O onipresente Centrão

Resumindo as análises que li até o momento: a aliança de Alckmin com o Centrão lhe dá uma vantagem imensa na campanha (tempo de TV e alianças regionais), mas lhe custará um preço muito alto depois de eleito, em termos de demandas fisiológicas.

Muito bom.

Quero saber qual dos candidatos postos vai governar sem o Centrão.

Outro dia, li a reposta que João Amoêdo (que é o meu candidato) deu a esta pergunta. Era mais ou menos o seguinte: “Vamos explicar para a população que não estamos conseguindo aprovar nada porque não estamos distribuindo cargos. As pessoas vão sair às ruas para protestar”. Ok, nice try.

O Centrão é onipresente na política brasileira. Sempre foi. FHC teve que negociar com o Centrão. Lula não só negociou com o Centrão como deu ao PMDB/PP nacos saborosos do butim da Petrobras. Dilma tentou dar uma rasteira no Centrão e foi impichada.

Então, qualquer que seja o vencedor, terá que negociar com o Centrão, nos termos do Centrão. Alckmin leva duas vantagens ao se associar ao Centrão antes das eleições: aumenta suas chances de chegar lá e não poderá ser acusado de estelionato eleitoral. Quem vota em Alckmin, sabe que está votando no Centrão. Quem não vota em Alckmin, não sabe que também está votando no Centrão.

Coerência

Bolsonaro cortejou o PR de Valdemar da Costa Neto. Quando recebeu um pé no traseiro, afirmou que “sua aliança era com o povo”.

Ciro cortejou os partidos do “Centrão”. Quando recebeu um pé no traseiro, Carlos Lupi, presidente do seu partido, afirmou que “o doce poderia estar estragado”.

O fato de esses partidos terem procurado o que há de pior no fisiologismo brasileiro mostra, em primeiríssimo lugar, que o tal fisiologismo não tira voto. Ou, pelo menos, o tempo de TV é visto como um ativo muito mais importante do que a suposta perda de votos pela associação com o fisiologismo. Se é que há perda relevante de votos.

Assim, os candidatos “anti-establishment” se digladiam pelo apoio do “establishment” em busca de votos. Movimento legítimo em uma democracia, desde que consigam explicar a aparente contradição para o distinto público.

Nesse sentido, quatro candidatos parecem mais coerentes: Alckmin, Meirelles, Manuela e Amoêdo. Os dois primeiros porque não negam sua ligação com o establishment, quem está votando sabe o que está comprando. Manuela e Amoêdo porque têm uma agenda que não se mistura, mesmo que isso signifique permanecer nanico. Aqui também fica claro o que se está comprando.

A coerência é um ativo intangível importantíssimo para a governabilidade. Que o diga Dilma Rousseff, que se elegeu com um discurso e governou com outro.

A perseverança no caminho democrático

O que vai abaixo é um trecho do editorial do Valor de hoje.

O editorialista nem se deu conta de quão próxima está a sua posição da de Bolsonaro. O candidato do PSL investe em uma ligação direta com o povo por conta do “apodrecimento do sistema partidário”. Não por outro motivo, Bolsonaro não conseguiu se coligar a ninguém (não que não tivesse tentado). Tanto um quanto o outro menosprezam o sistema de partidos. Ou, antes, gostariam de ver partidos “limpinhos”, “puros”, que é a semente do pensamento autoritário.

O sistema de partidos é um dos pilares (ao lado da separação de poderes e de uma imprensa livre) de qualquer regime democrático. Fazer coligações com vistas a implementar programas de governo é a regra do jogo em qualquer sistema com mais de dois partidos. Basta ver as idas e vindas de Angela Merckel na Alemanha para montar um governo.

“Ah, mas aqui os deputados só querem se locupletar”. Não é verdade. Basta ver a ginástica retórica que Ciro Gomes está sendo obrigado a fazer para tentar se coligar ao Centrão. Se fossem só cargos, ele poderia continuar com seu discurso incendiário muito ao gosto das esquerdas e mesmo assim se coligar com o DEM. Não vai acontecer.

É muito fácil ficar sentado na poltrona e apontar o dedo para os políticos de um “sistema partidário apodrecido”. Esquecemos que esses mesmos políticos não sugiram de geração expontânea nem vieram de Marte. Estão lá porque os brasileiros, nós, os colocamos lá. E se, por um milagre da natureza, houvesse 100% de renovação do Congresso, os novos deputados se mostrariam tão ruins como os que foram substituídos. E pode mudar sistema, de proporcional para distrital ou mesmo sorteio: a coisa não vai mudar, porque de massa podre não sai bolo bom. O Congresso reflete o Brasil e os brasileiros, com suas ideias, defeitos e contradições.

Lula foi o último a apostar na “ligação direta com o povo”. Como tinha que lidar com o Congresso, comprou-o. Esta sensação de que “nenhum político presta” é a consequência lógica de um sistema autoritário, onde a “ligação direta com o povo” substitui os partidos. Lula e Bolsonaro têm mais em comum do que seus seguidores estão dispostos a admitir. A diferença é que Bolsonaro ainda não chegou ao poder, está ainda na fase dos “300 picaretas no Congresso”.

Mas não sou pessimista. Se perseverarmos no caminho da democracia, não cedendo à tentação da “ligação direta com o povo” (que é o caminho de todo autoritarismo), criaremos com o tempo uma cultura política no país, através dos canais regulamentares, dentre os quais se incluem os partidos. Sim, estes mesmos que estão aí, com esses políticos que estão aí. Não há atalhos.

O mundo mágico das leis

“Direitos conquistados não podem ser retrocedidos […]. Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro”.

Com essas palavras, e com sua caneta toda-foderosa de ministra de plantão, a Excelentíssima Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, suspendeu liminarmente, em ação da OAB, resolução da ANS que estabelecia regras para a cobrança de franquia e co-participação dos usuários de planos de saúde.

Saúde é um problema no mundo inteiro. E isso por um motivo muito simples: “saúde não é mercadoria”, mas mesmo assim custa dinheiro. Como a demanda por saúde é infinita (todos querem viver para sempre com boa saúde), mas a oferta é finita, não há preço que equilibre oferta e demanda. Mas é preciso cobrar um preço, pois os operadores da saúde não vivem de brisa. Nesse sentido, saúde é sim uma “mercadoria”, e deve ser tratada como tal. Caso contrário, sua oferta desaparece.

A Ministra fala de “direitos conquistados”. Há dois tipos de direitos: os políticos e os econômicos. Os políticos são gratuitos: direito ao voto, direito à livre expressão, direito de reunião etc. Estes direitos se conquistam pela capacidade das sociedades de se organizarem e se livrarem de tiranias. Já os direitos econômicos somente são “conquistados” quando a oferta de produtos e serviços é viável economicamente. Caso contrário, são “direitos conquistados” apenas no papel.

Cansamos de ver isso no Brasil. A saúde talvez seja o melhor exemplo: se dependesse da Constituição, teríamos o melhor sistema de saúde do planeta. Só que não. A saúde (assim como a educação, a alimentação, o saneamento básico, o transporte, a justiça e uma longa lista de etceteras) é tratada na Constituição como um “direito”, não como uma “mercadoria”. Por isso, não sai do papel.

A Ministra acha um absurdo que os operadores da saúde obtenham lucro (que palavra tão feia!) com a sua atividade. Ora, sem o lucro, não há viabilidade econômica. E sem viabilidade econômica, não há oferta da “mercadoria”. Assim, o tal “direito conquistado” continuará ficando no papel. Especificamente no caso da norma da ANS, o que há é uma bem-vinda flexibilização: nem todos podem arcar com os custos de um plano sem co-participação e sem franquia. O que a Ministra e a OAB querem é que exista um só tipo de plano que cubra todas as doenças, todos os hospitais, sem franquia e sem co-participação, e que seja suficientemente barato para que todos possam adquiri-lo. Sim, eu também quero viajar para Marte e voltar em um fim de semana…

Ao exigir que os planos de saúde sejam perfeitos, a Ministra, na prática, exclui grande parte da população de uma parcela dos benefícios pelos quais poderia pagar. É mais ou menos o que acontece quando a legislação trabalhista coloca no papel uma série de “direitos adquiridos” do trabalhador, mas que, na prática, são inviáveis do ponto de vista econômico. O resultado é que somente uma elite tem acesso a esses direitos, enquanto o restante da população vive à margem da “legislação perfeita”. A nova legislação trabalhista nada mais fez do que reconhecer a realidade econômica, permitindo emprego “de carteira assinada” a pessoas que, antes, estavam fora do sistema formal.

“Vida não é negócio”. Frases de efeito são bonitas de se ler, mas não resolvem o problema daqueles que não têm emprego vitalício, plano de saúde custeado pelo governo, auxílio-moradia e outras prebendas. Ao insistir em uma visão de mundo em que os “direitos” são “conquistados” na base de belos discursos e canetadas, a Ministra Carmén Lúcia joga para o horror do SUS parcelas cada vez maiores da população, que não podem pagar pelo “plano de saúde perfeito” que só existe no mundo mágico das leis.

O paraíso atualizado

Mendigos são presos na Dinamarca por duas semanas.

Dinamarca é aquele paraíso, ao lado de Suécia e Noruega, onde o socialismo “deu certo”. Pelo menos é o que afirmam os socialistas que não sujam o shortinho, vulgo social-democratas.

O jornalista teve o cuidado de afirmar que a lei foi aprovada “somente com o apoio da direita”, numa tentativa tosca de preservar imaculado o santuário. Como se uma lei em uma democracia pudesse ser aprovada somente com os votos de um grupelho minoritário radical.

As definições de Estado de Bem-Estar Social foram atualizadas com sucesso.

O “erro” do PT

A “confissão” da estudante de filô não poderia ser mais clara: o PT não precisaria agir da forma que agiu se não tentasse se perpetuar no poder em um sistema capitalista, gerando “contradições”. Por “sistema capitalista” entenda-se judiciário não aparelhado e imprensa livre.

Para aqueles que, como FHC, acham Haddad um bom moço, um “quadro moderado” dentro do PT, não custa lembrar que esse partido não joga o jogo democrático. Uma vez no poder, toma conta das instituições com o objetivo de transformá-las em servidoras de seu projeto. Para quem não sabe qual é esse projeto, basta dar uma olhada na Venezuela.