Somente a brisa suave resolve os problemas

“Casta política, estupida e inútil”. Assim Javier Milei, o vitorioso das prévias argentinas, se referiu ao sistema político tradicional, que vem fracassando na tarefa de estabilizar a economia argentina. Seu plano econômico, além das promessas de “cortar gastos públicos”, envolve a eliminação do Banco Central e a dolarização da economia.

Milei me faz lembrar um político brasileiro que também se apresentava como anti-sistema e que tinha um plano para acabar com a inflação: Fernando Collor. Collor gastou sua única bala, como gostava de dizer, fazendo o confisco dos haveres dos brasileiros. Não funcionou, como sabemos, e o sistema político expeliu aquele objeto estranho.

Em matéria de economia, grandes arroubos voluntaristas não costumam funcionar. Desde o “tem que dar certo!” de Sarney, seguido de vários congelamento de preços, até culminar com o confisco de Collor, os planos “definitivos” esbarram na resposta dos agentes econômicos, que procuram se defender da melhor maneira possível. Enquanto a disfuncionalidade do Estado não é endereçada, todas as pirotecnias servem somente para distrair os incautos. Milei parece ser desse estilo pirotécnico, mas posso estar enganado.

Resolvemos o problema da hiperinflação no Brasil com uma reforma monetária que quase não causou impacto para os agentes econômicos, e com muito trabalho de saneamento do Estado, principalmente no nível subnacional. A LRF só foi possível depois de fechar a torneirinha dos bancos estaduais. E, claro, houve também um aumento brutal da carga tributária, pois não ocorreu propriamente uma contenção de gastos, mas apenas a sua explicitação e, portanto, a base para o seu controle. Hoje temos um nível de controle muito maior sobre as finanças públicas do que havia antes do Real, o que torna mais difícil a vida de governantes que queiram gastar.

Discursos contra “a classe política” não costumam dar muito certo. O grande mérito de FHC foi ter convencido a classe política de que o ajuste era necessário, e tê-lo implementado ao longo dos anos. Longe de ter sido um trabalho perfeito, mas foi na direção correta. Tem uma passagem do Velho Testamento que conta que o profeta Elias estava procurando a Deus, mas este não se encontrava no fogo ou no terremoto, mas na brisa suave. Em economia, é a brisa suave e perseverante que resolve os problemas, e não o fogo ou o terremoto, que destroem tudo.

Receita para aumentar a audiência das lives de Lula

Mesmo com apoio da EBC… como se aquele cabide de empregos fizesse alguma diferença para alguma coisa.

O fenômeno da maior popularidade de Bolsonaro nas redes, se comparada à de Lula, não é de hoje, sempre foi assim. A reportagem chama a atenção para o fato mas não explora os eventuais motivos. Está aí uma pauta que seria interessante ser explorada.

A explicação de que os bolsonaristas mais gostam é que Bolsonaro simplesmente é mais popular que Lula, o que seria, inclusive, uma evidência de que as eleições de 2022 teriam sido roubadas. O problema dessa “explicação” é que se popularidade nas redes (ou na TV ou em qualquer mídia) fosse garantia de voto, bastava escalar os maiores influencers para concorrer em eleições majoritárias. Luciano Huck ensaiou mais de uma vez, mas não teve coragem. Quem sabe Felipe Neto não se anima? Desconfio que, em uma eleição entre Bolsonaro e Felipe Neto, a diferença de votos entre os dois seria muito menor que a razão entre o número de seus seguidores.

Na falta de uma análise mais técnica, eu tenho minha hipótese: as lives de Lula têm pequena audiência porque são um porre. Já tentou assistir? É muito chato. Um formato produzido, com jornalista profissional, engomadinho, não tendo nada a ver com o personagem, que está claramente pouco à vontade ali. Bolsonaro fazia a coisa improvisada, trazia sanfoneiro, entrevistava os ministros, enfim, tinha um certo ar de pastelão que atraía o público, além de seus fãs de carteirinha. Minha orientação para o Lula seria ele se livrar de toda essa parafernália e gravar as lives em um bar ou em um churrasco, falando de maneira solta, como ele fala com os amigos, de preferência meio alto. Claro que, sem controle nenhum, a torneirinha de asneiras jorraria sem parar, para a alegria de seus adversários. Mas garanto que a audiência aumentaria exponencialmente. Não, não vai acontecer, o que é uma pena.

A corrida dos ratos

Ontem o Estadão publicou uma matéria descrevendo um estudo apresentado no Congresso da Sociedade Americana para a Nutrição, que acompanhou mais de 700 mil veteranos, de 40 a 99 anos de idade, entre 2011 e 2019. O estudo concluiu que 8 hábitos podem adicionar até duas décadas de vida. São eles:

  1. Não fumar
  2. Praticar exercícios físicos
  3. Contar com boas relações pessoais
  4. Não ter episódios frequentes de abuso do álcool
  5. Ter boas noites de sono
  6. Manter uma dieta saudável
  7. Controlar o estresse
  8. Não ter vício em medicamentos opioides

Prestou atenção na lista acima? Não parece difícil cravar uns 5 ou 6 hábitos, não é mesmo? Não para as leitoras que enviaram comentários para o jornal, colocando a culpa na “carga de trabalho” por não conseguirem adotar as práticas sugeridas. Uma, inclusive, sugere uma “legislação trabalhista humanizada”, que permitisse trabalhar menos e ganhar mais. Puxa, como ninguém teve essa ideia antes?

É realmente curioso como as pessoas encontram motivos externos (no caso, a falta de dinheiro) para não fazer coisas que estão ao seu alcance. A classe média (e quem lê o Estadão pertence à classe média) está em uma interminável “corrida dos ratos”, sempre procurando a próxima coisa para comprar. Não é à toa que sempre falta dinheiro, levando ao estresse, à perda do sono, à alimentação inadequada, à bebida, aos opioides. Existe uma ilusão de que, se ganhássemos mais, teríamos condições de comprar tudo o que precisamos. Aí, então, poderíamos seguir os 8 hábitos saudáveis e seríamos felizes. Ilusão. A “corrida dos ratos” não acaba nunca. Ou melhor, acaba no momento em que dizemos “enough is enough”, momento em que nos libertamos de nós mesmos. Desculpe-me se isso parece auto-ajuda barata, mas é a realidade.

Gostaria de dizer para as duas leitoras que, se forem esperar uma espécie de dádiva do céu (ou do governo) que lhes permita ganhar mais com menos trabalho, provavelmente não sairão do lugar. Se queremos ganhar mais para comprar mais, precisamos trabalhar mais, essa é a lei da vida. Trata-se de uma escolha.

Um governo vintage

E temos um novo PAC na praça. Nenhuma surpresa. Em seu governo vintage, Lula continua montando o seu antiquário com peças trazidas de um passado glorioso, como se a repetição de nomes tivesse o condão de trazer o passado de volta.

Há uma grande diferença entre o PAC original e a peça que foi trazida ontem, com pompa e circunstância, para o Museu Lula: os bolsos profundos do Estado brasileiro, via Petrobras e BNDES, já não existem mais. O PAC original funcionou por um tempo porque a Petro investiu como se não houvesse amanhã em projetos pra lá de duvidosos, e o BNDES emprestou centenas de bilhões de reais a juros subsidiados. Hoje, a Petrobras está muito mais limitada em seus planos de investimento, enquanto a capacidade de subsidiar juros por parte do Estado é praticamente inexistente.

Lula, em seu discurso de inauguração da nova peça no seu museu, afirmou que os empresários não têm medo de um Estado empresário. Verdade, para aqueles que conseguem uma linha subsidiada no BNDES ou se tornam fornecedores da Petrobras. Para os restantes, resta pagar juros mais altos, que é o resultado inexorável de todo esse processo.

Mas, fiquemos tranquilos: o novo PAC não passa de uma peça de museu inofensiva. Todos os investimentos listados já seriam realizados se não houvesse a marca PAC, como a prospecção da Petrobras na margem equatorial, o túnel Santos-Guarujá e a compra de ônibus escolares, todos investimentos citados na matéria. O PAC serve, como disse no início, para dar aquela impressão de que os “good old days” voltaram. É só mais uma iniciativa simbólica do governo vintage.

Contabilidade para lá de criativa

Imagine, por um momento, que o governo federal deixasse de pagar os salários do funcionalismo por 3 meses. A “economia” seria de aproximadamente R$ 80 bilhões, que poderiam ser usados para outros fins, como investimentos e programas sociais. Ou, se não fossem gastos, esse dinheiro diminuiria o déficit primário do governo.

Mas claro, como é de se prever, o judiciário não deixaria que isso acontecesse, e obrigaria o governo a pagar os salários atrasados. Essa decisão geraria uma dívida, chamada de “precatório”. Mas, por uma manobra contábil que virá embalada em uma PEC, essa despesa, que antes era primária, se transformará em uma “despesa financeira”. Para deixar claro, neste exemplo, o salário do funcionalismo seria equiparado aos juros da dívida pública, que não tem nenhum teto.

O exemplo é extremo, mas não falso. Todo precatório tem sua origem em uma despesa primária que o governo incorretamente não executou, ou, o que é mais comum, uma receita primária (imposto) da qual o governo se apropriou indevidamente. Fazer equivaler isso à despesa com juros é abrir uma caixa de Pandora. O governo Bolsonaro aventou essa hipótese, mas a abandonou e decidiu por simplesmente dar um calote organizado nessas dívidas.

Muitos questionam porque deve haver um limite para despesas primárias e não para os juros da dívida. A resposta é simples: o gasto com os juros não é controlado pelo governo, pois depende da taxa de juros cobrada pelos financiadores da dívida. Já a despesa primária é controlada pelo governo. Não quer pagar uma montanha de juros? Simples: faça menos dívidas.

O superávit primário é necessário justamente para pagar os juros da divida, de modo que a dívida não entre em uma trajetória explosiva. Se os precatórios forem somados aos juros, será necessário MAIS superávit primário para estabilizar a divida, não menos, ao contrário do que pensam os gênios que tiveram essa ideia. No final do dia, o que importa é a dinâmica da divida, ou seja, como ela cresce ou diminui. Classificar os precatórios como “juros” é apenas um artifício contábil que não resolve o problema de fundo, apenas o varre para debaixo do tapete.

Penso, logo existo

Eu já tive essa experiência. Estava escrevendo um artigo sobre o MMT (Modern Money Theory) e, para embasar minha crítica, precisava ter acesso a artigos acadêmicos sobre o tema. Já havia sido frustrado pelo Google Scholar, quando tive uma ideia: por que não perguntar ao ChatGPT? Foi o que fiz e, para minha agradável surpresa, a geringonça cuspiu, quase que instantaneamente, 10 artigos sobre o tema. Fiquei animado, até que fui tentar encontrar os tais 10 artigos. Nenhum deles existia. Alguns nomes de autores eram verdadeiros, e remetiam a textos que estavam longe de serem acadêmicos. Outros sequer existiam. Descobri, então, que o ChatGPT não é um substituto para o Google. No Google, você tem acesso à fonte da informação. O ChatGPT, por outro lado, é uma caixa preta, de onde saem informações impossíveis de serem checadas.

Também já tentei usar o ChatGPT como programador. Ele se saiu muito bem na primeira tarefa que lhe dei, bem simples: criar uma macro no Excel para fazer o download de uma série de planilhas de um site e salvá-las com determinado nome em um diretório. A segunda etapa, no entanto, foi um fiasco. Ele precisava criar uma planilha a partir daquelas planilhas todas, com base em alguns critérios. Descobri que o ser humano é que precisa ser o programador, o ChatGPT só escreve as linhas de código. Se você não especificar o passo a passo bem detalhado, não sai nada. Aliás, sai qualquer coisa, menos o que você precisa. Para um programador humano, você simplesmente diz o que precisa, e ele determina o passo a passo necessário para atingir o objetivo. Não com o ChatGPT. (O Bard, do Google, saiu-se ainda pior: depois de duas tentativas, ele simplesmente recusou-se a continuar, dizendo que poderia produzir apenas textos, não códigos de programação).

Esses algoritmos de “linguagem generativa” passam a impressão de “inteligência”, na medida em que imitam, com perfeição, o output de um processo inteligente, que ocorre dentro de uma mente humana. Mas trata-se somente de uma ilusão: não houve um processo “inteligente”, houve apenas uma combinação de palavras com base em um algoritmo. Isso não é o que ocorre dentro de uma mente humana. Ainda não sabemos o que ocorre dentro da mente humana, e talvez nunca saibamos, mas certamente não se baseia em um algoritmo pré-definido, ainda que haja algumas regras detectáveis e programáveis.

Certa vez, estava jogando com meus filhos um game chamado Detroit Become Human, em que seres humanos convivem com andróides humanoides, colocando questões éticas nessa convivência. Em determinado momento do jogo, tive que decidir sobre a morte de um androide para atingir um determinado objetivo. Sem pestanejar, decidi pela morte (um tiro na cabeça, pra deixar a coisa ainda mais dramática), para horror dos meus filhos. Para eles, aquele androide era o equivalente a um ser humano, para mim era só um monte de metal programado. Percebi, então, que a IA pode ser percebida como mais do que um algoritmo bem feito. Ou, por outra, que a mente humana não passa, no final das contas, de um algoritmo bem feito. É mais ou menos o mesmo processo que ocorre quando “humanizamos” os animais, em um fenômeno que chamo de “síndrome de Disney”. Nessa síndrome, a diferença entre os animais e os seres humanos seria apenas de escala, não de natureza. O mesmo ocorreria com a IA, com a diferença de que, nesta última, a escala humana será inexoravelmente alcançada, é só uma questão de tempo.

Eu sou old school. Para mim, a IA nunca será um ser humano, por mais sofisticado que seja o algoritmo. Trata-se de uma questão de natureza, não de escala. Uma máquina, assim como um animal, nunca poderá dizer “penso, logo existo”. A consciência humana é um milagre irreplicável.

Guilherme Boulos será o próximo prefeito de São Paulo

Eu fui dos que deram risada quando Boulos renunciou à candidatura presidencial em um acordo para receber o apoio do PT nas eleições de 2024 para a prefeitura de São Paulo. Como se acordo com o PT não fosse mais do que frases escritas na areia da praia. Bem, vou ter que engolir as risadas. Ontem, com a presença de Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad, o diretório paulistano do PT sacramentou o apoio a Boulos, ficando de fora da cabeça de chapa pela primeira vez desde a sua fundação.

Lula ganhou a eleição na cidade de São Paulo, e Ricardo Nunes é uma nulidade. Já vai se acostumando, paulistano: com o apoio do PT, Guilherme Boulos será o próximo prefeito de São Paulo.Eu fui dos que deram risada quando Boulos renunciou à candidatura presidencial em um acordo para receber o apoio do PT nas eleições de 2024 para a prefeitura de São Paulo. Como se acordo com o PT não fosse mais do que frases escritas na areia da praia. Bem, vou ter que engolir as risadas. Ontem, com a presença de Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad, o diretório paulistano do PT sacramentou o apoio a Boulos, ficando de fora da cabeça de chapa pela primeira vez desde a sua fundação.

Lula ganhou a eleição na cidade de São Paulo, e Ricardo Nunes é uma nulidade. Já vai se acostumando, paulistano: com o apoio do PT, Guilherme Boulos será o próximo prefeito de São Paulo.

Onda imigratória estadunidense

Não é por outro motivo que vemos um fluxo cada vez maior de cidadãos estadunidenses imigrando para os países da América Latina que possuem um sistema universal de saúde gratuito. Devemos recebê-los com os braços abertos, trata-se de uma questão humanitária.

As seleções que jamais existiriam

O Itaú fez publicar uma propaganda em que seleções femininas de futebol criadas por IA aparecem nos anos seguintes aos das conquistas da Copa do Mundo pela seleção masculina. Na última página, a informação: o futebol feminino foi proibido no Brasil por 40 anos, razão pela qual aquelas seleções não existiram. Os anúncios querem sugerir que, não fosse proibido no Brasil, as mulheres brasileiras teriam conquistas tão grandes quanto os homens no esporte. A proibição teria feito com que perdêssemos o bonde da história, com outros países avançando enquanto as brasileiras estavam condenadas a ficar em casa fazendo crochê. Comovente, mas falso.

O decreto-lei de 1941 que proibiu a prática de esportes “incompatíveis com a condição feminina” estava em linha com a prática global. A Inglaterra, por exemplo, baniu o futebol feminino em 1921, levantando a proibição somente em 1971. E não estava sozinha, essa era a norma. Os EUA não chegaram a proibir o esporte, mas o comportamento social da época fez com que o futebol feminino decolasse naquele país somente na década de 70.

O primeiro torneio feminino de futebol patrocinado pela FIFA ocorreu somente em 1988, e a primeira Copa do Mundo em 1991. O esporte debutou nas Olimpíadas somente em 1996. Em resumo, mesmo que o esporte não tivesse sido proibido no Brasil, não haveria copas de 1959, 1963 e 1971. Aliás, naquele primeiro torneio de 1988, o Brasil ficou em terceiro lugar, o que demonstra que o período de banimento não fez a seleção brasileira ficar muito atrás de outros países.

Claro, isso não tira o mérito de fundo da campanha. As mulheres no mundo inteiro ficaram para trás no futebol, e só começaram a conseguir seu lugar ao sol depois da revolução de costumes do final da década de 60. Mas, e este é o ponto, não se trata de algo devido exclusivamente ao machismo brasileiro. Aliás, não deixa de ser irônico que o banimento tenha sido decretado pelo queridinho das esquerdas progressistas, Getúlio Vargas, enquanto o levantamento da proibição tenha se dado em 1979, durante o governo ditadorial de João Figueiredo. O que demonstra que, por vezes, nada é o que parece ser.

Torneirinha de asneiras

A boneca Emília, criação do genial Monteiro Lobato, de vez em quando desatava a falar bobagens. Tia Nastácia, a boa empregada de Dona Benta, dizia que, nesses momentos, Emília abria a “torneirinha de asneiras”.

Lembrei da personagem ao ler a reportagem abaixo, que transcreve trechos de uma entrevista de Lula para jornalistas estrangeiros. Tentei destacar um ou outro trecho, mas desisti. São muitas e variadas as asneiras, que botariam Emília no chinelo. Colo, então, a matéria completa, para que vocês vejam que não estou exagerando. A “torneirinha de asneiras” de Lula está mais para uma “lavadora de alta pressão de asneiras”.