Um exemplo de serviço público

Com essa confusão da pandemia, perdi o prazo para renovar a CNH. Por isso, tive que fazer o processo presencialmente ao invés de usar a internet.

Agendei um horário no Poupatempo hoje, às 7:00. O processo todo, entre verificar a documentação, tirar a foto e colher as digitais, levou 40 minutos. Às 8:10, recebi um e-mail informando que minha CNH já estava disponível no aplicativo do celular. Abri o aplicativo e lá estava a minha CNH renovada.

Por incrível que pareça, tem coisas que funcionam no Brasil.

O império da mediocridade

Vou explicar para vocês o que é o Brasil.

Como muitos de vocês sabem, tenho uma família grande. Para passear e viajar todos juntos, tínhamos uma van. Como os filhos cresceram, as oportunidades de sairmos todos juntos foram rareando, e sustentar a van passou a não fazer sentido econômico. Fazia muito mais sentido alugar uma van quando fosse necessário, uma ou duas vezes por ano.

Já aluguei van nos EUA, sem problemas. Já quase aluguei van na Argentina (no final, não foi necessário), também sem problemas. Pensei: vou alugar uma van no Brasil-sil-sil.

Liguei para várias empresas, e todas afirmaram que não seria possível alugar sem a contratação de um motorista. Disse que tinha a carta D, necessária para dirigir uma van, que tinha experiência, e coisa e tal, mas, infelizmente senhor, não estará sendo possível sem um motorista da empresa.

Insisti em vários lugares, até que finalmente encontrei uma locadora que alugava sem o bendito motorista! Que felicidade! Havia apenas um detalhe: eu precisava fazer um curso de “motorista de van”. Ok, vou atrás, não será este pequeno detalhe que vai me derrubar.

Conforme orientação da empresa locadora, procurei no site do DETRAN auto-escolas credenciadas a ministrar o tal do “curso de motorista de van”. Na cidade de São Paulo há três: uma no Tatuapé, outra no M’Boi Mirim e outra em Osasco, que não é São Paulo, mas tá valendo. Começou a complicar, mas segui adiante.

Liguei na auto-escola para pedir informações. Senhor, o curso custa R$400, e são 13 aulas das 19:00 às 22:00, mas tem desconto se o senhor puder fazer aula no período matutino. Não, não posso, eu trabalho. Fiquei imaginando o que tanto tem de assunto para 39 horas de aula, e me ocorreu que, em 13 dias muita coisa pode acontecer, e eu posso ter que faltar algum dia. Pergunto então qual a frequência mínima para tirar o certificado. A frequência mínima é 100% senhor, se faltar precisa começar tudo de novo. Ah, ok… E depois de tudo, tem um certificado? Não senhor, o Detran emite outra CNH, com a inscrição “motorista de van”, ou algo que o valha. E a documentação? Não posso passar por telefone senhor, só no site.

Fui até o site para ver a lista de documentos. Comprovante de residência, CNH, RG, CPF, prontuário da CNH (tirada no site do DETRAN). Até aqui, piece of cake. Mas estava muito fácil. Além desses, seria necessário tirar uma Certidão de Distribuição Criminal. E o site é claro, na tal Certidão não pode constar crime de homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores. Fiquei reconfortado em saber que todos os motoristas de van por aí não cometeram homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores. Ufa!

Vou então até o site do Fórum, com um fio de esperança de que eu pudesse tirar a tal da Certidão na Internet. Para minha grata surpresa, sim, está lá! É possível provar que eu não sou bandido via Internet! Começo a preencher o formulário, até que pede a minha data de nascimento. Digito, e recebo a mensagem que me lembra que estou no Brasil: este serviço está disponível apenas para pessoas nascidas após 1969. Como não é o meu caso, preciso comparecer pessoalmente no Fórum.

Esta é a maratona para quem quer simplesmente alugar uma van no Brasil. Eu estava disposto a movimentar a economia brasileira, mas a economia brasileira não está disposta a ser movimentada. O governo, certamente levado por grupos de interesse, inventa regras inúteis para “proteger o cidadão”, e prejudicam quem não tem nada a ver com isso. Como essa, milhares e milhares de outras regras corporativistas travam o crescimento do país. Depois nos perguntamos porque somos medíocres.