Passou da hora de discutir o “novo normal”

O NYT acaba de publicar uma matéria em que os conselheiros para a área de saúde do então candidato Joe Biden pedem ao presidente dos EUA, em vários artigos, uma estratégia nova de enfrentamento ao Covid-19. Textualmente: “… eles estão pedindo a Mr. Biden que adote uma estratégia totalmente nova para a pandemia – uma que se adapte ao “novo normal” de viver com o vírus indefinidamente, não eliminá-lo”.

No final de 2020, a grande esperança da humanidade era a vacinação. Com uma parcela relevante da população vacinada, poderíamos esperar voltar à vida normal, como sempre vivemos antes dessa praga.

Pois bem, passamos o ano de 2021 vacinando toda a população dos países desenvolvidos e de boa parte dos países de renda média. Hoje, segundo o Our World in Data, países que ora enfrentam picos inéditos de contaminação, como França, Itália e Canadá, têm mais de 75% da população TOTAL já tendo recebido a 2a dose da vacina, o que significa quase 100% da população endereçável. Portanto, não existe mais a desculpa de que somente países com “baixa” cobertura vacinal, como EUA (62%) ou Alemanha (70%) é que estavam sofrendo com essa nova onda.

Dizer que está faltando um “booster” não me parece satisfatório. Quando as vacinas foram aprovadas, os testes mostravam uma eficácia não menos que espetacular, acima de 70% para a AstraZeneca, acima de 90% para Pfizer/Moderna. Falar que somente depois do “booster” poderemos voltar a ter vida normal faz lembrar o tempo em que ouvíamos que era só tomar as duas doses e poderíamos voltar a ter vida normal. Quem garante que não precisaremos tomar mais “boosters”? Teremos que tomar vacinas de 4 em 4 meses para termos vida normal?

É nesse contexto, depois de dois anos de pandemia, e com a ômicron causando recordes em cima de recordes de casos (sem aumento de óbitos) MESMO COM UMA PARTE RELEVANTE DA POPULAÇÃO JÁ TENDO SIDO VACINADA, esse grupo de médicos acima de qualquer suspeita propõe uma nova estratégia: conviver com o vírus.

Este debate encontra-se interditado por razões políticas. No Brasil, Bolsonaro vem defendendo essa tese desde praticamente o início da pandemia. Ele estava errado há dois anos, ou mesmo há um ano, pois tratava-se de uma doença sem cura, sem método confiável de prevenção e com altíssimo grau de letalidade. Hoje, essa discussão faz total sentido: uma doença respiratória, para a qual há vacinas e não causa mortes em nível acima de outras doenças, não deveria receber atenção diferente de, por exemplo, a influenza.

Cabe perguntar: se com vacinas e óbitos em níveis relativamente baixos não podemos retomar a normalidade, qual o contexto em que isso será possível? Queremos eliminar a doença como fizemos com a poliomielite? A nova onda da ômicron, com, repito, boa parte da população já vacinada, parece indicar que isso será virtualmente impossível. Estaremos, então, condenados a viver em um “perpétuo estado de emergência”, na expressão utilizada pelos médicos que aconselharam Joe Biden?

Os médicos que aconselharam Joe Biden durante a campanha sugerem vacinação de crianças, distribuição de máscaras N95 para a população e disponibilização de testagem de baixo custo. Todas medidas com o objetivo de permitir que as pessoas possam continuar indo ao trabalho, aos locais de lazer ou se reunirem sem precisar interromper essas atividades porque se identificou alguém com o vírus. Os cruzeiros que foram interrompidos, por exemplo, não o seriam nesse novo contexto, da mesma forma como não haveria interrupção se se descobrisse alguém com influenza dentro do navio.

Já é chegada a hora de discutir seriamente esse “novo normal”, sem rótulos como “negacionista” ou “coronalover”. Se isso não for feito pelas autoridades de maneira ordenada, será irremediavelmente feito pela própria população de maneira desordenada, que não vai suportar um terceiro ano de restrições para as quais não veem sentido.

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