cercada de uma imensa massa largada no oceano da pobreza.

A desigualdade social no Brasil não é um acidente de percurso. É um estado de espirito.

Sobrando tempo

O Procon-SP, uma vez que já resolveu todos os problemas dos consumidores paulistas, está com tempo para se intrometer no modelo de negócio de uma empresa.

Adivinha o que vai acontecer? A Apple vai embutir o preço do carregador no preço do iPhone 12, e todos os consumidores vão pagar pelo carregador, mesmo não querendo um novo.

E para aqueles que acham que “o preço já é um absurdo e a Apple tem mais é que fornecer o carregador mesmo”, sugiro o que faz todo consumidor insatisfeito: troque de marca. Garanto que é muito mais eficaz do que qualquer ação do Procon.

A verdadeira riqueza

Você vai no caixa eletrônico eletrônico e saca R$ 600 reais do seu cartão de crédito. Pergunta: você ficou mais rico?

Qualquer pessoa sensata dirá que não. Mas é justamente isso que sugere análises do tipo que vemos na manchete abaixo.

Na verdade, as pessoas não ficaram mais ricas quando receberam o auxílio emergencial. Portanto, agora não estão ficando mais pobres. Sempre foram.

O auxílio emergencial, assim como o saque no cartão de crédito, cria uma ilusão de riqueza. Do outro lado, no entanto, resta uma dívida, que terá que ser paga. No balanço, ativo e passivo se anulam, deixando a pessoa exatamente onde estava. Na verdade, mais pobre, porque terá que pagar os juros.

Claro que a comparação com o cartão de crédito é limitada. A dívida para conceder o auxílio emergencial não precisa ser paga na fatura do mês que vem. Mais do que isso: ela pode ser paga por outros que não receberam o auxílio. Mas é aí que está a armadilha.

Se a sociedade brasileira realmente fizesse uma revolução distributiva, eliminando privilégios e subsídios de funcionários públicos, profissionais liberais e assalariados com carteira assinada, a grande massa de brasileiros que não se encaixa em nenhuma dessas categorias poderia sonhar em alguém pagando essa conta. Mas não, isso não vai acontecer. Portanto, a dívida será paga por esses mesmos que receberam o auxílio emergencial, seja na forma de mais impostos sobre itens de consumo, seja na forma de mais austeridade que estrangula serviços públicos, seja na forma de inflação.

Não, o povo não fica mais rico quando pode consumir mais. O povo fica mais rico quando PRODUZ mais. Endividar-se para consumir sem ter produzido um alfinete a mais é, ao contrário, a receita certa para o empobrecimento.