A Apple e o PIB do Brasil

Já escrevi isso aqui quando a Apple se tornou a primeira empresa a atingir valor de mercado de US$ 2 trilhões e volto a escrever agora, quando a soma do valor das ações da mesma Apple atinge a estonteante marca de US$ 3 trilhões: esse valor não tem NADA a ver com o PIB dos países como sugere a reportagem.

Em linguagem técnica, PIB é uma medida de fluxo enquanto o valor de mercado é uma medida de tamanho de patrimônio. Em língua portuguesa, isso significa que o PIB é a quantidade de riqueza produzida em um país a cada ano, enquanto o valor de mercado é a SOMA da quantidade de riqueza que uma empresa, supostamente, produziu e produzirá enquanto existir segundo a avaliação dos investidores.

Para calcular o PIB de um país, somam-se todos os valores agregados por todas as empresas. Grosso modo, é como se fosse a soma dos lucros de todas as empresas de um país. Para comparar a Apple com o PIB, o mais adequado seria comparar o seu lucro anual, que foi de US$ 95 bilhões no ano fiscal de 2021. Mais ou menos equivalente ao PIB do Equador e várias vezes menor que o PIB brasileiro.

Mas não fique muito entusiasmado. Comparando maçãs com maçãs, o valor de mercado de todas as empresas listadas na bolsa brasileira somava cerca de US$ 810 bilhões no final de dezembro. Ou seja, o investidor da Apple pode comprar três vezes todas as ações das empresas brasileiras e ainda sobra um troco para o jantar. A Petrobras, a maior empresa brasileira, a nossa joia da coroa, que controla o estratégico ouro negro, vale US$ 110 bilhões. A Apple, que produz esse troço supérfluo chamado iPhone, vale 28 vezes mais.

Alguns dirão que esses números não passam de jogos especulativos dos investidores em bolsa, não representando, de fato, a riqueza que as empresas geram para a sociedade. São normalmente os mesmos que acham que o PIB não mede o verdadeiro bem-estar dos cidadãos. Ok, é uma forma de ver a realidade.

Histórias glamourosas do mercado

O jovem investe sua reserva de emergência na bolsa. Bem, no momento em que o dinheiro foi para a bolsa, deixou de ser “reserva de emergência”.

Reserva de emergência, por definição, é aquele dinheiro que precisa estar disponível quando ocorre alguma emergência. É óbvio que, aplicando na bolsa, o dinheiro pode não estar lá quando necessário. No caso, certamente o dinheiro do jovem não é mais “reserva de emergência”.

Outro ponto: o jovem afirma que já ganha mais com ações do que seu antigo salário. O que se deduz é que o novo emprego do jovem é negociar ações. Estudante de economia, 26 anos, digamos que o salário de seu último emprego fosse de R$ 1.500 por mês. Considerando um yield da carteira de 20% ao ano (o que seria excelente), o rapaz teria que ter uma carteira de ações de R$ 90 mil. Onde foi que arrumou esse dinheiro? Como ele diz que começou em 2017, já são 4 anos aplicando. Se seu investimento rendeu 20% ao ano nos últimos 4 anos, seu capital inicial deveria ter sido de R$ 43 mil. Não foi com um salário de R$ 1.500 que ele arrumou isso. A reportagem claramente estava mais interessada em focar o glamour da coisa.

Enfim, desconfie sempre dessas histórias mirabolantes de ganhos no mercado acionário. Você provavelmente não vai poder substituir seu emprego atual pelos “ganhos” no mercado. E, last but not least, jamais aplique sua reserva de emergência na bolsa. Jamais.

O touro e o urso

Quem não está muito por dentro do mercado financeiro pode não saber o significado desse touro em frente à B3, antiga Bovespa.

As reportagens que li não trazem a explicação. Então, vamos lá.

“Mercado de touro” (bull market) é a descrição do mercado quando está em alta. Já “mercado de urso” (bear market) é o mercado quando está em baixa. Por que isso? Simples: enquanto o touro mata a sua vítima jogando-a para cima com seus chifres, o urso mata a sua vítima jogando-a para baixo com suas patas. O mercado é, assim, uma arena de vida e morte.

Interessante que o urso não tem lugar em frente às bolsas do mundo. Todo mundo quer a alta, ninguém quer a baixa. Mas é possível ganhar dinheiro na baixa também. O filme A Grande Aposta, baseado no livro The Big Short, de Michael Lewis, mostra como investidores ficaram milionários apostando na baixa do mercado de hipotecas na crise do sub-prime, em 2008. Mas concordo que não é uma maneira muito simpática de ganhar dinheiro, às custas da desgraça alheia.

Por isso, celebramos o touro, a alta, a construção de riqueza. O urso significa o contrário e, assim como a morte, preferimos não olhá-lo de frente. Mas trata-se de uma realidade da vida. Na construção da riqueza, muitos ursos vão aparecer no caminho. É preciso ter paciência e serenidade nesses momentos, sabendo-se que o touro um dia vai voltar. Sempre volta.

Ideia de jerico

Está rolando a brilhante ideia de fechar as bolsas durante estes tempos de turbulência. Seria uma espécie de grande circuit-breaker de vários dias ou semanas.

Há duas dificuldades técnicas nessa “ideia”.

A primeira é a própria falta de mercado. Imagine você, que quer ou precisa sair da bolsa por algum motivo. Estará impedido. Não há mercado. Você estará preso. Aliás, a bolsa só está caindo porque muita gente tomou a decisão de sair da bolsa. Com o fechamento, esta decisão estaria como que interditada. Seria o sequestro do seu dinheiro. Com que confiança os agentes investiriam novamente na bolsa, sabendo que, arbitrariamente, seu dinheiro ficaria preso?

O segundo problema é a decisão do dia da volta. Estabelecer um dia pré-definido implica correr o risco de pegar o mercado em dia ainda pior, causando quedas muito mais significativas do que as que vemos hoje. Afinal, saques estarão represados. Não definir o dia, deixando esta decisão à discrição da própria bolsa, significaria reabrir a bolsa quando “tudo estivesse bem”. Qual seria esse indicativo? Na sexta-feira, por exemplo, as bolsas subiram mais de 10%. Tudo estava bem? Vimos que não. A definição do “fim da crise” só quem é capaz de dar são os próprios preços da bolsa. Só que, com a bolsa fechada, isso fica impossível. Desse modo, só seria possível reabrir a bolsa quando todos os agentes se dessem as mãos e prometessem não vender. Vai vendo.

A bolsa é o termômetro do mercado financeiro. Fechar a bolsa é equivalente a quebrar o termômetro, um jogo de faz-de-conta.

O peso do setor financeiro

Em seu primeiro dia de negociação na Nasdaq, a XP foi cotada a US$33/ação, o que resulta em um valor de mercado de aproximadamente US$18 bi. Isso faz da XP a 12a maior empresa brasileira de capital aberto, empatada com a Magazine Luiza. O ranking das 20 maiores empresas de capital brasileiro aberto é o seguinte (valores em dólares):

  • 1. Petrobras: 99 bi
  • 2. Itaú: 79 bi
  • 3. Ambev: 70 bi
  • 4. Bradesco: 64 bi
  • 5. Vale: 63 bi
  • 6. Banco do Brasil: 32 bi
  • 7. Itaúsa: 28 bi
  • 8. B3: 23 bi
  • 9. Vivo: 22 bi
  • 10. BTG Pactual: 19 bi
  • 11. Magazine Luiza: 18 bi
  • 12. XP: 18 bi
  • 13. BB Seguridade: 17 bi
  • 14. JBS: 17 bi
  • 15. Weg: 16 bi
  • 16. Suzano: 12 bi
  • 17. Eletrobrás: 12 bi
  • 18. Lojas Renner: 10 bi
  • 19. Sabesp: 10 bi
  • 20. Hapvida: 10 bi

Note que, dos 12 primeiros lugares, 7 são do mercado financeiro, sendo 4 bancos . Isso porque a Caixa não tem capital aberto, senão certamente figuraria entre as maiores 12 empresas.

Dentre as 12 maiores empresas americanas, 4 são do mercado financeiro, sendo 2 bancos. E 5 são de tecnologia.

A XP surge como um disruptor do modelo centrado nos bancos. Atrás dela outras startups certamente surgirão. Mas o peso do setor financeiro no Brasil continuará o mesmo durante ainda muito tempo.

Os 100 mil do Ibovespa

Não querendo jogar água no chopp de ninguém…

As comemorações dos 100 mil pontos do Ibovespa foram generalizadas. Até Bolsonaro entrou na onda!

Mas tem um troço chato chamado inflação. O valor nominal das coisas não quer dizer muito em um país com inflação alta. E o Brasil ainda é um país com inflação acima da média, apesar de ter caído nos últimos tempos. Olhar somente o valor nominal dá a falsa impressão de que se está rico, quando, na verdade, aquele dinheiro já não vale o que valia no passado. O que importa é o que você consegue comprar com o dinheiro, não o que está escrito na nota.

Fiz um gráfico ajustando o Ibovespa pelo IGP-DI, índice de inflação calculado pela FGV. Por que o IGP-DI? Porque é o único índice de inflação mais antigo que o Ibovespa. O índice da bolsa paulista começou a ser calculado em dezembro de 1967 e o IGP-DI em 1944. Assim, é possível corrigir o valor da bolsa desde o início. O resultado está aí abaixo.

O pico histórico da bolsa, corrigido pela inflação, foi em maio/2008: 132 mil pontos. Naquele mês, a S&P elevava o rating do Brasil para “grau de investimento”. Entrávamos no clube dos países sérios. A crise do subprime derrubou a bolsa para quase 60 mil pontos (já corrigido pela inflação), mas recuperamos rapidamente para 122 mil pontos em março/2010. A partir daí, foi só ladeira abaixo, até o impeachment. Desde então, a bolsa mais do que dobrou de valor, até atingir os 100 mil pontos de ontem.

A má notícia é que esses mesmos 100 mil pontos já tinham sido atingidos em abril/2007. Ou seja, quem aplicou dinheiro na bolsa há 12 anos, teve como rendimento apenas a inflação do período. Estamos hoje ainda 30% abaixo do pico histórico. Isso hoje. Porque, a cada ano, a inflação vai tornando esse pico mais distante.

Podemos fazer outras contas. Por exemplo, quem aplicou na bolsa no início do Plano Real, quando o índice estava em 40 mil pontos, teve um rendimento 3,7% ao ano além da inflação. Parece baixo para o nível de risco da bolsa e o nível das taxas de juros.

Tenho uma parte do meu dinheiro em bolsa, para minha aposentadoria. O segredo de investir em bolsa é investir um pouco todo mês, e esquecer o dinheiro lá. Todas essas contas acima consideram apenas um grande investimento em uma determinada data, esperando que seja a tacada da vida. Não é assim que funciona. Ao comprar bolsa todo mês, você vai comprar quando estiver em 130 mil e quando estiver em 40 mil. Sem stress.