Vi Ricardo Semler uma vez. Foi em uma palestra na sede do PSDB a que um amigo meu, filiado ao partido, levou-me no final da década de 80. Semler acabara de lançar o livro que o alçaria ao seu breve estrelato, Virando a Própria Mesa, em que conta como havia feito uma revolução na empresa que havia herdado (ou iria herdar, não sei ao certo), a Semco. Foi um precursor da parte S do ESG: muito atento ao bem-estar dos funcionários e coisas do tipo. A única coisa que lembro da palestra foi ele ter contado que sua empregada doméstica recebia um salário que lhe permitia vir para o trabalho em sua casa de carro. Achei aquilo o máximo e a informação arrancou suspiros de admiração da plateia. Claro, estava terminando a faculdade, e não tinha ideia de como era sustentar uma casa de classe média com o próprio salário. Semler não tinha esse problema, aparentemente.
Esse longo preâmbulo serve para introduzir um artigo de Ricardo Semler publicado hoje na Folha. Em resumo, Semler defende que os empresários devem parar de procurar uma terceira via que não existe, e cerrar fileiras de uma vez em torno de Lula, o único que pode nos salvar das garras do troglodita que ocupa o Palácio do Planalto desde 2019.
Em primeiro lugar, é louvável assumir uma posição sem ambiguidades. Muitos por aí se dizem atrás de uma opção de terceira via, mas nenhum dos nomes que estão aí lhes agradam, de forma que vão votar em Lula ou em Bolsonaro porque “faltam opções”. Opções não faltam, o que falta é a transparência que sobra a Semler sobre a sua opção preferencial. Não fosse assim, os dois candidatos não estariam sobrando nas pesquisas sobre todos os outros rivais.
Tendo dito isso, não deixa de ser engraçado o contorcionismo mental que o empresário faz para justificar a sua opção. Não podendo dizer que não houve grossa corrupção nos governos do PT (“em medida menor”), Semler quer dar uma “segunda chance” para o partido. E se sai com uma comparação do arco da velha: assim como a Alemanha se rearmar não significa que os nazistas vão voltar, dar o poder novamente ao PT não significa que a corrupção vai voltar.
Dizem que o amor cega. Deve ser este o caso. O empresário simplesmente “esquece” que a Alemanha criminalizou o nazismo, condenou todos os oficiais nazistas que não fugiram ou se mataram, e passou, talvez, pela maior ajoealhada no milho da história da humanidade. Até hoje, os alemães sentem vergonha do que aconteceu. O PT, por outro lado, não reconheceu uma vírgula do que ocorreu. Segundo o partido, os bilhões roubados da Petrobrás sumiram como que por um passe de mágica, não houve um ladrão. Como Semler quer comparar os dois casos?
Depois lança mão do mais puro e perfumado whataboutismo. Afinal, por que a resistência dos empresários a Lula, que sequer tem ilhas secretas e contas na Suíça como Putin, quando apoiaram sem pudor nenhum os Sarneys, Malufs e Quércias da vida. Como se esses fossem candidatos hoje. Semler parou naquela palestra do final dos 80, em que Lula era o baluarte incorruptível contra a sujeira da política brasileira. O que veio depois foi apenas um acidente de percurso, que pode ser “perdoado” como fizemos com a Alemanha arrependida do nazismo. Francamente.
O que Semler ignora olimpicamente em seu artigo é que os empresários estão pouco se lixando para a corrupção de Lula, assim como estavam se lixando para a corrupção de Sarney, Maluf e Quércia. O que realmente importa é uma política econômica que faça sentido, e não um amontoado de iniciativas que beneficiam apenas os amigos do rei, associadas a ideias já testadas e reprovadas ao longo da triste história econômica brasileira. Do que os empresários se pelam de medo é da continuidade do governo Dilma, apeada do poder, entre outras coisas, por ter uma visão jurássica de economia, e que nos causou a maior recessão desde a década de 30.
Semler intui este problema, ao propor que os empresários “negociem” com Lula que este junte ao seu time economistas como Armínio Fraga, Pedro Malan e Pérsio Arida. Seria uma forma de garantir que Lula fosse, na verdade, um FHC na economia. Só tem um problema: Lula foi FHC somente nos primeiros três anos de seu governo. No resto, incluindo o governo Dilma, Lula foi Lula. E deu no que deu. Lula aprendeu com seus erros? Que erros, ele vai perguntar, a mesma resposta que daria para os casos de corrupção. Lula e o PT nunca erram.
Não, Lula não vai topar que Armínio, Malan e Pérsio façam parte de sua equipe, pois não comunga de seus pontos de vista. E tampouco Armínio, Malan e Pérsio topariam fazer parte de um governo Lula. Não estamos mais em 2002, em que economistas como Marcos Lisboa, Alexandre Schwartsman e Joaquim Levy toparam fazer parte do governo. Passaram-se 20 anos, e o filme que passou neste período não foi nada bonito. Talvez Geraldo Alckmin seja o único que topa emprestar o seu nome para que Lula pose de social democrata para Semler ver.