“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Este é o artigo da Constituição que introduz a organização das Forças Armadas. Alguns têm se apegado ao trecho “à garantia dos poderes constitucionais” para defender que as Forças Armadas poderiam intervir em um desequilíbrio entre os poderes, servindo como uma espécie de “poder moderador” da República, arbitrando conflitos insanáveis entre os Poderes da República.
Não sou jurista e, portanto, não vou me aventurar a interpretar o texto acima. No entanto, quatro coisas me saltam aos olhos.
Em primeiro lugar, parece-me pouquíssimo provável que os deputados constituintes, recém-saídos de uma ditadura militar de mais de 20 anos, tenham querido atribuir justamente aos militares uma espécie de “poder moderador”, com ascendência sobre os três Poderes, abrindo mão de suas prerrogativas justamente para uma instituição que os políticos da época queriam ver pelas costas. A incongruência é gritante.
Em segundo lugar, na remotíssima hipótese de que tenha sido esse mesmo o espírito que guiou os constituintes, faltou então baixar do abstrato para o concreto. Como se daria essa moderação? Onde está a regulamentação da atuação das Forças Armadas neste caso? Quem efetivamente assume o poder? Por quanto tempo?
Vamos ao caso concreto do indulto presidencial, que parece ser o último ponto de atrito entre o presidente e o STF, ainda que não o único. Como se daria a intervenção? O chefe das Forças Armadas (nem sei o nome) entraria no STF um belo dia e diria algo como “de acordo com o artigo 142, estou aqui para arbitrar a questão do indulto”? Onde está a lei que regulamenta essa intervenção, com todos os seus passos e regras? Até onde sei, não existe tal lei. Parece mais com uma “invasão ao Capitólio” do que algo organizado de acordo com um processo civilizado.
Um terceiro ponto é o seguinte: na hipótese de que os constituintes, de fato, estivessem preocupados em estabelecer um “poder moderador”, parece-me mais lógico que estipulassem regras para a escolha de uma espécie de “comitê de notáveis” que pudesse arbitrar o equilíbrio entre os Poderes. Por que cargas d’água os militares teriam mais bom senso ou conhecimento jurídico ou boa fé do que os atores políticos envolvidos? A sua atuação seria somente pelo fato de portarem armas e, portanto, terem o poder da força? Ou seriam uma espécie de “seres humanos diferenciados”, anjos portadores da mensagem divina? Como em qualquer instituição humana, as Forças Armadas contam com elementos valorosos e outros nem tanto. Achar que, pelo simples fato de se auto-intitularem “patriotas”, os militares teriam o condão de trazer a paz e a concórdia entre os homens parece-me um pouco ingênuo.
Por fim, talvez o aspecto mais importante dessa discussão toda. Parece-me que nós, latino-americanos, sofremos de um incurável sebastianismo, sempre à espera de um “messias” que vai nos salvar de todos os nossos males e nos levar a uma terra onde corre leite e mel. Nesse aspecto, estou com o deputado Marcel van Hattem, que, em um post por mim aqui compartilhado, afirma que essas desinteligências entre os Poderes se resolvem no campo da POLÍTICA (ele coloca a palavra em maiúsculas).
Todo problema complexo tem uma solução simples e errada. A intervenção militar para “arbitrar” entre os poderes é essa solução, no caso. Trata-se de uma espécie de renúncia à vida adulta, em que abrimos mão de resolver nossos próprios problemas do jeito que dá, para chamar o “papai” que vai resolver o problema por nós. Já passamos desse tempo. Vamos olhar para frente e enfrentar os nossos problemas nós mesmos. Não será abrindo mão do poder político para um grupo estranho a esse mesmo poder que chegaremos em algum lugar.