Como Brasília atrasa do Brasil

A Livraria é um bom filme. Ambientado em uma pequena cidade inglesa na década de 50, conta a história de uma empreendedora que monta uma livraria em uma velha casa da cidade. Faz um tremendo sucesso, mas a “dona” da cidadezinha tinha outros planos para aquela casa. Frustrada em seus projetos, mexe seus pauzinhos em Londres, onde é aprovada uma lei específica para ferrar a empreendedora.

Lembrei desse filme ao ser relembrado de que está em tramitação na Câmara um projeto de lei com o objetivo de ferrar o empreendedor, ao proibir a intermediação na venda de passagens de ônibus intermunicipais e interestaduais. Com isso, se inviabilizam os sites de vendas de passagens e o compartilhamento de ônibus. O projeto foi patrocinado por senadores com interesses particulares no setor e aprovado no Senado em dezembro.

Mais do que ferrar o empreendedor, essa lei, ao inibir a concorrência, prejudica, antes de mais nada, o consumidor. Na pequena cidade inglesa, seus habitantes foram privados de uma opção de atividade cultural. Aqui, os usuários serão privados de mais uma opção de transporte. É assim que Brasília ferra o Brasil.

Revelação bombástica

Trago para vocês aqui em primeira mão uma revelação bombástica: as eleições de 2018 foram fraudadas. Acabo de ter acesso a provas materiais.

Era para o Haddad ter vencido logo no primeiro turno. A fraude foi tão gigantesca que, não fossem algumas poucas pessoas que sabiam evitar a fraude, Bolsonaro teria ganho fraudulentamente já no primeiro turno. Mas, no segundo turno, não teve jeito, a fraude ganhou.

Mostrarei as minhas provas da fraude quando Bolsonaro mostrar as provas dele.

Assim caminha a humanidade

A UEFA não autorizou que o estádio de Munique, que receberá o jogo Alemanha x Hungria pela Eurocopa, fosse iluminado com as cores do arco-íris. A iluminação seria em protesto por uma lei recentemente aprovada pelo parlamento húngaro, proibindo a presença de homossexuais em propaganda para menores, além de outros pontos relacionados com educação. A UEFA ofereceu outras datas para o protesto, mas como este jogo envolve a seleção da Hungria, foi considerado pela entidade como um protesto político, contra, portanto, seus estatutos, que proíbem expressões políticas e religiosas em suas competições.

Não vou aqui entrar no mérito da decisão da UEFA. Trata-se de entidade privada, regida por regras aprovadas pelos seus membros. Se alguém não estiver contente, pode tentar fundar uma outra associação que, além de organizar futebol, também promova protestos políticos. Boa sorte.

Meu ponto é outro. A tal lei foi aprovada por 157 votos a favor e um contra.

O parlamento húngaro é formado por 199 deputados, dos quais 132 pertencem à base do governo de Viktor Orbán, o Bolsonaro deles. A oposição boicotou a votação, mas o que chama a atenção é que 25 deputados da oposição, de um total de 67, votaram a favor da lei. Ou seja, mais de um terço.

Então, são duas coisas:

1) Esses deputados que lá estão foram eleitos pelos cidadãos húngaros. Não estamos falando da Venezuela ou do Iraque. A Hungria pertence à União Europeia, que tem regras mínimas de governança para os seus membros. Em reportagem do The Guardian, uma deputada da oposição pede “imediata ação da UE”. O jornalista complementa, não sem uma ponta de sarcasmo, “sem dizer exatamente o que ela tem em mente”. Não há nada em mente.

2) Mesmo uma fatia relevante de deputados da oposição votaram a favor da tal lei. Seria interessante ouvir as suas considerações, o que, até onde eu tenha conhecimento, não foi feito por nenhum veículo da imprensa democrática ocidental.

Estamos aqui diante de um dilema típico das sociedades democráticas. Por um lado, cada sociedade tem suas idiossincrasias. O parlamento é somente o espelho dessas peculiaridades. Vale para o Brasil, vale para a Hungria. Por outro lado, é óbvio que desrespeitos flagrantes a direitos humanos devem ser rechaçados pela comunidade das nações e a autodeterminação dos povos deve ser sopesada com um mínimo de humanidade. A Hungria faz parte da União Europeia, o que, em tese, garante esse mínimo de humanidade ao longo do tempo, caso o país deseje continuar pertencendo a esse clube. Por outro lado, protestos fazem parte do jogo democrático.

Enfim, trata-se de tema espinhoso, que envolve muitas facetas. Ao contrário do que parece, não é a luta entre “o bem e o mal”. É somente o barulho causado pelo choque de duas agendas de costumes. Assim caminha a humanidade.

A verdadeira educação financeira

Sempre tive a impressão de que educação financeira nas escolas é um pouco como educação sexual: você pode até tentar ensinar as técnicas e os conceitos, mas a prática é outra coisa.

A grande preocupação em torno desse assunto é o descontrole financeiro que leva ao superendividamento. As pessoas se endividariam porque não conhecem juros compostos e não sabem como fazer um orçamento. Bastaria ensinar essas noções na escola para que os futuros adultos tivessem uma vida financeira regrada.

Na verdade, as pessoas se endividam porque gastam mais do que ganham. A questão não está só e nem principalmente na falta de conhecimento teórico, mas na falta de auto-controle diante das tentações do consumo. Trata-se, antes de tudo, de educar a vontade. O paralelo com a educação sexual nas escolas novamente aparece: ensinar como a gravidez ocorre e o uso de contraceptivos não tem impedido os casos de gravidez na adolescência. Não é por falta de informação.

Aliás, uma coisa que não falta é informação. Abundam os influencers de educação financeira, alguns com milhões de seguidores. São toneladas de dicas disponíveis no YouTube, Instagram e outras redes sociais. Mas as pessoas continuam se endividando acima da sua capacidade. As pessoas precisam de mais formação, não mais informação.

Dinheiro e sexo têm um quê de sagrado e de profano. Lidar bem com ambos requer um treino que vai além dos livros. Trata-se de uma tarefa de crescimento pessoal, que começa em casa e continua durante a vida inteira. Se esta dimensão não for considerada, vai continuar faltando toalha para enxugar o gelo.

O colo do pobre é onde sempre a coisa acaba

Qualquer sistema tributário justo deveria prever a mesma alíquota incidindo sobre cada real de valor agregado por uma atividade econômica, qualquer que seja a sua natureza. Se diferenciação houvesse, deveria existir para favorecer os consumidores de renda mais baixa. Este deveria ser o princípio de qualquer sistema tributário progressivo.

O setor de servidos está estrilando com os projetos de reforma de tributária que estão em estudos. A alíquota única significará aumento da carga tributária para as empresas desse setor e diminuição para as empresas do setor industrial. A conclusão é óbvia: se uma alíquota única prejudica o setor de serviços, isso só pode significar que o sistema atual privilegia esse setor.

Faz sentido continuar privilegiando o setor de serviços? Vejamos.

A Cebrasse, cujo presidente foi ouvido na reportagem, é uma central de sindicatos. Visitando seu site, podemos ter uma ideia da natureza das empresas representadas: escolas particulares, lava-rápidos, associações de dentistas e médicos, segurança privada, terceirização de mão de obra para condomínios, serviços para o transporte aéreo, empresas de turismo, pet shops, etc. Veja se nessa lista existe algum serviço consumido por favelados ou sertanejos do interior do Nordeste. Vale subsidiar esse setor?

Isso sem contar que uma parte relevante das empresas do setor estão no regime do Simples, o que já representa um senhor subsídio e que, infelizmente, não será tocado pela reforma. O choro é pelas grandes empresas do setor.

Em outro ponto da reportagem, o presidente da Confederação de Serviços defende a CPMF para desonerar a folha de pagamentos. Sempre uma solução para passar para o pobre a conta do serviço consumidos pelos mais ricos.

O presidente da Cebrasse diz que “a conta está estourando no colo” do setor. Sim, verdade. Chegou a hora de desonerar os produtos da cadeia de produção industrial e onerar os serviços consumidos preponderantemente pelos mais ricos. Chega de a conta estourar no colo dos mais pobres.

P.S.: eu trabalho no setor de serviços.

A noite da humanidade

Aos 31 minutos do dia de hoje, 21/06, horário de Brasília, o hemisfério sul da Terra passou pelo ponto de maior ângulo em relação ao Sol, marcando o solstício do inverno e dando início à estação de mesmo nome em nosso hemisfério. Esse é o dia que marca o menor período de insolação: são 10 horas, 40 minutos e 57 segundos entre o nascer e o por do sol na cidade de São Paulo. O que nos leva, em consequência, à noite mais longa do ano.

O ser humano é chegado em uma alegoria. O inverno é, muitas vezes, associado a coisas ruins. A velhice, por exemplo, às vezes é chamada de outono da vida, a estação que precede o inverno, a morte. Uma guerra nuclear seria seguida por um “inverno nuclear”, um cenário de desolação sem a luz do Sol. Cenário este usado em filmes como Matrix, para construir uma ambientação de fim de mundo.

Também a noite é associada ao perigo, ao desconhecido, ao terror. Quando dizemos que um assalto ocorreu “em plena luz do dia”, queremos enfatizar que aquilo não era o esperado. Portanto, é durante a noite que as coisas ruins acontecem, não durante o dia. Dormimos à noite e vivemos de dia. A noite é o reino dos sonhos e dos pesadelos, um mundo que não nos pertence.

A noite é também uma óbvia alegoria para essa pandemia. Estamos passando pela mais longa noite de nossa geração, que não teve que passar por guerras. É o nosso solstício de inverno. O medo e a incerteza tomam conta da sociedade. As pessoas se recolhem e parece que vivemos em um grande pesadelo distópico.

Mas o ser humano, com seu engenho, domou o inverno e a noite. É durante a noite que nos divertimos e convivemos com a família, porque o dia é dedicado aos deveres. E é durante o sono que recarregamos as baterias. Os seres humanos precisamos da noite para viver.

A pandemia é a noite da humanidade. Durante a pandemia, fomos forçados a conviver mais com a nossa família e, porque não dizer, conosco mesmos. Conviver de uma maneira diferente, que mudará novamente quando as restrições acabarem. A noite não é ruim em si, apesar do seu estigma. A noite será tão boa quanto o que façamos com ela.

Por fim, assim como a noite mais longa do ano, apesar de longa, não é eterna, assim também a noite da pandemia será sucedida por um radioso nascer do sol. E, como na vida, aproveitaremos tanto melhor o dia quanto melhor tivermos empregado o tempo da noite.

Democrata até a página 2

George Bush venceu as eleições americanas no ano 2000 por pouco mais de 500 votos na Flórida, o que lhe garantiu um mísero voto adicional no Colégio Eleitoral. Depois de um mês de batalha na justiça pela recontagem e uma decisão contrária às suas pretensões na Suprema Corte por 5 a 4, Al Gore reconheceu a vitória de Bush. A palavra “fraude” não foi mencionada pelo candidato derrotado.

Mário Vargas Llosa, que, como já vimos, virou cabo eleitoral de Keiko Fujimori, afirma, desde a “distante Madrid”, como ele mesmo diz, que houve fraude nas eleições peruanas.

Notícia no mesmo jornal nos informa que a primeira instância da justiça eleitoral peruana e observadores internacionais enviados para supervisionar o pleito não encontraram indícios de fraude.

Vargas Llosa insiste que a justiça não fez direito o seu trabalho e que os observadores aceitaram os resultados “por diplomacia”.

Em qualquer jogo, a última autoridade é o juiz. Podemos não concordar com a decisão, podemos xingar a mãe do juiz, mas é ele que manda. Caso contrário, instala-se o caos. Imagine se, a cada lance, os jogadores precisassem discutir entre si o que aconteceu.

Quando do impeachment de Dilma, o PT insistiu na tese do “golpe”. O impeachment seria um golpe porque não haveria crime de responsabilidade, segundo os petistas. No entanto, quem decide se houve ou não crime é o juiz. E, neste caso, os juízes eram os 513 deputados. Pode-se não concordar com a decisão, mas essa é a regra do jogo democrático. Chamar a decisão dos deputados de “golpe” é anti-democrático.

Claro que estamos falando de democracias minimamente funcionais, onde os poderes são independentes entre si. Na Venezuela, por exemplo, Legislativo e Judiciário são apêndices do Executivo, e observadores internacionais não são bem-vindos durante as eleições. Neste caso, a fraude eleitoral é estrutural.

Isso é uma coisa. Outra coisa é contestar o veredito dos juízes em uma democracia. Trump fez exatamente isso: não parou de falar em fraude mesmo depois de várias instâncias da justiça terem afirmado que as eleições haviam sido limpas. Uma postura claramente anti-democrática, digna de república bananeira. Aliás, a invasão do Capitólio foi somente a tradução em imagens dessa postura.

Aqui no Brasil, Bolsonaro está convicto de que as eleições de 2014 e 2018 foram fraudadas. É só uma convicção, não há provas. Mas isso não o impede de investir contra o juiz da partida, a exemplo do que fizeram os petistas por ocasião do impeachment.

Claro que sempre se pode dizer que todo o “sistema” está viciado, que vivemos em uma democracia de fachada, cujo único objetivo é proteger o establishment. Esse era o discurso do PT, de Trump e, agora, de Bolsonaro. Pode até ser. O problema é a alternativa a esse sistema falho. Se não for isso, é o autoritarismo do “bem”. Que só é bom para quem está do lado do “bem”.

As credenciais democráticas de Mário Vargas Llosa estão acima de qualquer suspeita. Ou, pelo menos, estavam. Duvidando da palavra dos juízes eleitorais e de observadores internacionais, Vargas Llosa demonstra que ele até pode ter saído da América Latina, mas a América Latina não saiu dele.

PS.: a votação no Peru se dá em cédulas de papel. Isso não impediu as denúncias de fraude, mesmo depois de os juízes eleitorais afirmarem que não houve fraude. O voto impresso é só mais um espantalho útil para quem não tem convicções democráticas.

O povo não-militante

Existe uma parte da população chamada de “maioria silenciosa”, a que eu também chamo de “povo não militante”.

O “povo não militante” é aquele que não milita, ora pois. É o sujeito ou a sujeita que prefere ficar em casa ou passear no fim de semana, curtir o descanso com a família, ao invés de dirigir-se a manifestações políticas. Não que não goste de conversar sobre política, ou não dê seus palpites sobre o assunto nas redes sociais. Mas para tirá-lo de casa, precisa bem mais do que uma “convocação”. A coisa tem que estar realmente séria. Em 2015/2016, o “povo não militante” foi para as ruas, sinal de que a coisa tinha ficado realmente séria.

As atuais manifestações, tanto a favor como contra Bolsonaro, são coisa de “povo militante”. O “povo não militante” ainda encontra-se em casa. Estas manifestações contra Bolsonaro têm a pretensão de se mostrarem apartidárias, de representarem uma “frente ampla”. Lembram as manifestações #elenão nas vésperas das eleições de 2018. Sob a capa de um movimento rechaçando Bolsonaro, tínhamos, na verdade, a militância do PT e seus satélites. Agora não é diferente: as manifestações deste fim de semana foram convocadas pela Frente Brasil Popular, Povo Sem Medo e sindicatos, todos satélites do PT.

MBL e Vem Pra Rua, movimentos que são hoje oposição a Bolsonaro, tiraram o corpo fora dessas manifestações. Eles lideraram, em 2015/16, o “povo não militante”. Que ainda não vê motivo para sair do sofá.

É a inflação que derruba governos

Vou ao mesmo supermercado todo sábado pela manhã, fazer as compras da semana. Como sou habitué, acabo fazendo amizade com os atendentes.

Há um senhor que pesa os produtos hortifruti (é um atacarejo, não tem balança no caixa). Nos poucos minutos em que interagimos, enquanto pesa os produtos, ele sempre tem algum assunto. Pode ser uma doença, alguma coisa que aconteceu no supermercado ou alguma oferta que eu não posso perder de jeito nenhum. Hoje, ele me perguntou: “você não acha que as coisas estão muito caras?”

Respondi de maneira protocolar (eu sempre respondo de maneira protocolar, não sou muito bom de fazer amizades. Acho que por isso que os estranhos gostam de conversar comigo, não falo nada, só escuto).

Ele continuou: “eu tenho três gatos. No ano passado, achei um preço bom, e comprei ração pra eles. Paguei R$0,99. Essa semana acabou o estoque que eu tinha comprado. Fui na loja e estava R$2,40! Triplicou o preço!”

Concordei, ainda que 2,40 não seja o triplo de 0,99. Mas isso é um detalhe, o ponto é que a ração dos gatos subiu muito, e o senhor sentiu no bolso a coisa.

Em um momento em que a Selic está subindo justamente para controlar a inflação, é bom que este governo tenha em mente uma verdade que desconhece cores ideológicas: desemprego é muito ruim, taxa de juros alta não é bom, mas é a inflação que derruba governos.