A manchete é bombástica: nada menos do que 66% foi o aumento de crianças entre 6 e 7 anos de idade que não são alfabetizadas, entre 2019 e 2021.
No entanto, o que realmente me chamou a atenção não foi o desastre causado pelas escolas fechadas durante dois anos, um verdadeiro crime. O que deveria saltar aos olhos de qualquer um, mas nem sequer foi tema da reportagem, é que entre 25% e 30% das crianças brasileiras entre 6 e 7 anos de idade, a depender do ano, não sabem ler e escrever. Este número saltou para 40% durante a pandemia, mas a verdadeira tragédia é o número inicial, aparentemente tomado como coisa normal. Não é.
Ao menos um quarto das crianças brasileiras chegam aos 7 anos de idade analfabetas. Esse início pouco promissor irá cobrando o seu pedágio nos anos seguintes, pois ao invés de avançar nos conteúdos, a escola vai precisar recuperar o atraso. No final da linha, teremos jovens que mal sabem interpretar um texto, quanto mais se adaptar a um mercado de trabalho que cada vez mais exige preparação.
Aprendi a ler e escrever com 6 anos de idade, no antigo pré-primário, hoje 1o ano do fundamental. Era uma escola estadual. Na verdade, já tinha aprendido muita coisa em casa, naturalmente, com meus pais. Tive a sorte de nascer em um lar em que minha mãe gostava de ler e incentivava os filhos a lerem. Coloca-se um peso grande na responsabilização do sistema de ensino, mas arriscaria dizer que uma parte importante desse fiasco educacional começa em casa, onde os filhos não herdam dos pais o que os próprios pais não tiveram, em um círculo vicioso difícil de quebrar. A nossa miséria é mais complexa.
Já contei aqui a história de minha filha que, com alguns colegas de colegial, teve a ideia de dar aulas de reforço em uma escola da periferia, para alunos que quisessem prestar o vestibulinho para entrar em alguma escola técnica, como a que ela estava cursando. Conseguiram o apoio do diretor de uma escola e, qual não foi sua surpresa, quando viu que apenas meia dúzia de gatos pingados se interessou pela oferta de aulas aos sábados. Essas crianças certamente tiveram o incentivo de seus pais, coisa que deve ter faltado à maioria.
Nunca se teve tanto dinheiro aplicado na educação, o Fundeb está fora do teto de gastos e, mesmo assim, o percentual de crianças analfabetas continua o mesmo nos últimos 10 anos, tendo piorado durante a pandemia. Os analistas repetem a obviedade de que “precisamos reduzir as desigualdades”. A educação é vista justamente como um passaporte para a redução dessas desigualdades, mas o que se vê é que a educação reproduz essas mesmas desigualdades. Se, apesar de todo o dinheiro investido, a educação continua insuportavelmente desigual, talvez precisemos de uma nova fórmula para endereçar o problema.