Demanda e oferta no mercado de trabalho – o caso Uber

Se existe um mercado de trabalho perto do que poderíamos chamar de perfeito é o de motoristas de aplicativos. Nesse mercado, patrões (passageiros) e empregados (motoristas) se encontram através de uma plataforma tecnológica (Uber). As curvas de demanda (passageiros) e oferta (motoristas) se encontram praticamente sem atritos, através de um algoritmo de otimização que forma o preço de equilíbrio em cada lugar e a cada hora.A reportagem do NYT afirma que o Uber tem aumentado os preços. Errado. O responsável pela elevação dos preços foi um aumento repentino da demanda em relação à oferta. A demanda tem aumentado nos EUA na medida em que as pessoas vacinadas se sentem mais seguras para sair. Por que a oferta não acompanhou?

A matéria aponta como motivo o receio de alguns motoristas com relação à pandemia. Meio estranho, dado ser este um ganha-pão, e ficar em casa muitas vezes significa passar fome. Há uma outra razão, omitida pela reportagem: o auxílio-emergencial mais generoso do mundo, pago pelo governo americano, no valor de 300 dólares por semana. Aí fica claro: entre arriscar-se a ficar doente e permanecer em casa recebendo sem trabalhar, a decisão parece um no-brain, como dizem os americanos.

Este é um problema que vem afetando empresas no país inteiro, principalmente naqueles serviços de menor remuneração. Em alguns casos, o empresário consegue repassar aos preços, em outros, diminui a sua margem de lucro ou trabalha no prejuízo. O caso do Uber é especialmente fascinante: como o consumidor paga o salário do empregado diretamente a ele, ficando o Uber com um percentual, esta dinâmica de quem leva o prejuízo para casa fica mais evidente.

Em qualquer empresa, há uma disputa sobre a participação no valor produzido pelo negócio. São quatro os contendores: acionistas, empregados, consumidores e fornecedores. Para simplificar, vou deixar os fornecedores de lado nessa análise, assumindo que se trata de um custo fixo. A briga entre esses contendores se dá em torno do preço do produto ou serviço e dos salários. Há um verdadeiro cabo de guerra para puxar preços e salários na direção dos interesses envolvidos: consumidores querem preços os mais baixos possíveis, acionistas querem preços os mais altos possíveis; empregados querem salários os mais altos possíveis, acionistas querem salários os mais baixos possíveis. Em mercados perfeitos, os preços dos produtos e os salários dos empregados se encontram nas curvas de demanda e oferta. Na verdade, nos imperfeitos também, mas os preços e salários, nesse caso, não maximizam a criação de valor. Mas isso é uma outra história, que não vem ao caso aqui.

Os consumidores normalmente compram o produto da empresa, e a empresa paga o salário para os empregados. No caso do Uber, o consumidor paga o salário diretamente para o empregado da empresa, e este repassa uma parte dessa “salário” para a empresa. É natural que, nesse arranjo, fique mais difícil identificar a figura do “acionista”: a plataforma é apenas um intermediário entre o empregado e o consumidor. Na verdade, o Uber quer nos fazer crer que o acionista é o motorista, não existe ninguém no meio. Mas existe. Caso contrário, o Uber seria dispensável, e não é. Por isso, algumas regiões (Califórnia, por exemplo) entendem que é o Uber o empregador, não o usuário. Mas essa é uma discussão longa, que envolve aspectos como dedicação exclusiva e flexibilidade de horário, e que não é o foco dessa discussão.

Pois bem: o Uber poderia, como acionista, diminuir seu lucro para manter os preços e pagar mais para os motoristas saírem de casa. Ocorre que o Uber não dá lucro desde a sua fundação, e gerou prejuízo de US$ 8,5 bilhões em 2019 (2020 foi um ano atípico). Então, o acionista, neste caso, já está subsidiando a corrida do usuário. Os subsídios deveriam ser maiores?

A questão de fundo é qual o valor do produto que atraia um número de usuários que mantenha o negócio em pé. Até o momento, o acionista do Uber está apostando na criação de um mercado que antes não existia. Quantos aqui passaram a “andar de Uber” e antes raramente andavam de taxi? Eu me incluo nessa. Foi criado um mercado. A aposta é que, no futuro, esse mercado será tão grande, as pessoas estarão tão acostumadas, que toparão pagar preços mais altos que viabilizem a existência da plataforma. Sim, porque os acionistas não têm paciência infinita para prejuízos.

O que está ocorrendo no momento é que a curva de oferta de motoristas está sendo mantida artificialmente baixa pelo auxílio emergencial do governo. A afirmação da especialista, de que é preciso aumentar os salários para atrair trabalhadores é só um truísmo que cheira a sindicalismo barato e que não esclarece o essencial: por que há falta de trabalhadores?

Trata-se, obviamente, de um arranjo que não se sustenta no tempo. O governo não consegue pagar 300 dólares por semana para todos os trabalhadores ficarem em casa ad aeternum. Mesmo porque, são esses trabalhadores que gerarão a atividade econômica que dará origem aos impostos que servirão para pagar esse auxílio. Lembrando que a dívida de hoje é o imposto de amanhã.

Seria muito bom que o governo pudesse pagar um salário mínimo para todos os trabalhadores, e as empresas fossem obrigadas a aumentar os salários para atrair esses trabalhadores. A renda de todo mundo iria subir, todos ficaríamos mais ricos. O truque, no entanto, obviamente não se sustenta: o governo não cria renda, apenas transfere renda de uns agentes para outros, seja hoje (impostos), seja no futuro (dívida). No fim, a inflação come o bolo de todo mundo, principalmente dos trabalhadores que foram “ajudados” pelo governo.

A China e a política do filho único

Em 1980, ano da implementação da política de filho único na China, a taxa de fertilidade no país era de 2,6 filhos por mulher. Em 2016, quando o Partido Comunista Chinês permitiu que as famílias do país pudessem ter 2 filhos, a taxa de fertilidade havia caído para 1,7 filhos por mulher. Sucesso da política de filho único? Vejamos.

Em 1980, a taxa de fertilidade na Coreia era de 2,8 filhos por mulher e, no Brasil, era de 4,0. Em 2016, as taxas de fertilidade nesses dois países haviam caído para, respectivamente, 1,2 e 1,8 filhos por mulher. Ou seja, sem absolutamente nenhum programa estatal de controle da natalidade, a não ser, talvez, campanhas educativas e culturais, Coreia e Brasil apresentaram quedas nas taxas de natalidade em 35 anos superiores aos obtidos pela China.

Essa não é uma característica apenas de Brasil e Coreia. Todos os países de renda média apresentaram exatamente a mesma tendência. A urbanização e a necessidade de mais investimentos em educação fizeram o serviço, não foi necessária uma política coercitiva do Estado.

Agora, o Politiburo chinês vai “permitir” 3 filhos por família. Por que não liberar geral? Vamos combinar que decidir-se por ter 4 filhos ou mais será suficientemente raro para ameaçar qualquer política demográfica. Mas o viés autoritário é mais forte, então precisa continuar havendo alguma intromissão na vida privada das pessoas.

Bem, essa permissão, é fácil prever, não vai resolver nada. A China, como os demais países de renda média, tende a ter uma taxa de fertilidade decrescente. Como diz o velho ditado, você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não pode obrigá-lo a beber água. Já estou vendo o momento em que o governo chinês vai começar a OBRIGAR as famílias a terem dois filhos.

Em resumo: o governo chinês lançou mão de uma política incrivelmente autoritária, que mexeu com a mais íntima decisão na vida de um casal, à toa. Se foi inócuo para minorar o problema demográfico, teve efeitos deletérios sobre a vida das famílias chinesas. Sobre isso, recomendo o documentário da Amazon Prime, One Child Nation.