O senso de urgência desse governo me anima. O “desenho” do programa Desenrola, uma das promessas de campanha, foi levado ao presidente Lula ontem, apenas 65 dias após o início do mandato.
Para demonstrar que há muita urgência, o ministro da Fazenda nos informa que o secretário de Política Econômica até saiu no meio da reunião para dar uma previsão de quando um tal “sistema” ficaria pronto. Não, não dava para esperar o fim da reunião. É tanta pressa em resolver o problema dos endividados, que o secretário saiu antes de a reunião terminar para tratar do assunto do “sistema”. E o ministro da Fazenda fez questão de estressar esse ponto, para demonstrar a urgência que o assunto está merecendo por parte do governo.
Pelo visto, o secretário não voltou à reunião com a informação de quando o “sistema” ficará pronto. Pelo menos, a reportagem não traz essa informação. Ficamos todos ansiosos.
Lula já fez saber aos seus auxiliares que sem o tal “sistema”, nada feito. Ele não vai lançar um programa sem um “sistema”, só pra fazer marketing. Mas fiquem tranquilos os endividados do país. O secretário até saiu no meio da reunião para tratar do “sistema” e verificar a sua data de entrega. A coisa é urgente. Só falta o “sistema”.
Hoje, mais uma reportagem sobre as péssimas condições de vida na Venezuela.
No entanto, ontem, uma pequena nota nos trouxe a informação de que Chávez ainda tem 56% de aprovação pelo povo venezuelano, muito mais do que qualquer outro líder atual. Como se explica? Fácil: Chávez está morto.
Poucos se lembram, mas no último dia 5 de março completaram-se 10 anos da morte do comandante. Chávez saiu prematuramente do mundo da luta política para o plano dos mitos. Sua morte foi anterior à debacle dos preços do petróleo, que acabou com a fonte do bem-estar para todos os venezuelanos. Sobrou uma carcaça oca de economia, que os abutres do regime disputam sofregamente.
Na mesma pesquisa, Maduro aparece com apenas 22% de aprovação. Poderíamos questionar como Maduro consegue se reeleger com tão reduzida taxa de aprovação. A resposta, além da conhecida falta de lisura nas eleições, pode ser encontrada em uma pesquisa de um ano atrás, feita pelo mesmo instituto. Naquela pesquisa, Maduro também aparecia com uma avaliação péssima, mas não significativamente pior do que a de outros políticos venezuelanos de oposição. Ou seja, a situação é tão ruim, que basta estar vivo para ser mal avaliado. Chávez leva uma grande vantagem sobre seus concorrentes: está morto.
A cerca de 3 meses de sua morte, já em estado terminal, o ditador venezuelano disse: “Chávez não é um ser humano somente. Chávez é um grande coletivo. Chávez é o coração do povo, e o povo está no coração de Chávez”. Quem não se lembra das palavras de Lula em seu discurso no dia de sua prisão, em São Bernardo, também em terceira pessoa? “Eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia, misturada com as ideias de vocês”. Lula proferiu essas palavras às vésperas de sua morte política.
A vantagem de Chávez, como dissemos, é estar morto. Lula, por outro lado, ressuscitou, como afirmou a um mesmerizado Reinaldo Azevedo. Portanto, voltou ao mundo dos vivos, e isso faz toda a diferença. Chávez, assim como Lula, navegou o grande ciclo das commodities da primeira década do século, e morreu antes de ver o seu castelo de cartas ruir. Lula saiu da presidência como uma quase unanimidade. Se tivesse acompanhado seu companheiro venezuelano em sua viagem ao além, teríamos hoje um mito lulista imbatível. Mas Lula voltou do mundo dos mortos, e terá que lidar com a realidade dos recursos escassos e da falta de margem de manobra. Aquela mesma realidade que faz com que todos os políticos sejam mal avaliados. Nesse mundo, é bem mais difícil a construção de mitos. A longevidade de Lula, afinal, talvez seja uma benção para o país.
Entrevista com o ex-senador Tasso Jereissati. Reproduzo abaixo o início e o fim, o resto é tão irrelevante quanto a figura entrevistada.
Comecemos pelo fim. Tasso afirma que “não queremos” ocupar o lugar do bolsonarismo, mas sim, “queremos” ocupar o lugar do centro. “Queremos” quem, cara pálida? Quais forças políticas Tasso Jereissati está representando? Esta é só uma pergunta retórica, claro. O ex-senador representa um partido com passado glorioso, mas completamente irrelevante para o futuro do país. E essa entrevista só atesta essa triste realidade.
Um político que quer fazer oposição ao petismo não pode se dizer “muito surpreso” com a agenda econômica de Lula. Em que planeta estava o senhor senador enquanto o PT destruía a economia entre 2006 e 2015? “Ah, mas era legítimo esperar o Lula que governou entre 2003 e 2005”. Sim, era, para quem tem 18 anos de idade. Alguém que tem cabelos brancos e, em tese, é um político experimentado, não tinha esse direito. Na minha série “A Economia na Era PT”, demonstro que a semente do desastroso governo Dilma encontrava-se já no 2o mandato do governo Lula. De onde tiraram a ideia de que Lula voltaria 20 anos no tempo? “Ah, mas Lula teria aprendido com os erros do governo Dilma”. Que erros? O PT por acaso erra? Foi tudo culpa da queda dos preços das commodities, da Lava-Jato e do Eduardo Cunha.
O início da entrevista orna com o fim. Expressar “muita surpresa” no campo econômico encaixa-se perfeitamente com a babação de ovo a respeito da politica externa e da vacinação. Se fosse um governo responsável no campo econômico, seria nada menos que perfeito. É esse tipo de “oposição” que espera ganhar do PT em 2026?
O ex-senador tece loas à política externa do governo Lula, por conta do discurso na área ambiental. Adivinha qual o único político de expressão que condenou o atracamento de navios de guerra do Irã em porto brasileiro? Pois é. E ainda ficam espantados com o fato de Bolsonaro ter conseguido 49% dos votos.
A Receita Federal soltou uma nota que responde à pergunta que fiz no post anterior sobre “o que fez a Receita”. Pelo que entendi, a coisa é a seguinte:
1) Não pode entrar com objetos acima de US$ 1 mil sem declarar (isso já sabíamos)
2) Os oficiais da Receita orientaram as autoridades brasileiras sobre o procedimento de regularização, qual seja, provar que se tratava de objetos de interesse histórico, de modo que pudessem ser incorporados ao acervo da República.
3) O ponto fundamental da nota é o esclarecimento de que não basta uma “iniciativa pessoal”. É necessário “efetivo interesse público”. Deduzo aqui que, em momento algum se conseguiu (ou se tentou) provar que aqueles objetos tinham interesse público.
4. O prazo para produzir tais provas se encerrou em julho/22.
Essa nota, para mim, afunila o caso. Temos dois fatos que precisam ser explicados:
1) Inexplicavelmente, um funcionário do governo tenta entrar no País com um presente diplomático sem declara-lo.
2) Inexplicavelmente, o governo não conseguiu (ou não tentou) provar para a Receita o caráter público das joias, passados 6 meses.
Assim, por mais que se queira caracterizar o caso como “perseguição política” contra Bolsonaro, trata-se de evento muito estranho. Isso porque ainda não entramos no mérito de porque o príncipe árabe decidiu gastar 3 milhões de euros em presentes de cunho claramente pessoal, e não com presentes genéricos, como normalmente acontece.
O caso das “joias da Michelle” tem uma desimportância ímpar para os destinos da nação. Não estaria comentando aqui, não fosse o fato de representar um desafio lógico-dedutivo, ao confrontar duas versões para o mesmo fato. E, confesso, tenho um fraco por esse tipo de desafio.
Vejamos as duas versões. Em comum às duas, temos que, no dia 26/10/21, um assessor do ministro Bento Albuquerque é retido em inspeção de rotina na alfândega, em voo de volta de Riad, em posse de uma caixa de joias no valor estimado de 3 milhões de euros. A partir daí, as versões se bifurcam.
Na versão da imprensa, a receita oferece a opção de declarar aqueles objetos como “acervo do Estado brasileiro”, opção de pronto afastada pelo ministro. A partir daí, teriam se seguido ao menos outras 5 tentativas de liberar as joias: 1) 03/11/21: ofício do Itamaraty à Receita; 2) 03/11/21: ofício de Bento Albuquerque à Receita; 3) 28/12/22: ofício do secretário da Receita para a área de alfândega do aeroporto de Guarulhos; 4) 28/12/22: ofício do próprio presidente Bolsonaro ao gabinete da Receita; 5) 29/12/22: um funcionário da presidência toma um voo da FAB para São Paulo, com o objetivo de liberar as joias.
Na versão dos bolsonaristas (até onde pude entender), há dois ofícios que desmontariam a versão da imprensa. O primeiro, de 29/10/21, do gabinete de documentação histórica da presidência da República para o gabinete de Bento Albuquerque, respondendo a um ofício deste, datado de 28/10/21, afirmando que as joias “…enquadram-se na condição de encaminhamento a este gabinete, para análise quanto à incorporação ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República…”.
O segundo ofício, de 03/11/21, de Bento Albuquerque à Receita (mencionado também pela reportagem), afirma que “… se faz necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”. Esse “destino legal adequado” seria o acervo da Presidência da República, ainda que não esteja claro no ofício.
Para reforçar essa versão, há também uma suposta carta de Bento Albuquerque para o príncipe bin Salman, de 22/11/21, em que o ministro afirma que os presentes teriam sido incorporados ao “Brazilian official collection”.
A meu ver, há algumas perguntas que precisam ser respondidas, antes que consigamos concluir algo:
1) Por que o assessor de Bento Albuquerque escolheu o “nada a declarar” na alfândega, quando estava carregando o que supostamente era um presente oficial de um governo estrangeiro? Não há procedimentos diplomáticos em casos como esse?
2) Se os agentes da Receita, como afirma a reportagem, deram a opção de oficializar a entrada das joias como “acervo da Presidência”, por que essa opção não foi aceita pelo ministro? Ou essa opção não foi ofertada e as joias foram apreendidas sem que os agentes da Receita aceitassem qualquer argumentação nesse sentido?
3) Onde estão os ofícios da Receita, respondendo aos ofícios do Itamaraty, de Bento Albuquerque e do próprio Presidente? Esses ofícios podem esclarecer por que a Receita continuou a cobrar o imposto e a multa, se o gabinete de Bento Albuquerque tinha deixado claro que se tratava de ”acervo da Presidência” e não ”do Presidente”. Ou a mensagem não foi clara o suficiente, permitindo outra interpretação por parte da Receita?
4) Por que Bento Albuquerque escreveu uma carta para o príncipe árabe, afirmando que os presentes já tinham sido incorporados ao acervo da Presidência, quando ainda estavam retidos na alfândega?
5) O que se passou entre o ofício de Bento Albuquerque à Receita em 03/11/21 e o ofício de Bolsonaro à Receita em 28/12/22? Houve outras tentativas de liberação? Se não, porque se passou mais de um ano sem que esse problema burocrático fosse resolvido?
6) Quantos mais assessores passaram pelo “nada a declarar” da Alfândega com presentes de outros dignatários e não foram selecionados para passar pelo raio X? Onde estão esses presentes hoje? Ou esse foi o único caso desse tipo, e justamente este teve o azar de ser parado pela alfândega?
São muitos os furos nessa história. Acompanhemos o seu desenrolar nos próximos dias.
Lula é, sem dúvida, o presidente do diálogo. Na guerra da Ucrânia, por exemplo, ele propõe o diálogo como forma de encerrar o conflito. Pouco importa se há um agressor e um agredido na história, ou se houve trangrsssão de leis internacionais. O que vai “solucionar” o problema é colocar as partes em uma mesa de negociações “sem pré-condições”.
O padrão se repete com a invasão de uma fazenda de eucaliptos da Suzano por parte do MST. Pouco importa se existe um agressor e um agredido, se houve transgressão de leis. O que vai “solucionar” o conflito é colocar as partes em uma mesa de negociações ”sem pré-condições”.
Esse modus operandi, digamos, construtivo, poderia ser adotado em outras situações de “conflito”. Por exemplo, em um assalto, a polícia deveria servir como mediadora, promovendo o diálogo entre as partes, “sem pré-condições”. E assim por diante, todos os “conflitos” seriam resolvidos na base do “diálogo”. Quem seria contra essa abordagem de “paz”?
A Suzano, assim como a Ucrânia, não aceita qualquer diálogo antes que suas terras sejam devolvidas. Lula certamente acha que intransigências desse tipo são obstáculos para uma resolução pacífica dos conflitos. Da próxima vez em que você for assaltado, não seja intransigente: sente-se à mesa com o assaltante e com um árbitro acima de qualquer suspeita, como um petista, por exemplo. E o mais importante: sem pré-condições.
Entrevista com o relator do projeto das “fake news”, Orlando Silva. Não li o projeto, mas o deputado passa a impressão de que o seu núcleo consiste na responsabilização das redes sociais.
Há dois anos, escrevi um longo artigo intitulado “Redes Sociais e a busca do censor ideal”. Na época, estava ainda quente o debate sobre as eleições americanas e a invasão do Capitólio. O canal de Alan dos Santos havia sido derrubado pelo YouTube por difundir notícias de fraudes nas eleições, e a discussão era sobre o direito (ou o dever) de o YouTube fazer isso.
Naquele artigo, trago dois depoimentos, ambos coincidentes: o primeiro de Mark Zuckerberg e o segundo de Angela Merkel. Ambos concordam que os critérios de seleção de conteúdo deveriam ser do poder público e não de entidades privadas, que não teriam legitimidade para fazê-lo, principalmente quando se trata da arena política.
Não há aqui “absolutização” da liberdade de expressão. Crimes não são, obviamente, cobertos por esse direito. A questão é determinar quem será o árbitro para definir o que é ou não é crime. Na esfera jurídica, o juiz é esse árbitro que define se houve ou não crime. O que o projeto das fake news quer estabelecer, até onde pude depreender da entrevista do seu relator, é que as plataformas sejam transformadas em juízes de conteúdo, sob pena de elas mesmas serem consideradas criminosas.
Na verdade, as plataformas já fazem isso. Segundo seus termos de uso, não é permitida a postagem de conteúdos envolvendo pedofilia ou racismo, por exemplo. E há uma filtragem ativa, como demonstra a suspensão de Alan dos Santos dois anos atrás. O problema é que pedofilia é relativamente fácil de identificar. Já quando nos movemos para a arena política, a coisa fica mais nebulosa.
Orlando Silva afirma, por exemplo, que a convocação para o 8 de janeiro foi nitidamente uma incitação ao golpe de estado. Bem, essa é uma opinião do excelentíssimo deputado. Vendo as convocações, não me pareceu nada diferente das anteriores. O fato de ter descambado em violência não faz da convocação em si um ato golpista. Nessa linha, fico imaginando que as convocações para as manifestações contra Dilma também seriam taxadas de golpistas, dado que o impeachment, segundo o PT e seus aliados, foi um golpe. Quem vai definir o que é ou não é crime político? É correto exigir que as plataformas se envolvam nesse terreno pantanoso?
O problema da censura (esse é o nome) política é que não existe árbitro isento. Por isso, alguma dose de arbitrariedade sempre irá existir. A questão é qual o nível de arbitrariedade tolerável (se é que há algum nível tolerável) para que se protejam as instituições democráticas. Não se trata de uma discussão trivial, e as plataformas são o menor dos problemas.