Teria sido melhor?

Primeiro, foi a Constituição dos sonhos da esquerda a ser rechaçada pelos chilenos, por 62% a 38%. Agora, foi a Constituição dos sonhos da direita a ser colocada para escanteio, por 56% a 44%. Nos dois casos, os chilenos disseram preferir a “Constituição de Pinochet”, surpreendentemente centrista, se considerarmos os resultados dos referendos.

A ideia de Sebastian Piñera de submeter a nova Constituição a um referendo, vê-se agora, foi a garantia de que nada mudaria. Pense um pouco: qual a capacidade do afegão médio (entre os quais me incluo) analisar e compreender um texto constitucional? O voto da dona Maria ou do seu Juan são ou influenciados pela ideologia, ou pela propaganda. Mas, no final do dia, o que acaba imperando é a inércia: bem ou mal, o Chile é um país que funciona, e pra que mudar um time que está ganhando?

Os protestos de 2019 parecem contestar a tese de que o Chile “funciona”, mas os mesmos chilenos que foram às ruas por mudanças rejeitaram essas mesmas mudanças nos dois referendos. Como explicar? A única explicação plausível é que não foram os mesmos chilenos: para as ruas foram aqueles que queriam mudanças (principalmente à esquerda), e nos referendos se manifestou o conjunto de todos os chilenos, que se mostrou avessa a mudanças.

Fico cá imaginando se a nossa Constituição Cidadã fosse submetida a um referendo popular. Na época, talvez fosse aprovada, porque o povo estava cansado da hiperinflação, e uma Nova Qualquer Coisa seria uma esperança de que algo mudaria. Mas, estivesse o Brasil em condições macroeconômicas normais, o risco de a nova Constituição ter o mesmo destino da chilena não seria desprezível. E teríamos, até hoje, a “Constituição da Ditadura Militar”. Teria sido melhor?

Ressaca

O Chile é aquele sujeito certinho, quadrado, família, que um belo dia, do nada, toma um porre homérico. Depois de uma ressaca braba, começa a retomar a sua vida normal.

Ruptura institucional?

Na história brasileira, a toda ruptura institucional seguiu-se a elaboração de uma nova Constituição. Foi assim em 1824, quando elaborou-se a primeira Constituição brasileira, após a independência. Foi assim em 1891, após a proclamação da República. Foi assim em 1934 e 1937, quando duas novas Constituições legitimaram os dois golpes de estado de Getúlio Vargas, o ditador preferido das esquerdas, depois de Fidel Castro. Foi assim em 1945, quando uma nova Constituição foi elaborada para um Estado pós ditadura Vargas. Foi assim em 1967, quando uma nova Constituição foi feita para legitimar a ditadura militar. E, finalmente, foi assim em 1988, quando a atual Constituição moldou o Estado de Direito do país pós ditadura militar.

A todos aqueles que acham que houve uma ruptura institucional (popularmente conhecido como golpe) na cassação de Dilma Rousseff, recomendo o estudo da História Brasileira, para entender a diferença entre os momentos descritos acima e o atual. Ou alguém acha que Michel Temer chamará uma Assembleia Constituinte para legitimar o seu mandato?