O chanceler russo esteve no País ontem. Em uma visita diplomática de alto nível, tanto ou mais importante do que o que dizem os interlocutores (poucas surpresas costumam vir daí), o que vale, de fato, são os gestos.
Por exemplo, Sergei Lavrov poderia ser recebido somente pelo nosso chanceler, Mauro Vieira, mas manteve reunião com o próprio presidente da República, o que dá à visita um caráter de alto nível. Curioso que não existe (pelo menos não vi) uma fotografia desse encontro. Ou Ricardo Stuckert estava de folga, ou até Lula achou que seria demais fazer propaganda desse encontro.
Mas o mais simbólico dessa visita do representante de Putin nesse giro pela América Latina é o seu roteiro. Saindo do Brasil, Lavrov seguirá para Venezuela, Nicarágua e Cuba. Desses três países, a Nicarágua votou contra e Cuba se absteve na votação da última resolução da ONU condenando a agressão russa (a Venezuela não votou por não estar em dia com suas obrigações).
Lavrov poderia passar, por exemplo, por Argentina, Chile e Colômbia, três países, como sabemos, também governados por partidos de esquerda. Lendo, no entanto, as intervenções de seus representantes na ONU durante a votação da última resolução, fica claro que o chanceler russo não teria muito o que fazer ali. Vejamos:
Argentina: “reiterando sua condenação à agressão contra a Ucrânia, urgiu Moscou a cessar imediatamente seu uso da força”.
Chile: “a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia deve levar os Estados Membros a reafirmar seu compromisso aos princípios da Carta e da lei internacional”.
Colômbia: “rejeitou o uso da força contra a integralidade territorial ou independência política de qualquer país”.
Como sabemos, na mesma sessão, o Brasil emitiu a abjeta opinião de que ambos os lados deveriam cessar a violência sem pré-condições. Com o seu roteiro, Lavrov mostra a quem o Brasil está alinhado nessa questão.
O chanceler Mauro Vieira afirmou não concordar com a fala do porta-voz da União Europeia, dizendo-se surpreso com a interpretação sobre as falas de Lula e sobre a visita de Lavrov. “Na conversa tanto comigo quanto com o presidente, não entramos em questões de guerra, entramos em questões de paz”. Se para você isso soa a 1984 (“guerra é paz”), você está superestimando esse governo. Trata-se apenas de um anti-americanismo juvenil, que se presta a ser lobista de Putin (na feliz expressão de Rodrigo da Silva) só para marcar uma posição contra o “imperialismo”.