A UEFA não autorizou que o estádio de Munique, que receberá o jogo Alemanha x Hungria pela Eurocopa, fosse iluminado com as cores do arco-íris. A iluminação seria em protesto por uma lei recentemente aprovada pelo parlamento húngaro, proibindo a presença de homossexuais em propaganda para menores, além de outros pontos relacionados com educação. A UEFA ofereceu outras datas para o protesto, mas como este jogo envolve a seleção da Hungria, foi considerado pela entidade como um protesto político, contra, portanto, seus estatutos, que proíbem expressões políticas e religiosas em suas competições.
Não vou aqui entrar no mérito da decisão da UEFA. Trata-se de entidade privada, regida por regras aprovadas pelos seus membros. Se alguém não estiver contente, pode tentar fundar uma outra associação que, além de organizar futebol, também promova protestos políticos. Boa sorte.
Meu ponto é outro. A tal lei foi aprovada por 157 votos a favor e um contra.
O parlamento húngaro é formado por 199 deputados, dos quais 132 pertencem à base do governo de Viktor Orbán, o Bolsonaro deles. A oposição boicotou a votação, mas o que chama a atenção é que 25 deputados da oposição, de um total de 67, votaram a favor da lei. Ou seja, mais de um terço.
Então, são duas coisas:
1) Esses deputados que lá estão foram eleitos pelos cidadãos húngaros. Não estamos falando da Venezuela ou do Iraque. A Hungria pertence à União Europeia, que tem regras mínimas de governança para os seus membros. Em reportagem do The Guardian, uma deputada da oposição pede “imediata ação da UE”. O jornalista complementa, não sem uma ponta de sarcasmo, “sem dizer exatamente o que ela tem em mente”. Não há nada em mente.
2) Mesmo uma fatia relevante de deputados da oposição votaram a favor da tal lei. Seria interessante ouvir as suas considerações, o que, até onde eu tenha conhecimento, não foi feito por nenhum veículo da imprensa democrática ocidental.
Estamos aqui diante de um dilema típico das sociedades democráticas. Por um lado, cada sociedade tem suas idiossincrasias. O parlamento é somente o espelho dessas peculiaridades. Vale para o Brasil, vale para a Hungria. Por outro lado, é óbvio que desrespeitos flagrantes a direitos humanos devem ser rechaçados pela comunidade das nações e a autodeterminação dos povos deve ser sopesada com um mínimo de humanidade. A Hungria faz parte da União Europeia, o que, em tese, garante esse mínimo de humanidade ao longo do tempo, caso o país deseje continuar pertencendo a esse clube. Por outro lado, protestos fazem parte do jogo democrático.
Enfim, trata-se de tema espinhoso, que envolve muitas facetas. Ao contrário do que parece, não é a luta entre “o bem e o mal”. É somente o barulho causado pelo choque de duas agendas de costumes. Assim caminha a humanidade.