O jornalista Breno Altman, do site Opera Mundi, é para o petismo aquilo que foi o jornalista Allan dos Santos para o bolsonarismo, uma espécie de propagandista e porta-voz informal. Portanto, ler Breno Altman é ler o verdadeiro pensamento petista em seu estado bruto, antes de ser lapidado pela realidade.
Sobre a Nicarágua, Altman nos propõe o seguinte paralelo: quem é a favor da investigação e prisão dos golpistas de 08/01 não pode ser contra a repressão de Daniel Ortega na Nicarágua, que também está agindo contra golpistas.
Segundo o “raciocínio” de Altman, há somente dois atores consistentes nessa história: os petistas, que defendem a ação dos governos contra os golpistas, e os bolsonaristas, que criticam a ação dos governos contra os seus críticos. Aqueles que criticam Ortega mas apoiam a ação do Estado brasileiro contra os bardeneiros de 08/01 estariam sendo contraditórios.
Esse paralelo de Altman é da mesma natureza daquele feito por Lula, quando comparou a longevidade de Ortega no poder com a mesma longevidade de Angela Merkel na Alemanha. A longevidade é a mesma, mas o processo para se chegar lá é completamente diferente em uma democracia e em uma ditadura. Basicamente, quem fazia campanha contra Merkel não corria o risco de ser preso. Não se trata de uma diferença semântica.
Essa é a diferença fundamental entre a repressão de Ortega e os processos contra os baderneiros de 08/01 na forma da lei de um estado democrático. Comparar os dois eventos só serve para legitimar o regime nicaraguense (como fazem os petistas) ou para deslegitimar o regime brasileiro (como fazem os bolsonaristas). Não há termos de comparação entre uma ditadura e uma democracia, por mais falha que seja.
A eleição de Gabriel Boric foi o ápice dos movimentos de protesto que tomaram conta do Chile, e que obrigaram o então presidente Sebastián Piñera a prometer uma nova Constituição.
Escrevi vários posts a respeito desses protestos, focando, principalmente, na impossibilidade prática ou nas consequências nefastas para a economia chilena se aquelas reivindicações fossem atendidas. Usava como exemplo o próprio Brasil, que implementou muitas das reivindicações dos protestos, e colhe um índice de Gini pior e um crescimento de renda per capita muito menor do que os do Chile.
A eleição de Boric foi o ápice. Depois, vieram o NÃO para a nova Constituição e, na semana passada, a derrota da proposta de reforma tributária, em um Congresso supostamente eleito sob a influência dos protestos. É como se a sociedade chilena estivesse de ressaca depois de uma bebedeira, e não reconhecesse a amante ao seu lado na cama. Boric, a amante, conta com baixos níveis de aprovação.
Todos queremos um mundo onde todos tenham condições de suprir suas necessidades básicas de saúde, alimentação, moradia, educação e lazer. O duro é como chegar lá. A sociedade chilena, seja diretamente (referendo da nova Constituição), seja via seus representantes no Congresso (votação da reforma tributária) disse não à solução de Boric, símbolo dos protestos. Já sabemos o que o povo chileno não quer. Resta saber o que eles querem.
Este post é uma continuação do anterior, trazendo um exemplo concreto de como se mata a galinha dos ovos de ouro.
O marco do saneamento permitiu a assinatura de contratos com empresas privadas, que vão gerar investimentos da ordem de centenas de bilhões de reais nos próximos anos, em uma área que necessita de investimentos mais do que qualquer outra.
Bem, o que está acontecendo? Mais de 500 contratos de estatais encontram-se irregulares segundo o marco do saneamento. Como os políticos que vivem pendurados nessas estatais não querem largar o osso, o governo do PT está “negociando” para chegar a um “acordo” que seja “bom para todos”. Enquanto isso, investimentos privados encontram-se paralisados. Aliás, já no dia 02/01, um dos primeiros decretos do governo Lula mudou atribuições da Agência Nacional de Águas, trazendo incertezas para os investimentos no setor.
Os governos do PT têm esse cacoete, de preferir o investimento estatal ao privado. Quando se trata da Petrobras, o máximo que vamos ter é um combustível mais caro do que o necessário. No saneamento, no entanto, o que temos são crianças doentes por falta de saneamento. Um crime, antes até do que uma sabotagem da produtividade do país. Toda vez que o PT põe a mão em alguma coisa, morre uma galinha dos ovos de ouro.
É conhecida a fábula da galinha dos ovos de ouro. Em um vilarejo, um granjeiro cuidava de suas galinhas, quando descobriu que uma delas botou um ovo de ouro. Todo contente, foi contar à sua esposa, que também ficou muito feliz com a grande descoberta. Pegaram aquele ovo e foram até o vilarejo, onde venderam o ovo por uma grande quantia em dinheiro. “Ficamos ricos!”, pensaram.
O problema é que a galinha botava um ovo de ouro somente de tempos em tempos. O dinheiro acabou, e o casal começou a impacientar-se com aquela demora. Decidiram, então, acelerar o processo. Pensaram assim: por que se satisfazer com um ovo de ouro de quando em vez, quando poderiam obtê-los todos de uma vez? Bastaria abrir a barriga da galinha e arrancar os ovos de ouro todos de suas entranhas. E assim o fizeram, para descobrirem, horrorizados, que não havia nenhum ovo de ouro, apenas vísceras comuns. Por causa de sua ganância, ficaram com uma galinha morta, e sem os ovos de ouro.
Esta fábula é sobre fazer a coisa certa e esperar pelos resultados. Se os granjeiros tivessem continuado a alimentar a galinha e esperassem o resultado, continuariam ricos. A economia é uma especie de galinha dos ovos de ouro. É preciso fazer a coisa certa e aguardar os resultados. Ao longo do tempo, os ovos de ouro do crescimento econômico vêm.
O crescimento econômico é um processo lento, que se dá nas entranhas da economia sem sabermos muito bem como acontece. Só sabemos que é preciso alimentar a economia com aumento de produtividade. O PIB é a soma de todo o valor agregado na economia. Por isso, de nada adianta gastar por gastar. É preciso que esses gastos agreguem valor à economia. Um exemplo simples: uma estrada feita pelo governo somente agregará valor à economia se houver tráfego suficiente para compensar o dinheiro gasto. E por “tráfego suficiente” quero dizer valor agregado adicional por causa da existência daquela estrada. Obviamente, estradas inacabadas ou que servem ao haras de ministro não cumprem essa condição.
Há uma espécie de sofreguidão por gastar, como se isso, por si só, fosse fazer aumentar o PIB. Gastar por gastar é o equivalente a matar a galinha dos ovos de ouro, esperando conseguir todos os ovos de uma vez. Os desenvolvimentistas dirão que não se trata de “gastar por gastar”, mas de investir nos “projetos certos”, aqueles que vão agregar valor. Como se anos de gastos em projetos furados durante a era PT (não só da era PT, mas eles levaram a coisa ao estado da arte) não tivessem sido suficientes para demonstrar que escolher o “projeto certo” não é exatamente a especialidade de governos.
E lá vamos nós de novo, pegar dinheiro gerado por atividades produtivas e queimar em projetos para “fazer o país crescer”. A galinha dos ovos de ouro vai morrer novamente.
A notícia é: “Prefeitura lança app para concorrer com Uber e 99”. Eu ia começar este post lembrando do aplicativo de táxis lançado pela prefeitura de São Paulo em 2018, quando Doria era ainda prefeito da cidade. Alguém viu algum aplicativo de táxi por aí? Pois é…
Mas antes de começar a escrever, fui pesquisar quanto a prefeitura está desembolsando nessa estrovenga. Achei o edital e, surpresa! A prefeitura não está pagando nada! O app ganhador do certame foi aquele que ofereceu o menor desconto para os motoristas, ponto para o qual a reportagem chamou a atenção.
Mas aí, pensei: diacho, por que afinal uma empresa precisa ganhar alguma licitação da prefeitura para oferecer um app de transporte? O Uber ganhou alguma licitação? 99? IFood? Não, nenhum desses apps ganhou licitação alguma. Simplesmente chegaram e fizeram seus apps acontecerem. Então, qual o sentido de participar de uma licitação desse tipo? O que faria uma empresa perder tempo com licitações, se poderia lançar um app exatamente com as mesmas características de maneira independente?
Poderia ser porque a Prefeitura se comprometeria com todo o suporte de marketing, investindo para tornar o app popular na cidade. Mas não. O item 2.11 do edital específica que “A CONTRATANTE, com o objetivo de universalizar a utilização do sistema, deverá proporcionar a divulgação da ferramenta ao público, utilizando-se de seus espaços de mídias digitais, publicidade em canais de rádio, televisão e material impresso para veiculação de propaganda institucional da MUNICIPALIDADE”. Ou seja, faz parte dos encargos do vencedor do certame a publicidade do app.
Então, qual a vantagem? Desconfio que o pulo do gato esteja no item 2.7 do edital: “Adicionalmente ao disposto no subitem 2.5 deste instrumento, desde que não onere a MUNICIPALIDADE, a CONTRATADA poderá, pela presente contratação, diversificar as suas fontes de receita com a exploração de receitas alternativas à atividade principal do empreendimento (receitas não tarifárias diretas, ou acessórias) de modo a viabilizar o projeto de investimento”.
Ou seja, o vencedor da licitação pode explorar outras fontes de receita. Mas qualquer empreendedor no Brasil sempre pode explorar outras fontes de receita. Afinal, a livre empresa é um dos princípios basilares da nossa Constituição. Só faz sentido esse item se estiver conjugado com serviços que NECESSITEM do aval da prefeitura para serem realizados. O ganhador do app, portanto, teria facilitada a permissão da prefeitura para explorar outras atividades, algo tão aberto e impreciso quanto “receitas alternativas à atividade principal do empreendimento”.
Corta para o resultado da licitação.
Segundo a ata da licitação, somente um consórcio se habilitou para o certame. O consórcio 3C é formado pelas empresas CLD – Construtora, Laços Detetores e Eletrônica Ltda, Consilux Consultoria e Construções Elétricas Ltda e CSX Inovação S/A. Será que as duas primeiras têm outros interesses junto à prefeitura de São Paulo, que seriam de alguma forma facilitados pela cláusula 2.7 desse edital? Se não, por que essas empresas não se uniram antes para fazer um app de compartilhamento? O que as impediu?
Mas vamos nos concentrar na terceira empresa. Com um pouco de pesquisa, descobrimos que a CSX foi fundada em maio de 2021, em Curitiba. Sua especialidade? Equipamentos para rastreamento de veículos e monitoramento de trânsito. Parece não ter muita experiência com apps de compartilhamento de transporte. Mas aí entra o item 2.17 do edital: “Mediante a presente contratação propiciará a cidade de SÃO PAULO no âmbito da Política de Desenvolvimento Urbano, o monitoramento e a observação das condições locais de mobilidade urbana, possibilitando a identificação de lacunas e sobreposições e proposição de novos arranjos, os quais contribuirão com a MUNICIPALIDADE para que futuras atualizações no Plano Diretor Estratégico do MUNICÍPIO de SÃO PAULO”. Faz parte das entregas do consórcio um “Portal Gestão da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito – SMT”. Ou seja, a prefeitura contará com uma central de monitoramento do serviço. É basicamente isso o que distingue esse serviço do Uber/99: o serviço será gerenciado pelo Estado, e não por uma empresa particular. O app será desenvolvido por uma empresa privada, mas o gerenciamento será de responsabilidade da prefeitura.
Nem vou aqui entrar no mérito da segurança dos dados, assumindo que estarão tão seguros na prefeitura quanto estão no Uber. O único ponto que faço é a eficiência do serviço. Imagine você tentando reclamar de algo. Se já é difícil no Uber, imagine em um serviço gerenciado pela prefeitura…
Então, ficamos assim:
– Um consórcio formado por empresas sem experiência com desenvolvimento de aplicativos vai desenvolver um para competir com Uber/99
– Esse consórcio receberá remuneração menor do que recebem Uber/99, e poderá compensar essa baixa remuneração com “outras fontes de receita” não especificadas.
– o gerenciamento do app ficará a cargo da prefeitura.
Qual o risco disso dar certo? A prefeitura, que não consegue sequer ter um sistema de bilhete eletrônico que funcione decentemente, quer concorrer com o Uber. O prazo para implantação do serviço é de 5 anos (!) após a assinatura do contrato. Nesse prazo, talvez esqueçamos o assunto.
PS.: o jornalismo profissional faria um serviço melhor se entrasse nesses meandros, ao invés de somente publicar press release da prefeitura.
André Lara Resende tem o péssimo hábito de pegar uma informação isolada para chegar às conclusões que lhe interessam. Foi assim em seu artigo passado, em que pegou o superávit primário do ano passado para afirmar, sem corar, que a situação fiscal do Brasil está ok. Claro, sem combinar com o ministro da Fazenda, que afirma que recebeu uma herança maldita.
Em artigo publicado ontem no Valor (íntegra no final do post), Lara Resende repete a estratégia. Para afirmar que é o BC que determina a curva de juros, usa um gráfico de um relatório publicado pelo Tesouro Nacional, que mostra o custo de emissão de dívida do Tesouro comparado com a taxa Selic (usaremos este mesmo relatório para desmentir o economista). Quando a taxa Selic cai, o custo de emissão da dívida cai. Quando a Selic sobe, o custo de emissão da dívida sobe. Portanto, é o BC que determina o nível geral das taxas de juros no Brasil, e não somente a taxa Selic. Para chegar a essa conclusão (que, aliás, valeria para qualquer BC do mundo), Lara Resende não lança mão de qualquer instrumento econométrico, como um teste de causalidade de Granger. Segundo o economista, dá para ver a causalidade “a olho nu”. Lara Resende despreza instrumentos matemáticos no trato da ciência econômica, como faz questão de deixar claro em seu texto.
Mas vamos deixar de lado as picuinhas, e vamos nos concentrar no conceito. Como tudo em economia, nada é preto no branco. Banco Central e mercado estão em uma eterna dança, em que um influencia o outro. A curva de juros é fruto das forças de mercado. Mas é claro que os agentes olham para o Banco Central para tomarem as suas decisões sobre as taxas de juros futuras. Como trabalham com distribuições de probabilidades e não com certezas, os agentes ponderam os movimentos do BC (presentes e futuros) com possíveis cenários econômicos derivados desses movimentos do BC. Assim, formam suas convicções e definem as taxas de juros de prazos mais longos. Lara Resende, ao afirmar que os ortodoxos afirmam que a curva de juros não é influenciada pelo BC, está criando um espantalho para desmenti-lo. A tática é velha.
Aliás, o custo da dívida nem é o melhor instrumento para chegar à conclusão que Lara Resende chegou. Como a nossa dívida é formada por uma parcela relevante de títulos atrelados à Selic (cerca de 40% – tabela 2.3 do relatório), é claro que, quando a Selic cai, o custo de emissão da dívida também cai. Além disso, a parcela prefixada tem, em geral, vencimentos curtos (tabela 3.4). E, quanto mais curto for um título prefixado, mais próxima estará a sua taxa da provável trajetória da taxa Selic no curto prazo. Se a taxa Selic estiver caindo, a taxa prefixada de curto prazo será menor, e vice-versa.
Lara Resende se aproveita dessa característica para mostrar meia-verdade. No gráfico 4.3 logo em seguida ao gráfico usado pelo economista, temos a evolução das taxas das NTN-Fs, que são os títulos prefixados mais longos. Podemos observar que sua evolução segue bem menos a taxa Selic do que o custo total da dívida, que tem influência das LFTs e das LTNs (prefixados mais curtos).
Mas o ponto fundamental da discussão é por que Lara Resende fez questão de estressar este ponto. Ora, simples: a sugestão é de que o BC pode, com tranquilidade, reduzir as taxas de juros quanto queira, porque a curva de juros acompanhará a queda, tornando o carregamento da dívida muito mais barato. Para que isso seja crível, no entanto, o economista precisa desvincular o nível de taxa de juros do controle da inflação. E é isso que faz nesse artigo, ao afirmar que não há evidências de que o nível de juros controla a inflação, desmontando, em poucas linhas, todo o arcabouço monetário construído nas últimas três décadas, e que é usado pelos principais bancos centrais do mundo. Claro que Lara Resende não sugere nada para o lugar do sistema de metas de inflação. A inflação seria controlada de algum modo misterioso, que o economista não divide com seus leitores.
Com o BC controlando direta ou indiretamente toda a curva de juros da economia, e com a inflação sendo controlada pelo divino Espírito Santo, nada impediria o BC de reduzir a taxa básica de juros quanto quisesse, diminuindo em muito as despesas com juros, e fomentando o crescimento econômico. Resta saber por que o BC do Alexandre Tombini, que tentou um movimento de redução artificial dos juros durante o governo Dilma, não perseverou no seu intento, voltando a elevar a taxa Selic até 14,25% (!)
É claro que a taxa Selic está muito alta, e isso causa não poucos problemas à economia. A discussão é como o BC pode baixar essa taxa de juros sem perder o controle da inflação. Este é um debate legítimo, em que vários economistas têm visões diversas. No entanto, Lara Resende, por tudo o que já escreveu, não é um debatedor legítimo nessa discussão. Ao afirmar que o BC pode, sem custos, determinar a taxa de juros no patamar que quiser, se desqualifica para o debate. Quando se discute astronomia, não há lugar para astrólogos.
Todo dia pela manhã, caminho por cerca de uma hora pelo bairro do Jardim Europa, o mais rico de São Paulo. Não é incomum ser parado na rua por alguém pedindo informações. Hoje foram duas vezes.
Na primeira, um pedreiro mostrou-me um endereço em seu celular e perguntou-me como chegar naquela rua. Como sempre faço nessas ocasiões, saquei do meu próprio celular, coloquei o endereço no Google Maps e orientei o senhor da melhor maneira que pude. Na segunda, um rapaz alto, de chinelos, simplesmente me perguntou, quase sem parar de caminhar: “Posto Ipiranga?”. Parei, sem entender direito o que ele queria dizer com aquilo (seria uma viúva do Guedes?), e então ele voltou à carga: “o posto Ipiranga é para esse lado?”. Não conhecia nenhum posto Ipiranga na região, não tinha como ajudá-lo, simplesmente dei de ombros e segui meu caminho.
Normalmente, os que me param na rua são, provavelmente, faxineiras e pedreiros que vão começar serviços em casas novas no bairro. Muitos (a maioria), me mostram o endereço em um pedaço de papel ou no celular, uma clara demonstração de que sequer sabem ler, quanto mais usar o Google Maps para se orientar. Esta limitação não os impede de trabalhar e batalhar por seu pão, mas é difícil imaginar como poderiam sair do seu estado de pobreza, dado que seu único instrumento de trabalho é a força de seus braços.
Desde o “tudo pelo social” de Sarney, passando pelo enfoque no social dado pelos governos tucanos e petistas, até a “Pátria Educadora” do governo Dilma, o discurso tem sido o da inclusão de todos pela educação. Talvez essas pessoas que me param no bairro mais rico da cidade sejam de gerações passadas, que não foram atingidas pelas ações sociais dos governos da Nova República. Houve avanços inegáveis neste período, como a inclusão de todas as crianças na escola e o aumento dos anos de escolaridade. É muito, mas ainda é pouco.
Escrevo ainda impactado pela imagem do jovem que só conseguia balbuciar “posto Ipiranga”. Qual o seu futuro possível? “Educação” é um mantra entoado por qualquer governo. A baixíssima produtividade da mão de obra brasileira é a prova cabal de que se trata de um discurso vazio.
As mulheres ganham menos do que os homens. Esse é um fato irrefutável, demonstrado pela estatística do IBGE.
Por que isso acontece? De acordo com o projeto de lei a ser enviado ao Congresso hoje, o culpado é a misoginia do empresário, que paga menos para a mulher por pura maldade. A solução, então, é agir com o rigor da lei, de modo que a misoginia “doa no bolso”, segundo a ministra Simone Tebet. De acordo com essa lógica, o empresário continua atuando fora da lei porque a punição é branda, o que o leva a fazer um cálculo de risco-retorno.
Talvez a ministra nunca tenha tocado uma empresa, então vamos explicar a ela como a coisa funciona na prática. Qualquer empresário tem como objetivo principal maximizar o seu lucro. Claro, há outros objetivos nobres, como gerar empregos e ajudar as pessoas, mas se não procurar maximizar o seu lucro, todos os outros objetivos que porventura existam não poderão ser cumpridos. Maximizar lucros é condição necessária para todo o resto.
Pois bem. Imagine que fosse possível, de maneira sistemática, pagar menos para as mulheres do que para os homens para a mesma função e experiência. Ora, é não menos que óbvio que qualquer empresário que busque maximizar seus lucros contrataria somente mulheres. Teria a mesma função sendo realizada, com uma folha de salários menor. A contratação de homens que ganham mais serviria apenas para exercitar uma espécie de misoginia doentia, às custas de seu próprio lucro. “Ah, mas não há mulheres suficientes para preencher todas as vagas, a contratação de homens é mandatória”. Sim, mas nada impediria que o empresário maximizador de lucros pagasse o mesmo salário baixo para os homens que paga para as mulheres. Se paga a mais para os homens, às custas de sua própria lucratividade, deve ser por algum motivo. A legislação parte do pressuposto de que é misoginia pura e simples.
Falta uma informação fundamental na reportagem: o número de processos por desigualdade salarial que resultaram em ganho de causa para a mulher. Ou seja, em que a empresa foi condenada a pagar uma multa. Dei uma googlada e não encontrei essa informação. Por que é importante? Ora, se o número for expressivo, isso significa que as empresas, de fato, estão abusando da legislação, e multas maiores poderiam inibir o seu mau comportamento. Mas, como desconfio de que o número de processos seja irrelevante, o aumento das multas serve apenas como palanque para que feministas de ocasião, como Simone Tebet, possam posar de “defensora das mulheres”. O resultado da nova legislação será inócuo.
A estatística do IBGE não mente. De fato, as mulheres, na média, ganham menos que os homens. No entanto, atribuir a uma suposta misoginia dos empresários o problema serve somente para inflamar a militância sem realmente resolver o problema. As mulheres merecem mais do que palavras de ordem vazias.
Entrevista com a ministra Simone Tebet sobre um projeto de lei, a ser apresentado hoje, que endurece as penas por remuneração desigual entre homens e mulheres.
No final da entrevista, a ministra demonstra, inconscientemente, por que as mulheres, na média, ganham menos que os homens. Ao tentar justificar por que a remuneração igualitária teria impacto positivo sobre a atividade econômica, Tebet afirma que “a mulher não guarda, ela gasta o dinheiro com material escolar, supermercado e exames”.
A afirmação é absurda em si. Quer dizer então que, nas famílias em que a mulher não trabalha, ninguém faz supermercado, realiza exames e os filhos ficam sem material escolar? E mesmo nas famílias em que a mulher trabalha, esses gastos saem exclusivamente do salário da mulher?
Mas o pior não é nem o non sense da afirmação. A ministra reproduz o preconceito de gênero que procura combater. Por que, afinal, teria que ser a mulher a pagar o supermercado e o material escolar dos filhos? Essa associação demonstra que, mesmo para uma militante tão vocal sobre os direitos da mulher, fazer supermercado e cuidar dos filhos continuam sendo “tarefas da mulher”. Shame on you, Tebet!
O governo argentino está oferecendo uma ”troca de dívida” para afastar temores de um calote iminente.
A bem da verdade, todo governo está fazendo “troca de dívida” o tempo inteiro. Os títulos vendidos no passado vencem, e são trocados por novos títulos que vencerão no futuro. Qual a diferença então? A diferença é que, em condições normais, os governos pagam aos credores no vencimento dos títulos, e os credores escolhem usar aquele dinheiro para comprar novos títulos públicos. Na prática, a dívida está sempre sendo rolada. No caso argentino, no entanto, houve o anúncio da oferta de rolagem da dívida ANTES do vencimento. Ou seja, para evitar temores crescentes de que essas dívidas não seriam pagas, o governo da Argentina está propondo a rolagem antecipada. Na prática, vão pagar taxas maiores para obter essa antecipação.
O credores da Argentina parecem não conhecer o MMT (Modern Money Theory), pregada por André Lara Resende. Segundo o MMT, um governo que se endivida na própria moeda não pode dar calote. O governo da Argentina parece também desconhecer a teoria, e aceita pagar taxas de juros exorbitantes para rolar a sua dívida. Ambos, credores e governo, poupariam muita ansiedade e dor de cabeça se contratassem Lara Resende como seu guru monetário. Cientes da impossibilidade de calote, o financiamento da dívida se daria a taxas muito mais baixas, e todos seriam felizes para sempre.