Estou lendo Contas Públicas no Brasil, um livro organizado por Felipe Salto e Josué Pellegrini, com artigos escritos pelos maiores especialistas em políticas públicas no Brasil.
O capítulo sobre benefícios sociais, escrito por Pedro Jucá Maciel e Guilherme Ceccato, é muito esclarecedor, para não dizer estarrecedor.
Em primeiro lugar, os autores medem o tamanho dos “gastos sociais” no Brasil, incluindo,transferências diretas às famílias (aposentadorias, BPC, bolsa família etc) e gastos diretos com com saúde, educação, cultura e saneamento, incluindo os funcionários públicos dessas áreas. Em 2018, de todas as despesas do governo central, cerca de 70% foram para as rubricas de “gastos sociais”. Ou seja, cerca de 30% das despesas são queimadas para sustentar a própria máquina governamental.
Em seguida, os autores fazem uma comparação internacional a respeito da efetividade do governo na função de distribuir renda, tanto do lado da tributação (distribuição justa da carga tributária) como das transferências diretas do governo para a população (aposentadorias, seguro desemprego, BPC, bolsa família etc). Essa efetividade é medida pela melhora do índice de Gini após a tributação/distribuição. O índice de Gini, como sabemos, mede a desigualdade de renda: quanto mais próximo de 1, mais desigual é a distribuição, quanto mais próximo de zero, menos desigualdade temos.
O Brasil, antes dos impostos, tem Gini de 0,58 (dados de 2017). A média dos países da OCDE é de 0,47. Os autores atribuem essa diferença ao grau de acesso à boa educação, que já separa no berço ricos e pobres. Os mais pobres nos países da OCDE teriam acesso à educação mais semelhante aos mais ricos, explicando a diferença inicial. Até aqui, nenhuma novidade.
O interessante vem agora. Depois da cobrança de impostos e das transferências governamentais, o Gini médio dos países da OCDE cai para 0,31, enquanto o Gini do Brasil cai para 0,47. Ou seja, os países da OCDE conseguem reduzir seu Gini em 0,16, ao passo que o Brasil reduz o seu Gini em apenas 0,11. Isso acontece mesmo ajustando-se pelo tamanho da carga tributária de cada país. Em outras palavras, o estado brasileiro é menos eficiente do que a média da OCDE na sua função redistributiva.
Os autores dão alguns exemplos que ajudam a entender o problema. Por exemplo, o imposto sobre o consumo, que tributa horizontalmente, é maior no Brasil do que nos países da OCDE, ao passo que o imposto sobre a renda, que é progressivo, tem aqui as menores alíquotas, além de contar com muitas isenções. Outro exemplo: de todas as transferências diretas, 30% vão para os 10% mais pobres, enquanto na média dos países da OCDE, este número é de 70%. Isso acontece por conta dos benefícios da previdência, que tem regras generosas para os trabalhadores formais, deixando os informais dependendo de transferências menores, como bolsa família e BPC.
Enfim, a desigualdade brasileira é uma realidade irrefutável. Claro que o crescimento econômico é desejável e mitigaria o problema da pobreza, mas há muito o que se fazer também em termos de redistribuição sem necessariamente aumentar a carga tributária. O problema, como sempre, é mexer na renda do “andar de cima”, em que nos incluímos todos os que frequentam essa página. Apontar o dedo para ”os políticos” ou “para as corporações de funcionários públicos” é fácil. Difícil é aceitar receber menos aposentadoria ou pagar mais imposto de renda.
PS.: Reconheço que não é nada animador topar pagar mais imposto para um estado como o brasileiro. Trata-se de um bom motivo para manter o status quo.