Meta para a dívida: funciona?

A manchete acima é de ontem, mas não tive tempo de comentar. Trata-se de uma nova ideia sobre âncora fiscal, em elaboração por técnicos do ministério da Economia e que consistiria de uma meta para a dívida pública, incluindo bandas de flutuação. Funciona?

Em primeiro lugar, as vantagens. A primeira é que uma meta para a dívida pública endereça diretamente a preocupação do mercado, que é o tamanho da dívida. Para os credores, tanto faz como se chega em uma dívida controlada, desde que se controle a dívida. O teto de gastos era uma maneira de se chegar, em algum momento, a superávits primários e, por consequência, a uma trajetória de redução da divida. Controlando a dívida diretamente, teríamos o mesmo resultado de maneira mais direta.

A segunda vantagem em relação ao teto é a flexibilidade. Justamente por endereçar diretamente o problema, a meta para a dívida pública deixa mais graus de liberdade nas mãos do gestor público. Limitar os gastos é apenas um de três instrumentos disponíveis para atingir o objetivo. Os outros dois são aumento das receitas correntes e aumento das receitas extraordinárias, via venda de ativos. Assim, a meta poderia ser alcançada combinando-se vários instrumentos e não apenas um só, livrando o governo da camisa-de-força representada pelo teto de gastos. (Estou desconsiderando a diminuição dos juros da dívida como instrumento, dado que não está nas mãos do governo federal mas de um ente independente, o Banco Central).

Agora, as desvantagens. A primeira é que o controle do nível da dívida é uma política pró-cíclica, ou seja, vai apertar o torniquete quando mais o país precisar de investimentos. Isso acontece por uma questão matemática: como a relação dívida/PIB tem o PIB no denominador, quando o PIB diminui a relação aumenta. Além disso, com a redução do PIB, menos impostos são arrecadados, piorando ainda mais a relação dívida/PIB. Neste momento, o governo será chamado a diminuir gastos para voltar à relação dívida/PIB estabelecida pela meta, aumentando a desaceleração da economia. O teto de gastos, por outro lado, é anti-ciclico: por ser um objetivo nominal (gastos do ano anterior corrigidos pela inflação), em uma recessão os gastos em relação ao PIB aumentam, justamente porque o PIB diminuiu. Ou seja, o teto trabalha contra o ciclo econômico, gastando mais em relação ao PIB quando há recessão e gastando menos em relação ao PIB quando há expansão do PIB.

E é nossa pró-ciclicalidade que reside a grande fraqueza da meta para a dívida pública. Imagine a pressão política para “abrir exceções” à regra quando a vaca da economia estiver indo para o brejo. Talvez por isso, os técnicos da Economia tenham pensado nas “bandas” de flutuação da dívida. Essas bandas serviriam para absorver choques inesperados que tirariam a relação dívida/PIB da trajetória desejada, a exemplo de como funcionam as metas de inflação. Assim, o governo ainda teria algum espaço de manobra caso houvesse uma recessão “inesperada”.

Só tem um problema nessa comparação: um BC crível começa a agir imediatamente após entender que a meta (o centro da meta, não a banda superior), está em risco. E por agir, entendemos aumentar a taxa de juros. Para imitar o comportamento do BC no sistema de metas, o governo federal deveria cortar gastos imediatamente após ficar claro que o centro da meta de endividamento está sob risco. Ou seja, no sistema de metas de inflação, a banda não é uma desculpa para deixar a inflação correr solta. Isso foi o que aconteceu no Banco Central do Tombini, o que destruiu a credibilidade da autoridade monetária. Da mesma forma, a banda da meta de endividamento não deveria servir como uma desculpa para “gastar mais caso haja necessidade”, sob pena de jogar mais essa regra na mesma vala comum em que jazem todas as outras regras fiscais do país. Mas não é nada menos que óbvio que é justamente isso que ocorrerá.

A regra do teto de gastos inscrita na Constituição foi a nossa melhor chance de construir credibilidade fiscal: uma regra simples, de fácil entendimento e contra-cíclica, que poderia ter induzido uma reforma do orçamento público. No final, foi o orçamento público que induziu uma reforma (na verdade, o fim) do teto. Qualquer outra regra será inferior e, portanto, menos apta a induzir reformas que tornem o Estado brasileiro sustentável no tempo. Se o teto não deu conta de suportar as pressões políticas, imagine uma regra mais flexível. O resultado disso são taxas de juros reais mais altas do que precisariam ser e, portanto, crescimento econômico menor ao longo do tempo.

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