O lugar de Dilma Rousseff

Já disse aqui, e repito: é incompreensível que a ex-presidente Dilma Rousseff não seja titular de um ministério no governo Lula 3. E não um ministério decorativo, como a das mulheres ou da pesca, mas algo ali na primeira linha. Dilma poderia ser ministra das Minas e Energia, área em que tem a sua expertise técnica. Ou da Casa Civil, ministério onde já exerceu os seus dotes com maestria. Ou mesmo da Fazenda, pois Dilma encarna, como nenhum outro ministro, o discurso econômico de Lula.

O presidente e seus ministros se contentam com esses discursinhos de desagravo, como se isso fosse o suficiente para redimir a ex-presidente. Talk is cheap, como dizem os americanos. Esperava-se atos concretos, que realmente indicassem que Lula e o PT acreditam na capacidade da ex-presidente.

A coisa é tão incompreensível que causa espécie que Lula nunca tenha sido confrontado com essa questão por qualquer veículo de imprensa. – E então, presidente, qual será o ministério de Dilma Rousseff? Ah não, não vai ser ministra? Por quê?

Torço para que um dia Lula coloque a mão na consciência, e faça justiça de verdade, colocando Dilma de volta ao círculo do poder e das tomadas de decisão que afetam a vida dos brasileiros. O país não pode prescindir de seus mais preciosos talentos, e Dilma certamente é um deles, segundo o PT. Ou não?

Realidade paralela

Na campanha eleitoral de 2014, no famoso debate entre Armínio Fraga e Guido Mantega, o então ministro da Fazenda jantou o ex-banqueiro central de FHC e ex-futuro ministro da Fazenda do então candidato Aécio Neves. Armínio era tecnicamente muito mais preparado, suas ideias faziam muito mais sentido, mas, mesmo assim, Mantega ganhou o debate de goleada. Como? Criando a sua própria realidade e debatendo sobre ela. Em determinados momentos, Armínio ficava sem nem saber o que responder, tão absurda era a colocação. A narrativa tomava o lugar da realidade.

Mais ou menos assim como Haddad faz nessa entrevista ao site amigo Brasil 247.

A coisa é tão absurda, que é difícil até começar a pensar em um contra-argumento. Segundo o ministro, o mercado estava até agora distraído, observando as borboletas e as flores silvestres, enquanto o governo Bolsonaro destruía a economia do país. Bastou que o PT, em diligente trabalho, mostrasse o tamanho da herança maldita, para que o mercado corresse desesperado para a porta de saída.

Vai ficando claro porque Lula ungiu Haddad como seu potencial sucessor. Aparentemente, é um dos mais refinados inventores de realidades paralelas do partido, uma virtude muito apreciada pelos companheiros.

O único pequeno problema é que o mercado vive no mundo real, não no mundo paralelo criado pelo PT. Espero, sinceramente, para o bem de todos nós, que Haddad não seja levado a acreditar na sua própria narrativa.

PS.: Sim, o governo Bolsonaro gastou além do teto de gastos em várias ocasiões, e as taxas de juros e o câmbio refletiram esses gastos já ANTES das eleições. O que vem acontecendo no mercado APÓS as eleições, no entanto, é de exclusiva lavra do governo que ora se inicia. Cada qual com seus problemas.

Ilusão de controle

Serão mais dois meses de Isenção de impostos federais para os combustíveis. Assim, o novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, terá tempo de assumir e implantar uma “nova política de preços”, eufemismo para canetar para baixo os preços praticados pela empresa em suas refinarias.

Prates, no entanto, é um técnico, muito especialista na área. Ele conta com a ”sazonalidade” do preço do petróleo no mercado internacional, que, como “todos já conhecem”, cai com a aproximação do fim do inverno no hemisfério norte.

Fiquei confuso: afinal, pra que uma “nova política de preços” se o preço do petróleo “vai cair”? A “velha política de preços” é que dependia do preço do petróleo no mercado internacional. Esperava-se que a “nova política” não dependesse desse tipo de ”sazonalidade”.

Aliás, vejamos se o técnico Prates sabe do que está falando. No gráfico abaixo, podemos observar o comportamento do preço do petróleo nos últimos 5 anos. Os círculos vermelhos indicam os 3 primeiros meses de cada ano, o período em que Prates afirma que os preços do petróleo sempre caem, dado o “fim do inverno no hemisfério norte”.

Surpreendentemente, essa sazonalidade “que todos conhecem”, só aconteceu em 2020, por causa da pandemia, não tendo relação com as estações do ano. Dos outros 4 anos, em um os preços andaram de lado e nos outros 3 os preços subiram nesse período, sendo que, em 2022, explodiram por causa da guerra na Ucrânia. Mas, como Lula é um cara de sorte, pode ser que a tal “sazonalidade” dê as caras esse ano, dando uma mãozinha para o governo.

Se Prates estivesse correto, seria muito fácil ficar bilionário. Bastaria, no fim de cada ano, vender contratos futuros de petróleo como se não houvesse amanhã. Depois de passado o inverno no hemisfério norte, recompraríamos os contratos com um lucro fabuloso, e sem risco. Como não pensamos nisso antes?

O que é estupefaciente, mas não surpreendente, é a ilusão de controle que esse governo tem. Eles se acham os ases da pilotagem, levando o carro da economia na ponta dos dedos em uma estrada sinuosa e escorregadia. Notem como a decisão sobre impostos e política de preços são tomadas com precisão de meses, pois “sabemos como os preços do petróleo se comportam”.

É muito óbvio que uma política de preços que depende da necessidade arrecadatória do governo e de uma suposta sazonalidade dos preços do petróleo não confere segurança alguma ao investidor. Mas esse não passa de um rapinador dos recursos nacionais, como afirmou o presidente em seu discurso inaugural. Então, que se limite a continuar fornecendo o seu capital para a construção da grande Petrobras, e não reclame.

Discurso de união

O governo que sai é genocida.

Aqueles que depuseram Dilma Rousseff são golpistas.

Os investidores são ladrões, que rapinam recursos do país para saciar a sua cupidez.

Esse foi o discurso de um governo de união. Fico imaginando como seria o discurso de um governo de desunião.

Isso é tudo o que você precisa saber

“Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas.”

“Vamos retomar o Minha Casa Minha Vida e estruturar um novo PAC para gerar empregos na velocidade que o Brasil requer. Buscaremos financiamento e cooperação – nacional e internacional – para o investimento, para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, exportações, serviços, agricultura e a indústria. Os bancos públicos, especialmente o BNDES, e as empresas indutoras do crescimento e inovação, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo.”

“A roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central neste processo. Vamos retomar a política de valorização permanente do salário-mínimo.”

“Vamos dialogar, de forma tripartite – governo, centrais sindicais e empresariais – sobre uma nova legislação trabalhista.”

“Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Temos capacidade técnica, capitais e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo.”

Isso é tudo o que você precisa saber sobre o governo que hoje se inicia.