Não foi por falta de aviso

O editorial do Estadão sobre a diplomacia petista revela que o governo Biden ofereceu colocar por escrito o apoio à entrada do Brasil na OCDE no comunicado conjunto após a visita de Lula aos EUA. O governo brasileiro vetou.

O editorial coloca o veto na conta do incômodo do PT com “instrumentos de governança pública”. O mesmo incômodo, completo eu, que o PT tem em relação à autonomia do BC, à lei das estatais e à independência das agências reguladoras.

Mas seria injusto dizer que o PT não aprecia todas as “boas” práticas internacionais. Lula, por exemplo, já se mostrou fã das práticas do governo chinês, por exemplo. O mesmo editorial cita a fala de Lula, em que conclama Biden a encontrar um meio de “obrigar” Congressos e empresários a acatarem as suas decisões. Xi Jinping curtiu.

Esse é Lula, esse é o PT. O pacote para “salvar a democracia” vinha junto com essa ojeriza às boas práticas de governança pública e a esse viés autoritário. Muitos se deixaram enganar com Alckmin como vice da chapa, sinal de que, dessa vez, a coisa seria diferente. Não foi por falta de aviso.

O poder paralelo das agências reguladoras

É bem conhecida a passagem da Odisseia em que Ulisses se fez amarrar ao mastro do seu navio para não sucumbir ao canto das sereias. Trata-se de uma alegoria para ilustrar a luta dos homens contra o poder das tentações.

Lembrei dessa passagem quando vi mais um presidente revoltado contra o “poder paralelo” das agências reguladoras. Bolsonaro pergunta se as agências reguladoras têm mais poder que o presidente ou o Congresso.

Não foi original. Lula já tinha atacado o “poder paralelo” das agências, assim como Dilma. Ambos ajudaram a enfraquecer as agências reguladoras, caminho aparentemente seguido por Bolsonaro. Nenhum dos três parece ter entendido o papel das agências.

As agências reguladoras de Energia Elétrica, Telecomunicações e outras foram criadas por FHC para estabelecerem critérios técnicos de concorrência e preços em seus respectivos setores. Não há absolutamente nenhuma concorrência com o papel reservado ao Presidente ou ao Congresso, que têm o poder de determinar onde o Orçamento Público será gasto, o que não é pouco.

O exemplo mais claro de agência independente é o Banco Central. Estamos discutindo a independência do BC, para que as decisões dessa agência não estejam ligadas aos interesses populistas do governante de plantão. O mesmo ocorre com as outras agências: devem ser independentes para tomarem as decisões mais adequadas do ponto de vista técnico dentro dos seus respectivos campos. Não se trata de “ditadura das agências”, mas de amarrar o governante ao mastro do navio para evitar de cair na tentação de adotar políticas populistas que podem até funcionar no curto prazo, mas são deletérias para a economia em prazos mais longos. Estamos cheios de exemplos nessa pobre América Latina.

Vejamos como isso se aplica ao caso específico dos subsídios aos painéis solares (“taxa do sol” é nome fantasia usado para confundir os incautos). A Aneel fez estudos técnicos e concluiu que os subsídios começam a não fazer sentido e estão onerando demasiadamente os consumidores. Então, propôs um cronograma de transição para a redução desses subsídios. Até aqui, estamos falando dos preços da energia elétrica, que são fruto de políticas determinadas pela agência reguladora, com base em leis aprovadas no Congresso.

Agora, se Bolsonaro ou o Congresso quiserem manter o subsídio, podem aprovar recursos no orçamento para tal. Deixariam, assim, explícito o custo da bondade, que precisaria sair diretamente dos cofres públicos, e não cobrados às escondidas dos consumidores de eletricidade. Mas, sabe como é, populismo que é bom é aquele que não mostra os seus custos.