Reportagem de capa do Estadão comemora um marco da produção de energia solar no Brasil: são 12 GW de capacidade instalada, quase uma Itaipu. Em tempos de Cop26 não é pouca coisa! Até esquecemos os subsídios que permitiram atingir essa marca.
Incentivados pela economia proporcionada pela energia solar autogerada, os brasileiros aderiram em massa à energia verde. Do total de 12 GW, 7,3 GW (60%) são originados em painéis solares instalados em telhados de casas. Isso representa cerca de 4% de toda a energia produzida no Brasil. Seria tudo ótimo, se esse modelo pusesse ser continuamente replicado. Só que não dá.
Vamos ver como a coisa funciona. Para que a eletricidade chegue até os eletrodomésticos de sua casa, é necessária a atuação de três tipos de empresas: as geradoras, as transmissoras e as distribuidoras. As geradoras detém as usinas hidrelétricas, como Itaipu e Belo Monte, além das termoelétricas. As transmissoras constroem os linhões de transmissão, que levam a eletricidade desde os grandes parques geradores até as cidades. Por fim, as distribuidoras se encarregam da chamada “última milha”, que é levar a eletricidade até as casas das pessoas.
A conta de luz que você recebe em casa é sempre da distribuidora. Nela está a cobrança do total da conta de luz. Esse total embute não só a remuneração da distribuidora, como também da geradora e da transmissora, além dos impostos. Veja abaixo um exemplo de conta, no caso, da Neoenergia, em que essa partilha encontra-se discriminada.
A distribuidora é responsável por coletar o valor da conta de luz e repassar os montantes correspondentes para a transmissora, a geradora e o governo (impostos).
Pois bem, o que acontece com a pessoa que instala um painel solar em sua casa? Simples: ela não paga pela energia que gera. Digamos que o consumo de uma casa seja de 500 kWh por mês. O painel solar, no entanto, gera 200 kWh por mês. Neste caso, o feliz proprietário do painel solar pagará apenas pelo consumo de 300 kWh. Bom, não é?
Só tem um problema: nesse esquema, a distribuidora não é remunerada. A coisa é simples: a energia gerada pelo painel solar é “injetada” no sistema da distribuidora, que distribui aquela eletricidade para outras casas. Funciona mais ou menos como se uma família produzisse em casa, digamos, toda a carne que consome durante o mês. No entanto, essa família não tem um freezer para guardar a carne produzida. Então, pede “emprestado” o freezer do supermercado da rua, podendo pegar a carne que produziu na medida de suas necessidades. Obviamente, o supermercado sai no prejuízo, pois tem toda uma infraestrutura montada para atender seus clientes, mas não pode cobrar desses que usam o seu freezer, ocupando o espaço daqueles que pagam pela mercadoria. No limite, se todos produzissem a carne (ou a energia) que consomem, o supermercado (ou a distribuidora) não teria como se remunerar. Em princípio, se a família tivesse um freezer tamanho família, o problema não existiria. Da mesma forma, se essas casas que têm painéis solares tivessem baterias para armazenar a energia gerada, não haveria problema. No final do dia, a rede da distribuidora funciona como uma enorme bateria para essas casas.
Obviamente, a distribuidora não sai no prejuízo. O seu contrato prevê a remuneração pelo total da energia fornecida, o que inclui a energia gerada pelos painéis solares. Quem paga a conta? Exato, todos nós. Observe também, na conta acima, um item obscuro chamado “encargos setoriais”. O que é isso, pode estar você se perguntando. Isso é exatamente os vários subsídios do setor elétrico, desde o programa Luz para Todos até o ressarcimento das distribuidoras que deixam de cobrar a energia solar. Esta conta vem subindo de maneira relevante, e será tanto maior quanto mais painéis solares vermos por aí.
Hoje, a produção de energia solar já está mais barata do que a produção de energia hidroelétrica. No último leilão de energia nova realizada pela ANEEL, o preço da energia hidrelétrica saiu por R$ 219/MWh, enquanto a energia solar saiu por R$ 125/MWh. Isso foi possível pelo grande barateamento dos equipamentos nos últimos anos. Se os painéis estão mais baratos, mas ainda são necessários 5 anos para atingir o breakeven de um projeto de instalação de painéis solares, alguém aí está ganhando. E não são os consumidores.
Já passou da hora, portanto, de acabar com esse subsídio cruzado. Um projeto de fim desses subsídios foi aprovado na Câmara em agosto, com um loooongo período de adaptação que vai até 2045 para os que já têm o sistema instalado e 2029 para os novos sistemas. Até lá, continuaremos, os que não temos o privilégio de ter um telhado próprio para instalar um painel solar, inclusive os favelados, a pagar a eletricidade dos que têm.