O sonho do “candidato de centro”

“Precisamos encontrar um candidato de centro para fugir dessa polarização!”

“A união em torno de um candidato de centro é essencial para não cairmos novamente nos extremismos!”

“É preciso que os candidatos de centro tenham a grandeza de não pensarem em si mesmos, mas no projeto de um país livre da polarização!”

São mais ou menos essas as frases que temos ouvido por aí no meio político, entre analistas e na imprensa. Todos em busca do Santo Graal do Centro.

Mas… é possível?

Não vou nem entrar no mérito aqui sobre a possibilidade de políticos (e até não-políticos, vide Huck e Moro) abrirem mão de suas candidaturas em prol de um nome único. A chance é zero Kelvin, mas vou dar de barato que esse milagre ocorra. Seria o suficiente? Claramente não, e vou explicar o porquê.

Se houvesse um único nome concorrendo pelo “centro” em 2018 teria ido ao segundo turno? Com base na análise fria dos números, não. A soma da votação de todos os candidatos ex Bolsonaro/Haddad foi de 24,69% dos votos válidos, abaixo, portanto, dos 29,28% de Haddad.

Mas alguém poderá dizer que se houvesse um candidato único de centro, não haveria o chamado “voto útil”. Ou seja, houve uma migração de votos para Bolsonaro e Haddad no 1o turno de eleitores que votariam em outros candidatos caso estes tivessem chances reais de passarem para o 2o turno. Como não tinham, votaram em um dos dois para evitar um mal maior.

Isso de fato aconteceu. Em teoria dos jogos é o chamado “equilíbrio de Nash”: diante de uma escolha e antecipando o que os outros jogadores (no caso, eleitores) vão fazer, o jogador joga para minimizar as suas perdas, não para maximizar os seus ganhos. Então, o voto útil sempre vai existir, independentemente do número de candidatos.

A única possibilidade de não ocorrer voto útil é encontrar um candidato com rejeição zero no eleitorado. Ou seja, alguém visto como superior aos dois candidatos por uma parcela significativa de eleitores que não votam primariamente nos polos opostos. Caso contrário, o voto útil continuaria existindo, e aí trabalhando contra o candidato de centro.

Vou dar dois exemplos.

Digamos que o candidato de centro fosse Ciro Gomes. Não tenho dúvida de que uma parcela que não gostaria de ver Bolsonaro de volta ao Palácio do Planalto votaria no capitão para não ter um 2o turno entre Ciro e Lula.

Outro exemplo: digamos que o candidato de centro fosse Doria. Também acho que não há dúvida de que muitos que não gostariam de ver Lula de volta à presidência votariam útil para não ter que escolher entre Bolsonaro e Doria no 2o turno. Aliás, neste caso, acho que muita gente também não gostaria de ter que escolher entre Lula e Doria.

Portanto, o “centro” tem uma tarefa hercúlea: encontrar um nome de consenso que seja uma razoável segunda opção para pelo menos 40% da população, e fazer com que os outros 325 candidatos desistam do seu sonho de ser presidente. Boa sorte.

Só um adendo: Bolsonaro rompeu sozinho uma polarização de mais de 20 anos entre PT e PSDB. Para isso, fez a leitura correta do sentimento majoritário da sociedade brasileira naquele momento e emprestou seu carisma a esse sentimento. Minha forte sugestão a quem queira ocupar a cadeira presidencial em 2023 é fazer o mesmo, ao invés de tentar produzir uma candidatura no laboratório das análises políticas dos bem-pensantes.

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