Não importa se novo ou velho, só precisa é funcionar

Corre uma disputa de narrativas entre economistas liberais e desenvolvimentistas a respeito das políticas de incentivos governamentais à indústria. Muito espertamente, os desenvolvimentistas estão colocando a discussão no campo temporal, identificando a “nova política industrial” como boa por ser moderna, enquanto os críticos estariam cheirando a naftalina, só faltando usarem perucas do século XVIII a lá Adam Smith. Podem notar: não é só Mercadante que se refere aos críticos como “anacrônicos”. Toda a turba dos desenvolvimentistas se refere aos liberais, de uma forma ou de outra, como “atrasados”. Eles estariam na vanguarda, fazendo políticas que estão agora mesmo sendo adotadas pelos países mais avançados.

Esse tipo de narrativa só serve para desviar o foco do essencial. Não importa realmente se uma política é nova ou velha, mas se funciona ou não. E não é pelo fato de Estados Unidos ou os europeus estarem agora inundando as suas economias de subsídios que torna esse tipo de política correta. O curioso é que os desenvolvimentistas fazem uma espécie de cherry picking de políticas dos países mais avançados, escolhendo somente aquelas que lhes interessam para corroborar as suas teses. Quando se tratava, por exemplo, das políticas de redução de impostos de Reagan e Trump, da austeridade fiscal de Clinton ou da desregulamentação de Bush, imitar tais políticas significava ser “subserviente a uma cartilha neoliberal”.

A questão não é se a política é nova ou velha, ou se está sendo adotada por outros países. A verdadeira questão é se a política funciona ou não. Ao se referir às políticas de subsídios como “coisa velha”, os liberais não querem dizer que tudo o que seja velho não funciona. O ponto é que essas políticas já foram testadas no passado e foram um fiasco, porque não contavam com os elementos necessários para funcionarem. Essa nova edição é mais do mesmo, razão pela qual não funcionará novamente.

Debaclé com grife

Mercadante desafia: “por que a China é o país que mais cresceu nos últimos 40 anos?”, subentendo-se que foi pela ação decisiva do Estado chinês.

Que a China tem uma economia dirigida pelo Estado não há dúvida. O problema dessa correlação é ignorar todo o resto. A China foi palco do maior processo de urbanização da história humana. Essa migração dos campos para as cidades em poucas décadas proporcionou um aumento de produtividade excepcional, o que permitiu o aumento do PIB potencial do país. O mesmo fenômeno ocorreu no Brasil entre as décadas de 30 e 70, o que fez do Brasil um dos países de maior crescimento do mundo no período (sim, já fomos a China). Além disso, com a política do “filho único”, a China antecipou o bônus demográfico, potencializando os ganhos de produtividade. Por fim, a China investiu pesado em formação de sua mão de obra, o que se reflete, por exemplo, em seus resultados no PISA.

A comparação com os EUA é ainda mais risível. A maior e mais produtiva economia do planeta pode brincar de subsídios por um certo tempo. Afinal, os EUA imprimem o dólar, o que lhes dá algum fôlego. Aqui, como na China, os estímulos governamentais são concedidos em um ambiente propício para o crescimento econômico. E, no caso dos EUA, estão longe de serem os responsáveis pelo sucesso da economia norte-americana.

Mercadante olha apenas para os subsídios e “esquece” de todo o resto. Ele acha que basta dar capital barato para as empresas e a mágica acontecerá. Já tentamos isso (R$ 440 bilhões em 6 anos), resultando na maior recessão da história brasileira. Mas sabe como é, agora vamos fazer “do modo certo”, com o auxílio de luxo de uma economista italiana. Dessa vez, nossa debacle será de grife.

Esse nome não me é estranho

Mercadante, Mercadante… esse nome não me é estranho. Ah sim, lembrei!

Mercadante foi o ministro da Ciência e Tecnologia do governo Dilma 1 que anunciou, em tom triunfante, a instalação de uma fábrica gigantesca da Foxconn para a produção de iPads, iPhones e componentes, em um investimento de US$ 12 bilhões que geraria nada menos do que 100 mil empregos no país, dos quais nada menos de 20 mil seriam engenheiros (Exame, 14/04/2011).

O ministro não fazia por menos: haveria exigência de ”parceria com o capital privado nacional para termos transferência de tecnologia” (Estadão, 25/04/2011). Afinal, queremos o desenvolvimento da engenharia tupiniquim.

Dois meses depois, o ministro admitia que haveria “algum atraso” no projeto. A empresa estaria com dificuldade de contratar engenheiros. Já havia contratado 175, faltavam 200. (Fico imaginando como seria contratar 20 mil…). O início da operação, que deveria ser em julho, foi adiada para setembro. (Agência Brasil, 17/06/2011)

Em setembro, o ministro reconhece que o projeto enfrenta dificuldades, incluindo fornecimento de energia, mão de obra qualificada e parceiros locais. Segundo Mercadante, “as condições de estrutura, tecnologia, energia, logística, é tudo muito complexo”. Além disso, “… na área de tecnologia, os sócios (brasileiros) que nós temos não têm musculatura financeira para investimentos próximos a esse valor” (Reuters, 26/09/2011). A Foxconn iria entrar com a tecnologia, o dinheiro e incentivos fiscais eram por conta dos brasileiros.

Em outubro, o ministro anunciou que seriam não uma, mas duas fábricas da Foxconn no país, para “fabricar telas”. A expectativa era começar a produção “antes da Copa de 2014”. Para surpresa de ninguém, o BNDES é mencionado como “indispensável” ao projeto e foi anunciada a redução da alíquota do IPI para tablets e a zeragem do PIS/Cofins. Afinal, tratava-se de “reindustrializar” o país. O presidente da Foxconn prometia para dezembro o início da produção de iPads no país. (Veja, 13/10/2011)

Em dezembro, Mercadante anuncia que os investimentos deverão ser da ordem de US$ 4 bilhões, e seis estados estavam disputando quem dava o maior benefício fiscal para as fábricas. O BNDES, obviamente, fazia parte das negociações. (Agência Brasil, 16/12/2011). Nem sinal da produção de iPads.

Em janeiro de 2012, Mercadante deixou a pasta para assumir a Educação no lugar de Fernando Haddad. Agora na presidência do BNDES, poderá retomar esse grandioso projeto, parado desde 2011 pela falta de uma mente com a sua visão para liderar a reindustrialização e a inovação tecnológica no país.

PS.: A Foxconn chegou a ter 10 mil funcionários em suas plantas em Jundiai, produzindo iPads e iPhones. Essa produção foi descontinuada em 2017, porque “era muito caro produzir parte na China para terminar no Brasil”, segundo a avaliação de uma consultoria. (Isto É Dinheiro, 23/06/2017). A questão da “reindustrialização e inovação tecnológica” no Brasil vai muito além de algumas linhas subsidiadas do BNDES.

O verdadeiro legado dos governos do PT

Só falta um pequeno detalhe nesse artigo: o governo Dilma, nome que não foi citado uma única vez.

Mas esse não é, nem de longe, o principal problema. O problema, de fato, é o desfile de números sem uma demonstração de causa e efeito. Por exemplo, quando diz que a dívida pública no governo FHC aumentou, sem dizer que o governo tucano foi o responsável por tirar inúmeros esqueletos fiscais dos seus respectivos armários. Ou seja, houve um reconhecimento de uma dívida que já existia. Ou quando fala das condições macroeconômicas do governo Temer, quando este, na verdade, herdou-as todas do governo daquela que não se pode pronunciar o nome. Ou ainda, quando fala do investment grade, que foi obtido justamente porque o primeiro governo Lula seguiu o receituário “neoliberal”.

A grande vantagem de termos tido um governo Dilma é conhecermos o modelo petista de governo em seu estado puro. Além disso, serviu como desaguadouro dos excessos que tiveram início no governo de seu mestre, para que não tenhamos dúvida de quem foi a culpa.

Não é que os economistas neoliberais não reconheçamos o legado dos governos do PT. Pelo contrário, reconhecemos todos eles. Talvez fosse melhor para os petistas que os esquecêssemos.

Açodamento

“Açodamento” é uma palavra chave no debate parlamentar. É como o “clinche” no boxe: o pugilista que está apanhando se agarra no adversário para interromper a luta e tomar um ar. No parlamento, quando os partidos da minoria percebem que a vaca está indo para o brejo, acusam o processo de “açodado” e pedem mais “debates com a sociedade”. Como se os parlamentares não fossem representantes da sociedade em uma democracia representativa.

Por isso me espantou que um grupo de entidades do campo, digamos, “progressista”, esteja acusando de “açodado” o processo de substituição da Lei de Segurança Nacional.

Há menos de duas semanas, um outro grupo de entidades, ligadas a partidos do mesmo campo ideológico, pedia o fim rápido da LSN. Segundo Mercadante, presidente da fundação Perseu Abramo, do PT, “o importante é que seja feito logo”.

Agora, provavelmente vendo que a nova lei está indo para uma direção que não lhes agrada, essas entidades perguntam “pra quê a preeeeeessssaaaa”?

É o que sempre digo: cuidado com seus desejos, eles podem se realizar.

Fact checking

A notinha política abaixo contém três informações:

1. Aloizio Mercadante não morreu.

2. O PT quer diálogo.

3. Lula comanda o PT de dentro da cadeia.

Das três, duas são lendas urbanas. Prove que você está apto a trabalhar para uma agência de fact checking e aponte a única afirmação verdadeira.

Ladeira abaixo

Votações do PT em SP:

1994: Zé Dirceu 15%

1998: Marta 23%

2002: Genoíno 32%

2006: Mercadante 32%

2010: Mercadante 35%

2014: Padilha 18%

2018: Marinho 8% (último Ibope)