A impopularidade dos interesses próprios

Foram somente 67 votos contra, em um universo de 513 deputados. Do restante, 408 votaram a favor e 38 se abstiveram de votar na chamada “lei da impunidade”. Com essa maioria se aprova qualquer reforma constitucional. Com folga.

Quando leio que a reforma administrativa é “difícil” por não ser “popular”, fico cá pensando: será que a maioria do povo brasileiro é funcionário público ou depende de um funcionário público para viver?

Segundo o Atlas do Funcionalismo Público, do IPEA, havia cerca de 9,5 milhões de funcionários públicos no Brasil em 2019, representando cerca de 17% das pessoas empregadas no país naquele ano. Esse percentual não considera os desempregados. Portanto, trata-se de um bom contingente, mas, ainda assim, uma minoria. Não parece ser, assim, uma reforma tão impopular.

Impopular foi a reforma da previdência, que mexeu com a aposentadoria da maioria dos brasileiros. Mas o medo da impopularidade não foi suficiente para impedir que nossos valorosos parlamentares votassem essa reforma.

Se não é impopularidade o que impede a reforma administrativa de avançar, o que seria então? A votação acachapante da “lei da impunidade” nos dá uma pista. Quando estão em jogo seus interesses particulares, os parlamentares jogam às favas a sua impopularidade. Quer coisa mais impopular do que uma “lei da impunidade”? Mesmo assim, somente 67 heróicos deputados votaram contra.De onde se conclui que o problema da reforma administrativa não é sua “impopularidade”, mas os interesses pessoais dos parlamentares e, por que não dizer, do próprio presidente da república, que tem feito corpo mole nessa materia. Os políticos, de maneira geral, devem ter uma parcela de sua renda vinculada aos salários do funcionalismo. Têm parentes ou correligionários que são funcionários públicos. Estão pensando em seus próprios bolsos, é simples assim.

Portanto, quando você ouvir que a reforma administrativa tem resistências no Congresso por ser “impopular”, tenha em mente qual “povo” é contra a reforma.

Tamanho do parlamento

O parlamento italiano aprovou uma redução do número de congressistas. Agora são “somente” 600, ou 10 para cada milhão de habitantes.

Sebastian Piñera está propondo a redução do número de congressistas para 160, o que dá 8,9 para cada milhão de habitantes.

Nos EUA, a relação é de apenas 1,6 congressistas para cada milhão de habitantes.

No Brasil, temos 2,8 parlamentares para cada milhão de habitantes. Pelo menos nesse quesito, o Brasil aparentemente tem números razoáveis. Sem entrar no mérito dos gastos de cada Parlamento.

Lobby do funcionalismo público

Nas três esferas do poder, o total de funcionários públicos representa cerca de 9% da população economicamente ativa (dados de 2016). O número já é uma barbaridade em si, mas vá lá.

A tal da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público representa 46% da Câmara! Ou seja, a Câmara dos Deputados não passa de um grande lobby dos funcionários públicos! Como eles chegaram lá em eleições livres?

A única reforma política que deveria estar sendo discutida é aquela que devolve ao cidadão que não é funcionário público o poder sobre as decisões do parlamento. O resto é para inglês ver.

Dentes de ouro

Minha mãe acabou de fazer um orçamento para o implante de 10 dentes: R$ 30 mil. Ela vai fazer mais dois orçamentos, porque achou o preço “um absurdo”.

R$ 157 mil por uma cirurgia para eliminar bruxismo e fazer outros retoques na lataria, só se o cara for o Picasso da odontologia. Um Picasso perdido nos subúrbios do Distrito Federal, onde ocorreu a cirurgia.

Bruxismo é um problema que afeta milhões de brasileiros. A imensa maioria se vira com uma placa durante o sono.

O plano de saúde da empresa onde trabalho é top. Reembolsa grande parte das minhas despesas dentárias. Obviamente, quando se trata de despesas mais altas, o reembolso é apenas parcial. Nunca, nem nos meus maiores delírios, o reembolso seria total para uma despesa de R$ 157 mil.

Enfim, fico feliz que meus impostos tenham sido usados para pagar o novo sorriso do deputado. Não deixa de ser uma homenagem aos desdentados do Brasil-sil-sil.

Os pais da reforma

379 votos para uma reforma impopular como a da Previdência não é para qualquer um.

Filho bonito tem muitos pais e, quem diria, a Reforma da Previdência se transformou em um filho lindo, disputadíssimo.

Afinal, quem são os pais da reforma?

Temer é o primeiro deles. Ao lado de outras reformas importantíssimas, o governo Temer foi o primeiro a propor uma reforma abrangente depois de quase 20 anos após a última, no governo FHC. Foi dado o início de todo um trabalho de convencimento da opinião pública, e a reforma teria sido aprovada não fosse o escândalo conhecido como “Joesley Day”.

O segundo pai é a dupla Bolsonaro/Guedes, que tiveram a iniciativa de enviar a proposta de uma reforma para o Congresso. Apesar de poderem ter utilizado a reforma de Temer, optaram pelo caminho mais arriscado de enviar um projeto totalmente novo, muito mais ambicioso. Conseguiram.

O terceiro pai é Rodrigo Maia. Ele assumiu para si a tarefa de articular os apoios que terminaram na acachapante votação de hoje. Não há dúvida de que, se não fosse o empenho de Maia, que era o único a afirmar ser possível votar a reforma antes do recesso, essa proposta não teria saído do lugar.

O Congresso brasileiro é o quarto pai dessa reforma. É difícil imaginar que uma reforma tão impopular tenha sido aprovada por “interesses menores”. Posso estar sendo ingênuo, mas acredito que a maioria dos deputados, neste caso bem específico, estava realmente convencida de que precisávamos evitar o precipício. Não aprovar a reforma seria entregar o país de volta ao PT, o que não interessa a ninguém, a não ser aos próprios petistas.

Por fim, o quinto pai dessa reforma são todos os técnicos que trabalharam na proposta e no convencimento dos congressistas e da opinião pública, entre os quais destaco Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery. Mas há muitos outros, que trabalharam no governo Temer e trabalham no governo Bolsonaro, sem os quais não teria sido possível esta aprovação.

Quase 74% do Congresso votando a favor da Reforma da Previdência, que é uma das reformas mais impopulares em qualquer lugar do mundo. Só no Brasil.

Lavagem de ouro

Isso porque ainda não foram verificar quanto estão pagando pela locação de 77 veículos (!).

E não adianta vir candidato à presidência dizendo que vai acabar com essa pouca vergonha. Os poderes têm “autonomia administrativa”, então quem decide essas coisas é o presidente da Câmara, no caso, o Rodrigo Maia, que pertence, como sabemos, a um partido com ideias liberais e modernas.

E isso é só uma coisica de nada, escondida lá na máquina da Câmara dos Deputados. Imagine o que não existe nesse Brasilzão de Deus.

Eu costumo dizer que o combate à corrupção e ao desperdício são importantes mas são café pequeno perto das grandes reformas constitucionais, que é o que vão resolver o problema das contas públicas brasileiras. Exemplos desse tipo me fazem duvidar de minhas convicções.