Em qualquer pesquisa que se faça, o PT aparece como o partido que, de longe, tem a maior preferência do eleitorado brasileiro. Também aparece como o partido de maior rejeição. Arriscaria dizer que o PT é o único verdadeiro partido brasileiro, sendo que a política brasileira, desde a redemocratização, gira em torno do partido: ou se é petista, ou se é anti-petista. Aqueles que não são nem uma coisa nem outra tampouco têm partido de preferência.
Lula fundou o PT e mantém o partido sob mão de ferro. Esse domínio sobre o único partido brasileiro foi mantido inclusive durante suas férias na carceragem da PF de Curitiba. Políticos do PT e de vários outros partidos (quer dizer, filiados a alguma sopa de letrinhas) não arriscavam nenhum passo sem beijar o anel do capo.
Aliás, o petismo é muitas vezes chamado de “lulopetismo”, em referência ao seu fundador, tal a simbiose entre o criador e a criatura. Muitos colocam Lula na mesma altura de Getúlio Vargas, ainda que lhe falte a obra do ditador, como a CLT e a Petrobras, que sobreviveram (e ainda sobrevivem) décadas após a sua morte. Talvez o bolsa-família seja o legado de Lula que sobreviverá ainda por décadas, mas não há como comparar.
De qualquer forma, é inegável que Lula exerce, para a esquerda brasileira e, porque não dizer, latino-americana, esse papel de Messias, o ungido para levar a redenção às massas. E do ungido não se pode esperar nada a não ser a mensagem da salvação. Não há pecado, e o que aparenta serem erros são apenas interpretações equivocadas de seus atos, que são sempre puros.
No entanto, ao contrário do que ocorre na Argentina, onde o peronismo sobrevive firme e forte até hoje, o getulismo praticamente morreu junto com Getúlio. Os presidentes eleitos após a sua morte (Dutra, Juscelino e Jânio) nada tinham a ver com o seu legado. Jango e Brizola tentaram manter o getulismo vivo, sem sucesso.
Arrisco dizer que o mesmo ocorrerá quando Lula se mudar para outro plano (deixo a critério de cada um especular se mais acima ou mais abaixo do atual). O lulopetismo morrerá com Lula, e o PT será apenas uma sombra do que é hoje. O brasileiro não é como o argentino, gostamos dos vivos, não dos mortos. A Recoleta, cemitério de Buenos Aires onde descansam personalidades da história argentina, é um ponto turístico da cidade. É lá que se dá o culto a Evita, símbolo maior do peronismo. Aqui, o túmulo de Getúlio Vargas está esquecido em algum canto.
Este post me foi inspirado por um excelente artigo de meu companheiro do blog Papo de Boteco, Marcio Herve, “Lula emburreceu a esquerda brasileira. E isso é ruim prá todo mundo”. Sua tese é que a esquerda brasileira, antes repleta de inteligência, tornou-se uma massa bovina que segue Lula acriticamente. Sua capivara não foi suficiente para essa esquerda questionar os pressupostos do lulopetismo, com raras exceções (consigo pensar em Eduardo Jorge, por exemplo). A derrota nas eleições de 2018 fez surgir uma pequena onda de auto-crítica por parte de alguns simpatizantes, ainda que dirigida mais à desconexão do partido com as pautas realmente populares do que aos “malfeitos” dos seus dirigentes (lembro do discurso de Mano Brown às vésperas das eleições em um evento do partido, por exemplo). Mas esse movimento foi como onda que quebra na areia e desaparece. Lula decretou que não há do que se arrepender, e o rio voltou ao seu leito.
Agora, engana-se o meu amigo Marcio Herve se pensa que a passagem de Lula dessa para a melhor servirá para recuperar a inteligência da esquerda de que ele tanto sente falta. Isso pode ser verdade até o surgimento de um novo Messias, convencido de seu carisma divino. Sempre aparece um, e estamos sempre prontos a entregar nossos destinos nas mãos daquele que sabe o caminho. E isso vale também para a direita, igualmente pronta a acreditar no primeiro que promete o paraíso aos “homens de bem”. É necessária uma boa dose de ceticismo para não se deixar seduzir. Ceticismo este que pode ser confundido, não sem uma dose de razão, com a falta de idealismo dos que estão sempre criticando sem apontar soluções. Bem, este é o preço da liberdade de pensamento, que nos permite criticar o que achamos errado e elogiar o que achamos correto, sem ficarmos presos aos dogmas de uma seita.