Hoje foi o segundo melhor dia de vacinação: 972 mil doses foram aplicadas. Perde somente para o dia 01/04, quando foram aplicadas 1,041 milhão de doses. Aliás, foi o único dia em que conseguimos ultrapassar 1 milhão de doses em um dia.
A média móvel de 7 dias, no entanto, está em 670 mil. O máximo que conseguimos atingir nessa métrica foi 746 mil, justamente no dia 01/04.
A partir de hoje, se quisermos aplicar duas doses em toda a população prioritária (77,5 milhões de pessoas, 36% da população) até o final de junho, precisaríamos aplicar uma média de 1,5 milhão de doses/dia a partir de amanhã. Ou seja, mais ou menos dobrar o ritmo atual. Obviamente, cada dia que passa sem atingir essa média, esse objetivo fica cada vez mais distante.
Tem mais: como, em média, as doses aplicadas em finais de semana representam apenas um terço das doses aplicadas em dias úteis, precisaríamos aplicar uma média de 1,85 milhão de doses/dia nos dias úteis, para permitir aplicar 620 mil doses/dia nos fins de semana. Aliás, mais ou menos o que estamos aplicando hoje nos dias úteis.
Uma outra forma de ver a coisa: no atual ritmo de vacinação, a população prioritária acabaria de ser vacinada no dia 14 de outubro.
PS.: “população prioritária” é aquela definida pelo Ministério da Saúde, o que inclui, além das pessoas idosas, profissionais de saúde, pessoas com comorbidades, professores, policiais, detentos, caminhoneiros e uma longa lista de etceteras. Se você, como eu, não se inclui em nenhum desses grupos, pode puxar um banquinho e esperar sentadinho a sua vez.
Por motivos que não vem ao caso, sou titular de um depósito judicial. De tempos em tempos, recebo autorização do juiz para sacar parte dos recursos. Este depósito está no Banco do Brasil. A cada vez que é realizada uma TED para a minha conta, sou tungado em R$36,00.Eu não pude escolher o banco onde ficaria depositado o meu dinheiro. O sistema judicial escolheu o Banco do Brasil, que trabalha livremente com o meu dinheiro, além de me extorquir para fazer uma TED. Além desse, o Banco do Brasil conta com vários outros “monopólios naturais”, que lhe permite cobrar o que quer sem medo da concorrência. A folha de pagamentos dos servidores públicos federais é outro exemplo.
E, mesmo com todas essas “vantagens competitivas”, o Banco do Brasil vale uma fração do que valem seus pares privados: enquanto Itaú e Bradesco valem, respectivamente, R$255 bi e R$217 bi, o Banco do Brasil vale R$85 bilhões. Até o Nubank vale mais: em sua última rodada de captação de recursos, o banco do cartão roxo foi avaliado em R$130 bi.
Por que o BB, tendo tantas “vantagens competitivas naturais”, não encontra investidores dispostos a pagar mais por suas ações? O novo presidente do banco explicou: o BB é do mercado mas também é do Brasil-sil-sil. Cada brasileiro é um sócio.
O Banco do Brasil é, então, uma grande empresa familiar. Quem já trabalhou em empresas familiares sabe do que estou falando: a empresa serve para carregar nas costas membros da família que não conseguiriam se virar de outra forma. Afinal, se a empresa familiar não serve para ajudar a família, pra que serve então?
É isso: o Brasil é uma grande família, e o Banco do Brasil está aí para ajudar a família. Aos acionistas minoritários (o tal “mercado”) cabe financiar o auxílio aos brasileiros. Os minoritários até financiam, mas pagam 1/3 do que topam pagar em bancos de verdade. Todo mundo ganha: os brasileiros, que têm um banco pra chamar de seu, e os acionistas minoritários, que compram um banco baratinho.
O novo presidente do BB define à perfeição a função do banco: dar lucro para ajudar os familiares. Se o lucro é menor do que o de empresas comparáveis, é porque são muitos os familiares a serem ajudados. A família Brasil é muito grande e muito necessitada de ajuda. Portanto, antes de pedir a privatização do banco dos brasileiros, pense em tudo o que ele já fez por você. Afinal, como brasileiro, você é também um sócio do Banco do Brasil-sil-sil.
Manchete principal do Estadão hoje dá destaque à previsão de especialistas de que a vacinação dos grupos prioritários somente terminará em setembro.
Não vou aqui culpar os especialistas, pode ter sido só uma apuração mal feita, pra não variar, mas o fato é que a matéria erra o foco. Já de antemão peço escusas pelo número de recortes anexados, mas é que são várias as incongruências. Vamos fazer uma espécie de “fact checking” da reportagem.
1. “Qualquer previsão mais otimista (do que setembro) depende que sejam vacinados pelo menos um milhão de indivíduos por dia”.
A população prioritária soma 77,5 milhões de pessoas ou 155 milhões de doses. Foram administrados até o final de março 23 milhões de doses. Faltariam, portanto, 132 milhões de doses. Considerando 1 milhão de doses por dia, temos 132 dias, ou 4,5 meses, o que resulta em meados de agosto. Portanto, essa informação é verdadeira.
2. “Na sexta o número voltou a 300 mil”.
Claro, foi sexta-feira santa. E não vacinamos nos sábados, domingos e feriados. O problema, no entanto, não é falta de doses, é que se trabalha menos nesses dias. Enquanto a vacinação não ocorrer normalmente também nos sábados, domingos e feriados, dificilmente atingiremos 1 milhão de média por dia.
3. “A campanha de vacinação já foi interrompida várias vezes por falta de imunizantes”
Quando olhamos o gráfico da evolução da vacinação, vemos interrupção nos finais de semana.
Isso não é por falta de doses. Hoje temos distribuídas 44 milhões de doses contra 23 milhões aplicadas.
4. “Por causa dessas dificuldades (para aquisição de doses prontas e do IFA) frequentemente o ministério da saúde revisa para baixo o número de doses”
As revisões têm sido feitas porque a Fiocruz não consegue produzir com o IFA que já tem, não pela dificuldade de trazer IFA. Até onde entendo, estamos conseguindo importar normalmente. Tanto que a produção da Coronavac está normal. Outra frustração é a não entrega da Covax. Mas esse é um número pequeno, e não se refere a problema de aquisição por parte do governo federal, mas de não entrega de algo que já foi comprado.
5. “No dia 31, o ministro Marcelo Queiroga voltou a baixar a previsão de entrega de vacinas de 40 milhões para 25 milhões de doses”.
Leio jornal todos os dias e não vi essa notícia. No gráfico, a informação é outra: a de que o ministro baixou a previsão no sábado (dia 3) para 30 milhões. É 25 ou 30 milhões? De qualquer forma, a última previsão para abril que eu tinha era de 36 milhões de doses e não 40 milhões. No gráfico apresentado (tendo como fonte o próprio ministério da saúde), aparece 39 milhões. Enfim, é tanto número desencontrado que fica difícil fazer qualquer estimativa com base no que a reportagem apresenta.
6. “Se a gente conseguisse chegar a 1,5 milhões de vacinados por dia […] daria para concluir todas as prioridades até agosto, setembro” (Pedro Halla, epidemiologista)
Se o ritmo fosse de 1,5 milhão por dia, chegaríamos ao fim das prioridades em 3 meses, final de junho, não “agosto, setembro”.
7. “Para metade da população receber […] duas doses até o meio do ano, seriam praticamente 2 milhões por dia” (Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da rede Análise Covid-19)
A conta está correta. O problema é o que ela está fazendo na reportagem sobre as prioridades. As prioridades representam 1/3 da população, não metade. Por que fazer a conta com metade? Mistério.
8. “Só conseguiremos ter vacinação em massa sustentada em setembro. Será quando o Brasil já estará produzindo o seu IFA e não precisará importa-lo” (Chrystina Barros, integrante do Comitê de Combate ao Coronavírus da UFRJ)
Novamente, não me parece que o problema seja de importação dos insumos, mas de capacidade de produção da Fiocruz. A produção do IFA local só vai funcionar se a Fiocruz “consertar a máquina”
Conclusão: a reportagem considera que o cronograma de entrega representado pelo gráfico que tem como fonte o ministério da saúde não será cumprido. Se os números que estão lá forem cumpridos, teremos doses suficientes para a vacinação de todo o grupo prioritário (duas doses) até meados de junho. Para tanto, duas coisas são necessárias:
1) Que a Fiocruz consiga produzir o montante prometido (o problema não parece estar na importação do IFA) e
2) Que Estados e municípios consigam elevar a média de vacinação para 1,5 milhão por dia, contando sábados, domingos e feriados. Talvez não tenham feito isso ainda porque não sentem segurança no delivery da Fiocruz. O fato é que estamos vacinando (considerando as duas doses), na média, 650 mil/dia nos últimos 7 dias. Precisamos mais que dobrar esse ritmo.
Em 2018, fiquei rouco de dizer aqui que Alckmin estava polarizando com a pessoa errada. Em uma eleição marcada pelo anti-petismo, o candidato do PSDB deveria convencer o eleitorado de que era tão ou mais anti-petista do que Bolsonaro. Essa era a única (pequena) chance de chegar ao 2o turno, fosse contra Bolsonaro, fosse contra o candidato do PT. A campanha de Alckmin, na época, escolheu bater em Bolsonaro, inclusive mimetizando a agenda de costumes do PT. Sozinho no campo do anti-petismo, Bolsonaro nadou de braçada.
Em 2022, o anti-petismo terá um papel bem menor, mas ainda terá um papel. O papel será bem menor porque o tempo passa, as lembranças se confundem na memória, e hoje Bolsonaro é a vidraça. Mas, mesmo sendo menor, terá o seu papel. Muitos votarão em Bolsonaro para não devolver o poder ao PT.
Nesse sentido, a análise do professor Carlos Pereira é perfeita, e me lembra a análise que fiz sobre Alckmin em 2018. Essa tal “frente do Centro”, ao bater somente em Bolsonaro, implicitamente considera que Bolsonaro já está no 2o turno. Pretende, portanto, roubar a vaga de Lula. Mas essa é uma aposta arriscada, mesmo considerando que o anti-petismo perdeu força na sociedade. O risco é o candidato desse polo ser considerado uma “quinta coluna” do petismo e deixar o campo anti-petista novamente todo para Bolsonaro.
Esses “candidatos do centro” começariam bem, por exemplo, ao reconhecer que Bolsonaro não é a única ameaça à democracia. Lula e seu partido minaram as instituições democráticas de várias maneiras, e isso deve ser igualmente explicitado em seu posicionamento. Mas o seu “manifesto pela consciência democrática” passa a ideia de que somente agora a nossa democracia estaria sob risco. Ou ajustam o discurso, ou o seu candidato, qualquer que seja, terá os mesmos votos de Alckmin em 2018.
Ontem, durante a sabatina (melhor seria dizer briga de rua) de Paulo Guedes na CCJ, um deputado do PDT mencionou uma medida que, vira e mexe, aparece como a solução dos problemas fiscais do Brasil: a “auditoria da dívida”.
Bem, não precisa ir longe: o BNDES chegou a representar cerca de 1/6 da dívida pública, no auge da insanidade petista. Parte desse dinheiro já voltou aos cofres públicos, mas outra parte é de difícil recuperação.
Sempre que você ouvir alguém que simpatizava com o governo anterior defender uma “auditoria da dívida”, convide o sujeito a tentar cobrar a dívida de Cuba e Venezuela. Já é um bom começo.
Ouvi esta frase hoje de uma senhora de seus mais de 70 anos, classe média baixa paulistana, que votou em Bolsonaro em 2018 meio desconfiada. Sua nova convicção nasceu dessa confusão toda da epidemia/vacinação.
Claro, faltam ainda muitos meses até colocar o voto na urna. Muita água vai rolar. Mas essa manifestação me fez pensar: uma parte daquele eleitorado que deu a vitória a Bolsonaro no 2o turno se foi. E pior, se virou para o seu adversário, qualquer que seja ele, até Lula. Isso indica rejeição.
Bolsonaro pode virar esses votos? Pode. Como? Adotando uma nova postura, mais conciliadora, mais colaborativa, menos beligerante. Sendo mais, digamos, presidencial. Vai adotar? Só o tempo dirá se o escorpião mudará sua natureza.
A exemplo do PT, que entregou o país a Bolsonaro de tanto errar, Bolsonaro entregará o país de volta ao PT, de tanto errar.
PS.: não adianta dizer que, por mais que ele faça, a mídia será contra ele, nada vai mudar. Bolsonaro ganhou a eleição de 2018 com essa mídia que está aí. E a explicação era que a velha mídia estava morta, o que importava era a presença nas redes sociais. Por que agora a vitória de Bolsonaro em 2022 dependeria de uma cobertura favorável da mídia?
Elaborei este novo gráfico para termos uma ideia da evolução do número de óbitos de uma semana para cá.
Os pontos azuis são de uma semana atrás, os pontos vermelhos são os números de hoje, sempre a média móvel dos 7 dias anteriores. Coloquei os números dos 10 estados mais populosos, separando SP entre região metropolitana e interior (ambos têm, separadamente, população maior que qualquer outro estado).
Podemos observar, por exemplo, que o Brasil ainda tem número maior de óbitos do que há uma semana, mas o crescimento foi pequeno, o que mostra que talvez já estejamos perto de ter atingido o pico. Há estados que estão piorando rapidamente: a região metropolitana de SP e o RJ são os piores, puxando os números do país para cima. Por outro lado, outros estados que estavam puxando para cima estão em regressão, como PR, RS e SC. Mas os números desses estados ainda são mais altos do que a média brasileira.
Enfim, parece que estamos passando por várias ondas dentro do Brasil, sendo que os últimos estados populosos puxando a média brasileira para cima são RJ, SP e, em menor medida, MG. Acabando a onda nesses estados, começaremos a descida.
Essa é uma realidade que já existia antes da pandemia para as empresas de desenvolvimento de software. Por exemplo, o programa que uso para controlar minhas finanças pessoais foi desenvolvido em Utah, EUA, mas tem gente trabalhando em várias partes do mundo. A pandemia fez acelerar esse processo, e cada vez mais empresas vêm acessando a mão de obra onde ela está, principalmente em tecnologia.
Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção na reportagem foi o trecho que destaquei abaixo.
O profissional não tem “direito” a 13o salário e nem a um terço de adicional de férias. No entanto, no total, ganha 50% a mais do que ganhava em seu último emprego, com todos esses direitos “assegurados”.
Não conheço outras legislações trabalhistas ao redor do mundo, mas sou capaz de apostar que a CLT deve ser uma das que mais “garantem direitos” ao trabalhador. São tantos os mecanismos de “proteção” que se perde de vista o principal: o real poder de consumo do trabalhador.
No caso em tela, estamos comparando um emprego com “carteira assinada” com outro sujeito a legislação menos protetiva. Aliás, nem sabemos ao certo, pode ser que a legislação na Polônia seja tão protetiva quanto, mas o contrato seja o equivalente à nossa “PJ”, que permite driblar a cunha tributária representada pela carteira assinada. Para o nosso argumento, no entanto, pouca importa: o que vale é o poder de consumo final do trabalhador.
Todos os benefícios trabalhistas criados pelos nossos políticos são apresentados como grandes “conquistas dos trabalhadores”. No entanto, o que vale, no final do dia, é o poder de consumo do trabalhador. As empresas, quando determinam o salário dos seus empregados, fazem a conta de quanto podem pagar. Tanto faz se dividirão em 12 ou 13 parcelas, se as férias terão direito a 1/3 adicional, se tem FGTS. O que importa, para as empresas, é o quanto irão desembolsar no total. Os empregados não receberão um real a mais pelo fato de a legislação determinar o pagamento do 13o, 14o ou 15o salários. A lógica econômica acaba se impondo.
A prova de que a lógica econômica acaba se impondo é o imenso contingente de trabalhadores informais que recebem menos do que um salário mínimo. A lei não tem o poder de criar riqueza. Não é o fato de um determinado valor estar determinado em lei que as empresas terão, como que em um passe de mágica, dinheiro em caixa para pagar o devido legalmente.
Enquanto os “direitos” inventados pelos nossos políticos causavam apenas a informalidade no mercado de trabalho, convivíamos bem com isso. No entanto, o problema agora é outro: em um mundo em que o mercado de trabalho passa a ser globalizado, onde o funcionário pode trabalhar em sua casa para qualquer empresa do mundo, a nossa legislação trabalhista passa a ser um peso para as empresas locais contratarem trabalhadores mais qualificados.
Este é um problema especialmente grave para as empresas do setor de tecnologia. Há um déficit global gigantesco de trabalhadores deste setor, que vem crescendo a taxas exponenciais. Os nossos profissionais de tecnologia estão sendo disputados por empresas do mundo inteiro, sem as antigas barreiras físicas e, principalmente, podendo pagar mais por terem outro tipo de legislação trabalhista em seus países. Não por coincidência, todos os exemplos da reportagem do Estadão são desse setor.
Outro dia, as empresas de tecnologia estavam fazendo lobby para a continuidade da isenção de encargos trabalhistas na folha de pagamento. Diziam que, se essa isenção não fosse estendida, o desemprego do setor aumentaria. Na verdade, o medo é outro: esses empregados poderiam ser capturados por empresas de outros países que não precisam pagar encargos trabalhistas. A competição é desigual.
Mão de obra qualificada é um diamante que necessita de muito tempo, esforço e dinheiro para ser lapidado. É desesperador saber que, uma vez finalmente lapidado, muitas vezes em faculdades pagas com dinheiro público, esse diamante acabe servindo para agregar valor para empresas de fora do país, porque temos uma legislação que “protege” os trabalhadores da única coisa que lhes interessa: vender a sua habilidade pelo melhor preço possível.
O Congresso aprovou um projeto de lei que prevê multa para empresas que pagam salários diferentes para homens e mulheres que tenham o mesmo cargo ou função. Como agora é lei, todos os problemas das mulheres acabaram.
Ocorre que, se fosse simples assim, bastaria uma lei para cada problema da sociedade. Sabemos que não é assim que funciona.
Há, de fato, um gap salarial entre homens e mulheres, isso é inegável. Existem inúmeros estudos que demonstram esse fato. A questão é: por que isso acontece?
A lei recém aprovada tem como pressuposto de que este gap é fruto de discriminação por parte das empresas. Estas pagariam, por algum motivo sórdido, salários diferentes para homens e mulheres no mesmo cargo e com a mesma experiência. É a visão, por exemplo, da advogada Fernanda de Avila e Silva, uma das fundadoras do “Me Conta Direito”, projeto que busca esclarecer mulheres sobre os seus direitos. Em entrevista ao Estadão na matéria sobre o assunto, a advogada diz:
A matéria cita como fonte um artigo que fez bastante barulho no ano passado, de autoria dos economistas Beatriz Caroline Ribeiro, Bruno Kawaoka Komatsu e Naércio Menezes Filho, que encontraram diferenças significativas nos salários entre homens e mulheres, segundo gênero, raça, escolaridade e tipo de instituição de ensino frequentada (pública ou privada). O professor Naércio foi meu orientador no mestrado, é um cara sério e muito fera em econometria. Fui atrás do artigo para entender melhor.
Foi feita uma regressão linear em que foram encontrados coeficientes significativos para as diferenças de salários entre homens e mulheres, entre brancos e negros e entre pessoas que cursaram faculdades públicas e privadas. Até aí, nenhuma novidade, sabemos que homens ganham mais do que mulheres, que brancos ganham mais do que negros e que pessoas que cursaram faculdade pública ganham mais do que pessoas que cursaram faculdades privadas. A questão é: por que?
Uma hipótese, no caso da diferença de gênero, é a idade/experiência: as mulheres saem antes e mais frequentemente do mercado de trabalho porque precisam cuidar dos filhos. Quando voltam (se voltam) perderam terreno e ficaram atrás, em termos de experiência, de homens de mesma idade.
Outra hipótese, que pode ser complementar à primeira, é que as mulheres, por algum motivo (que pode ter relação com a hipótese acima ou com outras razões), não chegam a cargos de chefia. Assim, mulheres com mesma idade que homens ganham menos porque estão em cargos de menor remuneração. Nessa hipótese, a lei aprovada teria pouco o que fazer, dado que regulamenta salários de mesmos cargos/experiência.
Uma terceira hipótese é a levantada pela advogada entrevistada acima: as empresas usam qualquer pretexto para pagar menos para as mulheres. Mas a desculpa de pagar menos simplesmente para economizar não se sustenta: se fosse esse o caso, as empresas poderiam pagar menos para os homens e economizariam da mesma forma. Ou poderiam pagar igualmente menos para homens e mulheres, economizando ainda mais. O fato é que pagam menos para mulheres, o que não passaria de um machismo patriarcal estrutural. Simples assim.
Esta terceira hipótese é a única que sobra se as duas primeiras não puderem ser provadas. Voltemos ao artigo do professor Naércio. Destaco o seguinte trecho:
De fato, encontram-se coeficientes significativos para gênero, mesmo controlando por idade. Ou seja, mulheres ganham menos do que homens mesmo tendo a mesma idade e, supostamente, a mesma experiência e o mesmo cargo. Mas aí é que mora o problema: como provar que, tendo a mesma idade, mulheres e homens têm a mesma experiência e o mesmo cargo? Por isso o artigo reconhece que podem existir outros fatores de influência, alguns inclusive não observáveis. Os dados da PNAD, nos quais se baseia o artigo, obviamente não traz informações de cargo ou experiência.
Um outro artigo do professor Naércio joga uma luz diferente sobre o problema:
O artigo levanta a hipótese e traz algumas evidências de que a idade não reflete a experiência no trabalho no caso das mulheres, devido a suas decisões de fecundidade.
Uma observação importante, antes de continuarmos: estamos sempre trabalhando com dados agregados e grandes tendências. Não estamos falando de casos particulares. Há mulheres que têm filhos e conseguem levar carreira e lar de maneira igualmente brilhante. Mas, na média, não é isso o que acontece. E estamos sempre nos referindo a médias populacionais. Sigamos.
Há algumas evidências, portanto, de que as mulheres podem ter menos experiência ou cargos menores (o que é equivalente do ponto de vista salarial) porque têm dupla jornada. É justamente essa a hipótese que a advogada entrevistada acima levanta: as empresas usariam essa “desculpa” para afirmar que as mulheres seriam menos produtivas e, portanto, mereceriam ganhar menos. Mas a questão é que, como mostra o artigo acima, pode não ser uma mera desculpa.
Vejamos a letra do projeto de lei aprovado pelo Congresso, que acrescenta o parágrafo 3o ao art. 401 da CLT (que trata das penalidades):
Parágrafo 3o: Pela infração ao inciso III do art. 373-A, relativamente à remuneração, que deverá ser regularmente apurada em processo judicial, inclusive com observância do disposto no art. 461, excluídas as parcelas e vantagens de caráter pessoal, será devida multa em favor da empregada em valor correspondente ao dobro da diferença salarial verificada mês a mês, durante o período não prescrito do contrato de trabalho.
O inciso III do art. 373-A diz o seguinte:
III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional.
E o artigo 461 diz o seguinte:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
Portanto, a lei da igualdade já existia, faltava apenas estabelecer uma penalidade, que é o que foi feito agora.
O problema de toda lei é a sua aplicação. Medir “funções idênticas” e “trabalho de igual valor” não é tarefa simples. Os operadores do direito, procuradores e juízes, serão chamados a arbitrar este tipo de reivindicação, carregando seus vieses e suas convicções. Está longe de ser algo objetivo.
Na hipótese de que haja apenas uma má vontade ancestral das empresas, não haverá problema: as empresas se adaptarão à nova realidade, pagando a cada empregado de acordo com a sua experiência/produtividade. A lei as obrigará a isso e, como não há motivo econômico que as impeça, era apenas preconceito que as movia, a lei resolverá o problema.
Mas, se a hipótese de menor experiência em razão de dupla jornada for verdadeira (e, como vimos acima, há uma probabilidade não desprezível de que seja), as empresas serão obrigadas a escolher entre o mais experiente e o menos experiente pagando a mesma coisa. Adivinha qual será a escolha quando as multas começarem a ser aplicadas. Esta consequência também foi antecipada pela advogada entrevistada acima. Ela diz: “embora uma ‘ala mais conservadora da sociedade’ possa alegar ‘por isso não contratam mulheres’“. Pois é, talvez seja essa a consequência da lei, a depender da forma como for aplicada.
O problema do gap salarial de gênero vai muito além de igualar salários de cargos semelhantes. O problema é estrutural, de divisão de tarefas na sociedade. Nem sei se esse é um problema que tem solução. A única coisa que sei é que, novamente, as empresas estão sendo chamadas a resolver um problema que não lhes pertence. Ou, na melhor das hipóteses, elas não têm como resolver, a não ser empregando seu escasso capital para consertar uma deficiência da sociedade. Não seria a primeira vez.