Por ocasião do discurso de Bolsonaro na ONU, várias agências de fact checking saíram a campo para checar as afirmações do presidente. Algumas foram classificadas como “verdadeiras, mas falta contextualizar”. Por exemplo, a afirmação “o Brasil vai crescer 5% neste ano” é verdadeira, mas faltaria dizer que as previsões para 2022 estão ficando cada vez mais pessimistas. Alguém consegue imaginar Bolsonaro dizendo “estamos muito bem esse ano, mas ano que vem iremos muito mal”?
Bem, se a moda da “contextualização” pegar, uma boa parte das notícias (supostamente algo a que devemos prestar atenção) virarão uma “não notícia”. É o caso dessa manchete: “Prevent está entre as operadoras com mais processos na ANS”.
Segundo a matéria, a operadora está em 39o lugar entre as mais reclamadas pelos usuários e em 7o lugar em número de processos. A reportagem não explora o porquê dessa diferença entre número de reclamações e de processos, o que seria o mínimo para contextualizar o dado. Mas, sigamos.
Fui pesquisar um dado básico para interpretar esses números: as maiores operadoras do país. A tabela abaixo mostra que a Prevent é a 8a maior, o que torna o seu 7o lugar em número de processos absolutamente compatível com o seu tamanho. Incompatível era a sua posição anterior, que mostrava uma satisfação dos clientes bem acima da média.
O aumento das reclamações poderia ser alvo de uma reportagem, mas não o número em si. Aliás, 150 reclamações por mês resulta em 1.800 por ano, o que representa 0,3% da base de clientes da operadora. Este número não me parece especialmente alto, mas caberia aqui uma pesquisa sobre satisfação de clientes de outras operadoras, o que, obviamente, o jornalista não fez, pois, se fizesse, provavelmente se depararia com uma “não notícia”.
É interessante como a imprensa exige de políticos uma narrativa absolutamente fidedigna da realidade, como se políticos não fossem agentes que, por natureza, criam narrativas edulcoradas para ganhar votos. Cabe aos formadores de opinião e às pessoas em geral separar o joio do trigo no discurso dos políticos. Ou alguém imagina políticos dando tiros no próprio pé em nome da “verdade dos fatos”?
Por outro lado, espera-se da imprensa a correta contextualização das notícias. Aqui não cabe edulcorar ou carregar nas tintas, mas, simplesmente, informar da forma mais imparcial possível. Essa reportagem sobre a Prevent mostra, em sua falta de contextualização, uma “notícia” que entra no campo da narrativa política. Aí já não é mais jornalismo, é militância.