Poucos dias podem se arrogar o título de divisor de águas, um marco entre o “antes” e o “depois”. Um desses dias certamente é amanhã, quando será votado (e, se Deus quiser, aprovado) o novo marco regulatório do saneamento. Este marco define metas de universalização dos serviços de água e esgoto e exige licitação para a contratação de empresas para a prestação desses serviços.
Há dois tipos de resistência a esse projeto, que dorme nas gavetas do Congresso há anos.
A primeira é aquela exercida pela esquerda jurássica, que defende que água é um bem essencial e que, portanto, não pode ser “mercantilizada”, capturada pelos interesses privados. Para esses dinossauros, cobrar tarifas pela água é o cúmulo do capitalismo selvagem. Defendem que o Estado seja o fornecedor do serviço. E quando confrontados com o fato de que o Estado não tem sido capaz de entregar o Nirvana, afirmam que outro mundo é possível, o que quer que isso signifique.
O fato é que o Brasil passou anos sendo governado por essa esquerda e, mesmo hoje, grande parte dos governadores do Norte/Nordeste são desses partidos da “garantia dos direitos básicos”. Coincidência ou não, são as regiões onde encontra-se o maior déficit nos serviços de saneamento.
Acho graça quando dizem que “as tarifas vão aumentar” por conta da privatização. Ora, a tarifa mais cara é aquela de um produto inexistente. O artigo de Pedro Fernando Nery mostra o alto custo de não se ter a universalização de um serviço tão básico. E o problema da tarifa mais alta pode ser facilmente resolvido através de subsídios para as famílias mais pobres, coisa já feita com a eletricidade e o gás, por exemplo. Mas nada disso resolve o problema ideológico. Esse não tem cura.
O segundo foco de resistência é muito menos poético mas é, de longe, o mais duro de vencer: o amor que os políticos têm pelas empresas estatais, que servem para abrigar seus correligionários, amarrar suas redes de lealdades e, como brinde, posar de benfeitores da população. Enquanto a resistência ideológica faz barulho mas tem pouca relevância, a resistência prática é a que fez esse projeto dormir em berço esplêndido durante anos. Chegamos a um ponto que não dá mais para adiar a solução desse problema que envergonha qualquer brasileiro decente, mas fazer esse pessoal largar o osso não é fácil.
Amanhã será um grande dia no Senado. Vamos torcer para que o Brasil dê finalmente um passo à frente nessa matéria.