Ontem, o governo federal publicou suas contas. Novamente, estamos no azul. Nos últimos 12 meses, o superávit primário foi de 0,8% do PIB e, provavelmente, vamos fechar o ano com superávit primário pela primeira vez desde 2013.
Daí, alguém pode perguntar: se estamos produzindo superávit primário, por que o mercado está tão nervoso com as contas públicas? Por que não se para de falar em “risco fiscal”? O diabo, como sempre, mora nos detalhes.
Vamos comparar o primeiro semestre deste ano com o primeiro semestre do ano passado. Comparando os dois períodos, vamos ver um aumento real (acima da inflação) de 16% nas receitas e um aumento real de somente 1% nas despesas. Isso explica, em boa parte, o superávit primário deste ano. E como foram obtidos esses resultados?
Do lado das receitas, o grande destaque foi a rubrica “receitas não administradas pela Receita Federal”, que cresceram nada menos do que 55% reais no período. Refere-se, basicamente, à receita com a privatização da Eletrobrás e aos dividendos das estatais. Ou seja, o aumento da receita é “one off”, como dizemos, não é recorrente. Para a sua continuidade, dependemos de outras privatizações grandes e da continuidade dos preços do petróleo nas alturas.
Do lado das despesas, observamos que as despesas com pessoal recuaram 12% no período em termos reais e “outras despesas obrigatórias” recuaram 17%, também em termos reais. Bem, a questão do pessoal, na ausência de qualquer reforma administrativa, se baseia em um congelamento de salários que, obviamente, não tem como se sustentar no tempo. Algum tipo de reajuste deverá ser dado no futuro, eliminando esse “ganho”. E nas “outras despesas obrigatórias” temos já o efeito da “rolagem” (para não dizer calote) dos precatórios. Neste semestre, houve uma queda de 60% no pagamento de precatórios em relação ao semestre anterior. Sabemos, no entanto, que essa conta deverá ser paga algum dia, está apenas sendo adiada.
Então, ficamos assim: o governo recebeu algum dinheiro adicional que não vai se repetir, e empurrou com a barriga alguns itens que voltarão a assombrar as contas públicas no futuro. Esse “superávit primário” pode ser uma boa peça de propaganda, mas precisa de algo mais para convencer os credores da dívida.