Cláudio Adilson é um economista respeitado no mercado financeiro. Mas nem por isso não pisa na bola de vez em quando. É o caso do artigo de hoje, em que defende metas mais altas para a inflação.
Essa tese não é nova. Os governos do PT a colocaram em prática, mantendo a meta de inflação em 4,5% durante todo o período, mesmo com grande parte das economias emergentes estabelecendo as suas metas em 3%. A julgar pela performance econômica relativa, não podemos dizer que foi uma “taxa ótima” de inflação.
Cláudio Adilson parece fazer um “cherry picking” de papers, encontrando um que defende uma certa “taxa ótima” de inflação. Para a zona do Euro, essa taxa ótima seria de 4%! Imagine então para uma economia como a brasileira. No mínimo, uns 8%. Já imaginou uma meta de 8% para nós? Podemos contar com inflação de dois dígitos tranquilamente. Além disso, a Europa tem o problema inverso: eles não conseguem fazer a inflação subir de maneira consistente. 2% é uma meta inexequível, quanto mais 4%. Aqui é o inverso: em grande parte do tempo, a meta serve como piso para a inflação. Usar um estudo feito para a Europa para embasar uma decisão nossa parece ser inadequado.
A esperança de quem defende meta de inflação mais alta é termos taxas de juros mais baixas, pois o BC não precisaria subir tanto a taxa Selic para trazer a inflação para a meta. Isso é verdade, mas somente na primeira rodada do jogo. A partir da segunda rodada, os agentes incorporam essa meta mais alta em suas expectativas, e a meta mais alta só serve para termos uma inflação mais alta. O resto, taxa de juros real e crescimento econômico, permanecem os mesmos, na melhor das hipóteses. Digo na melhor porque taxas de inflação mais altas tendem a desorganizar a economia, trazendo ruído para as decisões dos agentes econômicos e, provavelmente, prejudicando o crescimento econômico no longo prazo.
A tese da meta mais alta confunde curto prazo com longo prazo de duas maneiras, uma conjuntural e outra estrutural. Em primeiro lugar, o mundo sofreu um choque sem precedentes, e a inflação mais alta é uma de suas consequências. Confundir as consequências desse choque conjuntural com uma incapacidade estrutural de conviver com inflação mais baixa é um erro. Na verdade, a soma de um Banco Central com credibilidade com uma meta mais baixa de inflação tornou possível que a nossa inflação neste ano ficasse apenas 3 pontos percentuais acima da inflação americana. É simplesmente um erro comparar os 10% desse ano com os 10% de 2015, quando a nossa inflação foi fabricada aqui mesmo, e ficou nada menos que 8 pontos percentuais acima da inflação americana. Usar esses números para defender que a meta está muito baixa é inadequado.
Em segundo lugar, estruturalmente, a meta de inflação serve para ancorar as expectativas dos agentes econômicos. Sem nenhuma informação adicional, os agentes esperam que a inflação esteja na meta no longo prazo, se o Banco Central tiver credibilidade. Com base nessas expectativas, os agentes formam os preços no mercado de taxa de juros. Se a meta for de 3%, o cálculo das taxas prefixadas mais longas partirão desse número. Se for de 4,5%, partirão de um número 1,5 ponto percentual maior. Uma meta maior, portanto, leva a uma taxa de juros nominalmente maior. Isso pode ser constatado hoje: mesmo com um quadro fiscal deteriorado, as taxas longas estão em cerca de 11% ao ano, muito mais baixas do que as taxas em grande parte do governo Dilma. Portanto, é o inverso do que se poderia esperar.
Meta mais alta de inflação é irmã da “flexibilização” do teto de gastos. Ambas são filhas da nossa falta de compromisso com a seriedade. Uma prima-irmã desse fenômeno é a resistência, em alguns círculos, à nossa adesão à OCDE, o que implica em adotar medidas “drásticas”, não compatíveis com a nossa “natureza”. É a visão de que o Brasil é um país vira-latas mesmo, que nunca alcançaremos o padrão de países mais desenvolvidos. Nem digo dos países ricos, um Chile já estaria de bom tamanho. Somos o país da malemolência, queremos ser sérios, mas não muito.