Respostas contundentes

Imagine um sujeito que gosta de perder o seu tempo ofendendo e assediando uma assistente virtual (!). Se a resposta da assistente é algo genérico do tipo “não entendi”, a brincadeira logo perde a sua graça. Agora, imagine que para cada provocação, houvesse uma resposta “contundente”. Qual seria a reação do provocador? Parece óbvio para quem conhece o mínimo de psicologia masculina que respostas desse tipo tornariam muito mais divertida a experiência de ofender a assistente virtual. O ofensor buscaria testar várias formas de ofensas para verificar se as repostas mudariam e, quanto mais contundente a resposta, mais divertido seria.

Realmente não sei em que planeta vive a diretora do banco que patrocina a iniciativa, que diz esperar uma “mudança de comportamento”. Bem faz a Amazon, que adotou a tática do silêncio: a Alexa nada responde quando ofendida. Isso claramente desestimula as ofensas.

Isso tudo é tão óbvio que me recuso a acreditar que os gênios de marketing do banco e da agência não saibam. O que nos leva a uma segunda opção: na verdade, perceberam a oportunidade de usar essas ofensas como uma forma de posicionar a marca no campo da defesa das mulheres. Em linguagem das redes sociais, viram uma oportunidade de lacrar. Quer dizer, vão usar um artifício que estimula a ofensa para fazer uma campanha de marketing com o objetivo de construir uma imagem de defensor das mulheres. Muito interessante.

Em meio à pandemia

“Em meio à pandemia”.

“Em plena pandemia”.

Quando você lê ou ouve uma dessas expressões, saiba que elas estão lá para causar indignação. “Em meio” ou “em plena” pandemia significa um estado de coisas que exige circunspecção, resguardo, perda, luto. Coisas boas “em meio à pandemia” causam revolta. Ninguém está autorizado pela patrulha do comportamento a ser feliz “em plena pandemia”.

O Bradesco teve “lucro recorde em meio à pandemia”. Enquanto você, seu ph@odido, está aí sofrendo com a pandemia, os bancos continuam tendo lucros obscenos “em plena pandemia”. Esta é a mensagem.

Se a manchete fosse apenas “Bradesco teve lucro recorde”, já seria em si uma distorção. Como já expliquei em um post anterior, ficar comparando números mensais ou trimestrais deste ano com os de anos anteriores leva a grandes distorções, pois houve um impacto gigantesco na atividade econômica no 2o trimestre e uma recuperação igualmente forte nos dois trimestres seguintes. Então, é só natural que tudo, inclusive os lucros, sejam “os maiores” nestes dois trimestres, se comparados a trimestres de anos anteriores. Isso não quer dizer absolutamente nada, está tudo distorcido.

Mas, ao acrescentar “em meio à pandemia”, a manchete não está apenas distorcida. Ela é falsa. Feique nius. O impacto da pandemia na atividade econômica se deu no 2o trimestre, não no 4o trimestre. Assim, não estamos “em meio à pandemia” no que se refere à atividade econômica. Estamos, ao contrário, “em meio a uma recuperação”.

Na verdade, “em meio à pandemia”, no ano de 2020, o Bradesco teve QUEDA de lucro de quase 25%. Mas isso você só vai saber se não ficar apenas na manchete.

Foi a maior queda anual de lucros do banco desde o início do Real. Mas a quem interessa os fatos como eles são?

PS.: minha agenda não inclui “defender os bancos”. Eles são bastante crescidinhos para se defenderem a si mesmos. Meu único interesse é esclarecer os fatos por trás das narrativas.