A Fiesp e a marcha batida para a desindustrialização

A Fiesp, sob a nova liderança de Josué Gomes, oxigenou o seu conselho, chamando nomes como Luciano Huck e Michel Temer para dar pitaco. Ok, é sempre bom ver lideranças empresariais abertas a ouvir pontos de vista fora da caixinha. No entanto, quando vemos os economistas que foram chamados para compor o novo conselho, fica claro de que massa a Fiesp é feita.

André Lara Resende é o principal arauto da Modern Monetary Theory (MMT) no Brasil. E o que diz o MMT? Simples. Um país que tem a capacidade de arrecadar impostos na própria moeda que emite pode imprimir dinheiro à vontade para fazer investimentos produtivos, sendo que não há, para isso, limite para a dívida pública ou para a base monetária. O MMT surgiu da tentativa de explicar porque os países desenvolvidos ultrapassaram em muito o limite de dívida pública que se imaginava, há não muitos anos, catastrófico, sem que a inflação desse as caras. Além disso, políticas de “quantitative easing”, em que os bancos centrais monetizam a dívida (compram dívida com dinheiro literalmente emitido para isso) também não tiveram efeito na inflação. Lara Rezende defende que a mesma experiência pode ser transplantada para países como o Brasil, ou seja, podemos imprimir dinheiro e nos endividar à vontade sem que haja efeito inflacionário relevante, desde que esse dinheiro seja usado de maneira “sábia”.

Para essa segunda parte, o uso sábio do dinheiro, a Fiesp vai ouvir os conselhos de Luciano Coutinho, o pai intelectual e operador da política de Campeões Nacionais dos governos do PT. Coutinho vai usar o dinheiro criado do nada do MMT de Lara Rezende para as “políticas de fomento ao crescimento econômico” tão caras aos desenvolvimentistas e tão importantes para manter a indústria nacional em seu estado zumbi.

Não há que se espantar. Essa é a Fiesp sendo a Fiesp. Novos nomes, velhas práticas. Daqui a 20 anos, vamos estar nos perguntando porque o Brasil continuou em sua marcha batida para a desindustrialização e colocando a culpa nos chineses e nos juros altos.

Temos espaço para enganar, mas não por muito tempo

Lara Rezende volta a atacar.

Estamos rodando déficit primário de quase 2% do PIB há 5 anos e André Lara vê “austeridade fiscal”.

Interessante que, neste artigo, Lara Rezende faz a ligação entre austeridade fiscal e ascensão de regimes populistas. O curioso é que os países citados (Polônia, Turquia, Venezuela (!), EUA (!!)) não passaram por nada parecido com o que a Grécia fez, seja porque suas contas já estavam relativamente em ordem, seja porque, como no caso da Venezuela, o receituário adotado foi exatamente o prescrito por Lara Rezende. A Grécia, curiosamente, não é citada no grupo, pelo contrário: seu governo, de esquerda, é citado elogiosamente.

Mas o que mais me chamou a atenção foram os trechos abaixo. Foi realizado um referendo que deu como resultado (surpresa!) a rejeição da austeridade fiscal. Mas os maldosos tecnocratas não deixaram a Grécia realizar a “vontade do povo”, e o país não teve outra saída a não ser jogar a vontade do povo no lixo e obedecer os tecnocratas.

Que poder é esse que têm os tecnocratas, que conseguem passar por cima da “vontade do povo”? No caso da Grécia chama-se Euro. A conta a ser paga pelos gregos para adotar menos austeridade fiscal era sair da zona do Euro e voltar a adotar a velha moeda do país, o dracma. O resultado disso seria uma moeda desvalorizada e dívidas denominadas em Euro, que seriam, obviamente, objeto de calote. Como consequência do óbvio fechamento do mercado de capitais para o país, as únicas alternativas viáveis seriam um brutal ajuste fiscal de curto prazo para equilibrar as contas (uma vez que fazer novas dívidas não estaria entre as opções viáveis) ou rodar a maquininha de dracmas loucamente, com os efeitos inflacionários conhecidos.

Os membros do Syriza sabiam de tudo disso e ESCOLHERAM por permanecer no Euro. A permanência no Euro não foi uma imposição dos tecnocratas, mas da realidade. Obviamente, os tecnocratas fizeram o máximo para que a Grécia permanecesse na moeda única, injetando recursos e renegociando a dívida, pois a saída do Euro teria um impacto negativo também para a moeda única. Mas a porta sempre esteve aberta.

Vamos agora ao caso do Brasil. O País não está atrelado a nenhuma moeda única, não existem tecnocratas estrangeiros ditando o que temos que fazer. Então, pergunta-se Lara Rezende, o que nos impede de descartar essa “austeridade suicida”?

Eu respondo: o mesmo que fez a Grécia ficar na zona do Euro. Estar atrelado a uma moeda estável é apenas o modo de explicitar o compromisso de que todas as suas dívidas serão pagas algum dia, e de que o país não vai rodar a maquininha de papel colorido que alguns insistem em chamar de moeda.

O Brasil não está atrelado a uma moeda forte, mas os efeitos de não se adotar austeridade fiscal seriam os mesmos que a saída de uma moeda única. Com um déficit crescente, o calote da dívida entraria no radar dos investidores, que encurtariam os prazos e, no limite, deixariam de financia-la. Assim, seria necessário um ajuste fiscal ainda mais brutal para zerar o déficit primário (pois tomar novas dívidas já não seria uma opção), ou rodar a maquininha, com os efeitos inflacionários conhecidos. Exatamente os mesmo efeitos de sair de um padrão monetário estável.

Mas, digamos que Lara Rezende esteja correto em seu modelo de MMT: os agentes sabem que o governo não dá calote em sua dívida denominada em moeda local, e continuam financiando sem problemas o governo. Qual seria o efeito de déficits e dívida crescentes? Mais dinheiro vai da iniciativa privada para o governo, com sua notória incapacidade de investir bem os recursos. Repito: déficits crescentes significam transferência de recursos da iniciativa privada para o governo. Isso é bom?

Não, nós não estamos vivendo um regime de “austeridade fiscal”. Ou melhor, estamos apenas da boca para fora. Temos um déficit de quase 2% do PIB e que não está diminuindo. Estamos adotando o mesmo receituário de Macri, na Argentina: um ajuste bem, mas bem, gradual. Funciona no início, pois os agentes acreditam nas promessas. Depois de algum tempo, no entanto, percebem o engodo, e voltam a precificar um calote e/ou a inflação sobe. A Grécia não teve essa alternativa, porque os tecnocratas (leia-se Alemanha) não deixaram. Aqui, temos espaço para enganar. Mas não por muito tempo.

A mágica da dívida infinita

João Sayad nos presenteia com um inacreditável artigo no Valor de hoje. Sayad propõe o pagamento de todos os direitos adquiridos dos contribuintes e aposentados do sistema previdenciário oficial com a emissão de dívida pública. Ele não entra no mérito do custo dessa política, coisa meio desagradável, mas não vamos deixá-lo na mão.

Em primeiro lugar, qual seria o tamanho desse passivo? Como calculá-lo? Imagine a briga política para definir isso. Mas o principal é o tamanho da coisa.

O ministério da Fazenda calculou o passivo atuarial somente do setor público, que totalizaria algo como R$6,5 trilhões. Esta seria a “dívida” do sistema previdenciário caso se pagassem todas os direitos futuros dos pensionistas. E isso só no setor público!

Digamos, de maneira muito conservadora, que este fosse o tamanho total do cheque que o Tesouro precisasse assinar para liquidar o sistema. A dívida cresceria para mais de 200% do PIB! Hoje gastamos cerca de 5,5% do PIB com juros, ou a bagatela de quase R$ 400 bi/ano. Só para dar uma ideia, tudo o que o governo gasta com educação e saúde não passa de R$200 bi por ano. Se a dívida fosse a 200% do PIB, este gasto subiria para R$ 1 tri/ano, ou quase 15% do PIB! Isso por baixo, porque, com uma dívida dessa magnitude, as taxas de juros certamente subiriam.

Sayad reconhece que a dívida pública se elevaria abruptamente, mas afirma que pararia de subir a partir de então. Para isso ser verdade, seria preciso gerar um superávit primário da ordem de 15% do PIB só para pagar os juros! Já suamos sangue para gerar 3% de superávit primário, imagine 15%!

Mas Sayad tem a solução! Basta estabelecer a taxa de juros abaixo da taxa de crescimento da economia, como propôs André Lara Rezende em artigo recente. Puxa, como não pensamos nisso antes! Inclusive, com taxa de juros zero, a despesa com juros também seria zero! Só falta combinar com os russos que financiam a dívida.

Mas a insanidade não para por aí. Sayad propõe jogar R$ 600 bilhões/ano de helicóptero, distribuindo “renda” entre todos os brasileiros. Como não teríamos mais um sistema contributivo, esse dinheiro só poderia vir ou de aumento de dívida ou de algum tipo de contribuição que substituísse a contribuição previdenciária. Ou seja, para eliminar o sistema contributivo, seria preciso criar uma nova contribuição. Ou aumentar a dívida ainda mais. Mas, com a taxa de juros zero, isso não seria problema.

João Sayad era ministro do planejamento do governo Sarney, e foi um dos mentores intelectuais do Plano Cruzado, o primeiro plano heterodoxo para tentar acabar com a inflação, em 1986. Até hoje acho que ele não entendeu porque o plano não funcionou.

O símbolo do Brasil

Trecho da entrevista de André Lara Rezende, principal formulador econômico da campanha de Marina Silva, hoje, no Estadão.

Concordo com ele. A Petrobras é um símbolo. Símbolo de um país atrasado, preso a mitos do passado. Sujamos nossas mãos de óleo enquanto a Apple ultrapassa um trilhão de dólares em valor de mercado. E o pior é que Marina e André Lara não estão sozinhos. Com exceção do Amoêdo (Paulo Guedes não conta, o candidato é o Bolsonaro), todos os outros candidatos pensam da mesma maneira.

A Petrobras é um símbolo. Enquanto a Petrobras não for privatizada, não conseguirei acreditar em nenhum discurso de modernização e eficiência do país.

Com a ajuda dos gnomos da floresta

Só tem duas formas de equilibrar as contas públicas: diminuindo os gastos ou aumentando as receitas. Os magos da Marina negam as duas coisas. Restam aumento do endividamento ou, no caso dos credores se recusarem a continuar a financiar o rombo, inflação.

Mas Marina representa aquele pensamento mágico, em que os problemas são resolvidos com muito diálogo e alguma ajuda dos gnomos da floresta.