Denúncia!

Descobri recentemente um dos melhores quadros de humor do YouTube brasileiro, o programa Falha de Cobertura, em que os “comentaristas” Craque Daniel e Cerginho da Pereira Nunes expõem, de forma escrachada, o ridículo desses programas de debate esportivo. Em um dos seus muitos quadros, o comentarista semi-analfabeto Cerginho grita de repente DENÚNCIA!, para, em seguida, expor, com um ar sério afetado, alguma obviedade. Por exemplo: “a bola é redonda e isso está sabotando o bom futebol dos nossos craques!!!”

Lembrei-me desse quadro ao ler a reportagem de hoje sobre “queima de árvores nobres”, que mereceu destaque na capa do Estadão. A matéria tem ar de denúncia, como se algo de muito grave estivesse em curso.

Daí você vai ler a matéria e descobre que:

– não se trata de árvores, mas de toras. Aliás, a foto é de toras, desmentindo o título da reportagem

– as árvores foram derrubadas com a permissão do Ibama para a construção do reservatório de Belo Monte

– foi tentada a doação, mas o custo do frete inviabiliza o transporte para muitos potenciais beneficiários

– a tabela fornecida pela empresa, e reproduzida na reportagem, indica pouco mais de mil metros cúbicos de madeira nobre ou protegida por lei destinada a ser transformada em carvão. No entanto, a matéria coloca como “vítima” da sanha carvológica da empresa o número total de 3,5 mil metros cúbicos. Aliás, a tabela recebe como título a sugestiva palavra QUEIMADA. O que tem a ver a prática da queimada com o uso de madeira em fornos, fica a cargo do jornalista explicar.

Fiquei procurando na matéria o que foi feito de errado ou o que poderia ser feito de diferente agora, mas saí de mãos abanando.

A cereja no bolo da “denúncia” é a frase final da matéria, que nos informa que a usina foi construída em uma região onde há desmate ilegal. No que o leitor minimamente alfabetizado se pergunta: o que tem a ver o c com as calças?

Cerginho da Pereira Nunes faz o papel de um “jornalista” com claros limites cognitivos. Seus quadros de denúncia são escritos, com sucesso, para nos fazer rir. Ele é engraçado por não se levar a sério. A reportagem de denúncia do Estadão, por outro lado, nos faz chorar, pois o jornalista e o veículo se levam a sério ao fazer uma denúncia que cairia melhor em um programa como o Falha de Cobertura.

A Copa a cada dois anos

Até 1978, a Copa do Mundo era disputada por 16 seleções a cada 4 anos. A partir de 2026, o torneio contará com 48 seleções e poderá ser disputada a cada 2 anos. O que mudou nesses quase 50 anos? Simples: a FIFA está estressando o seu principal produto para testar até onde ele aguenta.

Qual o ponto ótimo de uma Copa do Mundo do ponto de vista financeiro? Um número maior de seleções traz novos espectadores, sem dúvida. Mas pode deixar uma boa parte do torneio, incluindo as eliminatórias, sem apelo para os espectadores tradicionais. Um exemplo são as próprias eliminatórias sul-americanas. Antigamente, a seleção brasileira corria o risco real de ficar fora da Copa do Mundo. No entanto, com 5 seleções classificadas e mais uma na repescagem contra uma seleção da Oceania (!), a seleção só não se classifica por um desastre de proporções cósmicas. Resultado: as eliminatórias perderam muito do apelo que tinham antigamente. Com 48 seleções, as eliminatórias na Europa devem perder o apelo também. Mas a FIFA deve ter feito o cálculo e concluído que vale a pena do ponto de vista financeiro.

Agora, vamos aumentar a frequência da competição. O raciocínio é o mesmo: o interesse na competição se dá pela sua raridade. O país para pra ver os jogos. Ocorreria o mesmo se a competição ocorresse de dois em dois anos? Qual seria a audiência? A FIFA deve estar considerando que as duas copas a cada 4 anos terá mais público do que uma copa no mesmo período, mesmo que cada uma delas tenha menos público do que a copa “normal”. O público de cada uma delas não deve cair pela metade, o que representa um ganho adicional. Neste ponto, a FIFA está agindo racionalmente.

No entanto, apesar de poder fazer sentido do ponto de vista estritamente financeiro, não faz nenhum sentido do ponto de vista esportivo. A Copa do Mundo tem essa aura mítica justamente por ser um evento raro. Uma Copa do Mundo bienal com 48 seleções se tornará um torneio comum. Terá algum interesse, mas longe do que representa hoje. Uma pena.

Pensando no bem dos imigrantes

“EUA aumentam voos de deportação para desencorajar imigração ilegal”.

Esse desumano governo Trump insiste em tratar uma crise humanitária como se fosse um caso de polícia, fechando suas fronteiras para as pessoas mais necessitadas.

Hã, o que? O Trump não é mais o presidente? Ah, ok.

O governo Biden, pensando no bem-estar e segurança dos imigrantes, alerta que a imigração irregular é muito arriscada.

Satélites do PT

O movimento Diretas Já tem sido citado com cada vez mais frequência como o paradigma daqueles que querem o impeachment de Bolsonaro. Existe até um movimento intitulado Direitos Já, que tenta emular o movimento de 1984, ao pregar a união de todas as “forças democráticas” em torno do objetivo de derrubar o presidente. Este movimento foi idealizado e é coordenado pelo sociólogo Fernando Guimarães, ex-coordenador da ala Esquerda Pra Valer do PSDB, e que foi expulso do partido justamente por ter se aproximado do PT para fundar o tal movimento. Isso já nos diz alguma coisa.

Voltemos ao paralelo com as Diretas Já. Na época, Lula, Brizola, Covas, Ulysses e várias outras lideranças de oposição ao regime militar subiram unidos no palanque para pedir eleições diretas. Era o primeiro grande movimento de rua desde a Marcha pela Família de 1964. Tudo era novo, uma página em branco, o PT era só um amontoado de intelectuais e sindicalistas, o PSDB nem existia, Ulysses pairava soberano sobre a incipiente democracia brasileira. Não havia história para nublar aquele céu limpo e radiante da união contra a ditadura militar.

Fast forward para 2021. O PT é a força hegemônica da esquerda, tendo todos os outros partidos desse lado do espectro político como seus satélites. Qualquer aliança com a esquerda passa necessariamente pelo PT. E o que é o PT? Não se trata mais daquele partido de 1984, prenhe de esperanças de um novo amanhã. O PT é o partido do Mensalão, do Petrolão e da maior recessão da história do Brasil. Competentes na corrupção e incompetentes na economia. Portanto, um palanque como o das Diretas Já só pode ser defendido por alguém que tenha ficado em uma câmara criogênica de 1984 a 2021 e tenha sido despertado agora.

Não custa lembrar o fim melancólico do Diretas Já, com a derrota, no plenário da Câmara, da emenda Dante de Oliveira. Sou capaz de arriscar que uma votação pelo impeachment de Bolsonaro, hoje, teria o mesmo destino. O problema não é Arthur Lira não avançar com os pedidos de impeachment. O problema é que não há votos para o sucesso da empreitada. Aquele povo na rua em 1984 não representava os votos no Congresso. Hoje, sequer há povo na rua, mas somente esses movimentos que são, no final do dia, satélites do PT.

Lula e Luíza

A Time incluiu a empresária Luiza Trajano, fundadora da Magazine Luíza, entre as 100 personalidades mais influentes do mundo. Ao que parece, é o único conterrâneo na lista este ano.

Assim como na escolha da “personalidade do ano”, a Time tem seus próprios critérios para escolher os 100 mais influentes. A capa, por exemplo, traz o príncipe Harry e sua esposa, Meghan. Devem estar no top influencer índex para merecerem a capa, o que nos dá uma ideia dos critérios. Mas não quero aqui passar a impresso de minimização do feito. Aparecer em uma lista global de top influencers, ainda mais estando em um país periférico como o Brasil, é para poucos. No entanto, o que me chamou a atenção foi outra coisa, que tem implicações políticas.

Cada personalidade tem um pequeno texto da revista, escrito por uma outra personalidade convidada. No caso de Luiza Trajano, o texto foi escrito pelo ex-hóspede da carceragem da PF, Lula da Silva.

Diz a assessoria de Luiza Trajano que não sabia quem escreveria o texto. Pode ser. De qualquer maneira, sempre se trata, no final, de uma escolha editorial da revista. Fico cá imaginando como chegaram ao nome de Lula para escrever o perfil da ex-presidente da Magazine Luiza. As notórias ligações de Luiza Trajano com a ex-presidente Dilma fariam da ex-presidenta um nome mais óbvio. Mas Dilma virou nome tóxico para a próxima eleição e Lula é quem é o candidato, não é mesmo? E quem será o vice de Lula? Estaria a Time antecipando a chapa?

Lula não decepcionou quem dele espera mistificações. Segundo o ex-presidiário, Luiza se destaca pela sua consciência social, e não queima o seu dinheiro com viagens espaciais e iates. Uma verdadeira madre Tereza do empresariado global.

De qualquer forma, não é o que ele escreveu o que importa. O que realmente importa é que Lula foi escolhido para escrever para uma das mais importantes revistas do mundo, demonstrando que a sua prisão em nada mudou o seu status de respeitado líder global. É preciso tirar o chapéu para o serviço de relações públicas levado a cabo pelo PT e pela intelectualidade brasileira. Conseguiram enganar direitinho os gringos.

Aqui dentro, no entanto, sabemos o que Lula fez no verão passado. Para o bem de seus negócios, Luiza Trajano ficaria melhor sem associar seu nome ao do ex-condenado. Assim como a Havan pode eventualmente perder clientes pela associação política do “veio da Havan” com Bolsonaro, a Magazine Luiza pode enfrentar algum tipo de boicote ao se ver associada ao chefe de uma facção política. Pode até não prejudicar, mas ajudar, certamente, não ajuda.

Digna de dó

Os analistas e colunistas políticos ainda estão lambendo as feridas dos últimos dias 7 e 12. Hoje, temos a inefável Eliane Catanhêde dando lições de moral ao MBL/Vem Pra Rua e ao PT. Sua tese: está na hora da união das oposições a Bolsonaro, o inimigo comum. É hora de deixar ojerizas de lado e não é hora de pensar nas eleições. Há que reconhecer que a colunista não está sozinha nesse tipo de “raciocínio”.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, Catanhêde afirma que a manifestação do dia 12 foi esvaziada porque o PT não participou. Esta seria uma demonstração inequívoca de como a desunião prejudicou o objetivo, que é tirar Bolsonaro. Só tem um detalhe errado nesse “raciocínio”: a realidade. Se somarmos a manifestação de petistas no próprio dia 7 com a manifestação do dia 12, não deve resultar em mais do que 10% da manifestação bolsonarista. Catanhêde deve ter problemas com matemática.

Em segundo lugar, uma manifestação da “terceira via” não pode, por construção, abraçar-se a Lula. Senão, não é terceira via, faz parte da órbita do PT. A ideia por traz do “todos contra Bolsonaro” é tirá-lo do segundo turno, sobrando Lula e um candidato da chamada terceira via. O problema está, novamente, na matemática: virar votos suficientes de pessoas que iriam votar em Bolsonaro no primeiro turno para um candidato que se abraça com Lula. Haja esperança.

Digamos, por hipótese e no limite, que Bolsonaro fosse afastado do cargo e se tornasse inelegível. Será que seus eleitores iriam escolher algum candidato da “terceira via”, que ocupou o mesmo palanque de Lula, no primeiro turno? Ou será que votariam em outro outsider que emulasse o capitão? Que tal Eduardo Bolsonaro para presidente?

É neste ponto que, na minha avaliação, erram analistas como Catanhêde: não existe isso de “as eleições nós vemos depois”. Lula não desceu do palanque um segundo sequer durante a sua presidência. Desde o início, ao chamar de “herança maldita” o legado de FHC, Lula fez campanha eleitoral. Ele sabe como ninguém que todos os atos de políticos compõem um quadro que será cobrado em eleições futuras pelos eleitores. Não existe isso de “pensar no Brasil”. Tanto é assim que é pouco provável que todos esses candidatos da chamada “terceira via” abrirão mão de suas respectivas candidaturas na hora do vamos ver. Todos estão em campanha eleitoral.

Em uma coluna que vai ficar para a história, Catanhêde sugeriu a Lula que tivesse a grandeza de desistir da candidatura à presidência, colocando-se como candidato a vice. Lula, com toda a delicadeza que lhe é peculiar, sugeriu que ela parasse de escrever bobagens. Quem disse que não dá para concordar com Lula em alguma coisa?

Caminho certo para a irrelevância

Era 08/03/2015. Estávamos na festa de aniversário do meu sobrinho, no salão de festas do prédio onde mora o meu irmão, na Pompeia (bairro de classe média em São Paulo), quando minha cunhada chama a atenção para um fato inusitado: um panelaço rolava solto no bairro. A então recém-eleita Dilma Rousseff estava na TV, fazendo um pronunciamento pelo dia da mulher. Espontaneamente (eu pelo menos não lembro de nenhuma convocação para aquele panelaço), as panelas diziam Fora Dilma! Uma semana depois, uma manifestação monstro, que colocaria o evento de 07/09 no chinelo, tomou conta da Paulista. Aquele panelaço foi o primeiro ato popular que desaguaria no impeachment de Dilma, cerca de 1 ano e 1 mês depois.

O que leva as pessoas às ruas? Pode-se desfiar aqui uma série de motivos, mas eu resumiria em um só: indignação. As pessoas precisam estar suficientemente indignadas com alguma coisa para se disporem a largar o conforto de seu sofá e juntar-se a uma manifestação política. Nesse sentido, podemos deduzir, avaliando as manifestações de ontem, que são poucos os que estão suficientemente indignados com o governo Bolsonaro.

Os analistas políticos confundem avaliação ruim com indignação. A avaliação do governo Bolsonaro é ruim e vem piorando. Mas isso não é suficiente para levar as pessoas às ruas. É preciso mais do que isso. Alguns dirão: “mas trata-se de um governo que tem quase 600 mil mortes na sua conta!”. A julgar pela adesão às manifestações, essa conta não é de Bolsonaro, ou exclusivamente de Bolsonaro. “Mas é a nossa democracia que está em jogo!”. Sério que alguém acha que o povo vai sair pras ruas pra defender os nossos “poderes constituídos”?. Conta outra.

As manifestações de ontem, a apenas um ano das eleições, deveriam ter enterrado de vez qualquer ilusão de que um impeachment é possível. Não há indignação suficiente na sociedade para que isso aconteça. Diagnósticos como “a oposição se dividiu” ou “a carta de Temer tirou o senso de urgência” só servem como autoengano. Para piorar, notinha de jornalista engajado tentou amenizar o desastre, dizendo que o palanque esteve cheio de “pesos-pesados” da política, sem notar que isso só piora a situação. Primeiro, porque tira a espontaneidade da manifestação. E, segundo e principalmente, estes tais “pesos-pesados” demonstraram que sua presença faz pouca ou nenhuma diferença.

O fato nu e cru é que não há adesão popular à tese do impeachment e, a um ano das eleições, não há tempo hábil para construí-la. Se depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos o povo não está indignado a ponto de sair para as ruas, fariam bem as oposições em começar a pensar em uma estratégia alternativa. Nesse sentido, o PT jogou o seu jogo: com a desculpa de que não iria se misturar com seus algozes, Lula e seu partido não se associaram a um evento que, já sabiam de antemão, seria um fracasso de público e renda. Além, é claro, de não lhes interessar em nada um impeachment de Bolsonaro.

A julgar pelas falas dos “políticos pesos-pesados” presentes neste domingo, a luta pelo impeachment continua, e vão procurar atrair o PT para essa “luta”. Se a estratégia tem como objetivo continuarem irrelevantes e cevarem o caminho de um 2o turno entre Lula e Bolsonaro, estão no caminho certo.

A próxima crise global?

Uma pequena matéria no Brazil Journal nos atualiza sobre um problema recorrente da economia americana: o seu limite de endividamento. Segundo a reportagem, Janet Yelen, a atual Secretária do Tesouro (equivalente ao ministro da Fazenda), está implorando ao Congresso americano a aprovação da elevação do limite de endividamento. Caso contrário, os EUA irão entrar em shutdown dos serviços públicos e, no limite, dar default em sua dívida.

Isto não é propriamente uma novidade. Na última década, o governo americano já entrou em shutdown três vezes até que o limite fosse elevado. Mas dar default da dívida, ainda não ocorreu.

A situação é curiosa. O limite da dívida serve, em tese, para impor disciplina ao governo. Mas, na verdade, não serve para nada. Chegando próximo do limite, os congressistas são pressionados a elevar o limite, sob pena de causar um cataclismo de proporções cósmicas. Um meteoro provavelmente não causaria mais estragos. Ora, se é inimaginável que a máquina do governo pare de vez e mais inimaginável ainda que o governo americano não honre suas dívidas, por que então existe o tal limite?

O único sentido, talvez, seja o de alertar os credores de que a dívida dos EUA está passando dos limites. O que não deixa de ser um tiro no pé. Os credores são lembrados de tempos em tempos de que o que possuem é uma promessa de pagamento, que será rolada eternamente. Sim, é verdade que os EUA pagam a sua dívida. Gerando mais dívidas.

Por que outros países, como o Brasil, não contam com esse privilégio? Por que aqui ficamos discutindo limites para os gastos e o mercado tem receio de uma dívida explosiva? É uma questão de credibilidade construída ao longo de séculos, além de uma economia muito mais forte e diversificada e instituições muito mais sólidas. O conjunto dessas coisas permite que países como EUA, Alemanha e Japão, por exemplo, acumulem dívidas astronômicas sem que seus credores temam por um default. Além disso, se os investidores não comprarem a dívida americana, vão comprar o quê? Simplesmente não há outro lugar para encostar o excesso de poupança que gira no mundo.

Então, ficamos assim: os credores estão agora de dedos cruzados para que o Congresso americano aprove a elevação do limite da dívida, para que os EUA continuem se endividando para pagar a dívida anterior e o seu déficit fiscal. Até que um meteoro atinja a Terra e zere o jogo novamente.