A eterna vigilância do Centrão

Para quem tem olhos de ler, este pequeno artigo do cientista político Carlos Pereira serve para desmistificar a tal “frente democrática” que se formou para derrotar Bolsonaro nas eleições. Pelo menos, no que se refere a uns tais “pendores anti-democráticos” que seriam exclusividade do atual presidente.

Carlos Pereira descreve uma série de elementos que servem para identificar um “backsliding democrático”:

1) Demonização dos políticos e dos partidos, e ligação direta com o povo;

2) Reformas constitucionais que reforcem o poder unilateral do presidente;

3) Enfraquecimento dos órgãos de controle e, principalmente, do judiciário;

4) Controle da mídia.

Desses fatores todos, Bolsonaro elegeu-se com o figurino do primeiro, mas não levou dois anos para cair no colo do Congresso. Não moveu uma palha para mudar a Constituição em favor de de uma concentração de poder, o judiciário está onde sempre esteve e a mídia continua aí, firme e forte.

Por outro lado, Carlos Pereira cita o exemplo de países que sofreram o “backsliding democrático”, todos na América Latina: Venezuela, Equador e Bolívia. Coincidentemente, todos regimes que contam com a simpatia do democrático Partido dos Trabalhadores.

Há que se reconhecer que o PT, quando no poder, a exemplo do atual presidente, também não se movimentou em direção a uma autocracia. Podemos ficar discutindo durante anos se o PT não fez o mesmo que seus colegas da Venezuela por não querer ou por não poder. É, diga-se de passagem, a mesma acusação que os “democratas brasileiros” fazem a Bolsonaro, acusando-o de crime de intenção. O fato é que, nem um nem outro se movimentaram na direção de concentrar poder. O mensalão e o petrolão foram formas de comprar o Congresso, não de concentrar poder. Aliás, só existiram porque o presidente era fraco, não forte.

O articulista se pergunta porque em alguns países os autocratas obtém sucesso e em outros não. Aventa algumas hipóteses, mas não conclui. Na minha humilde opinião, a nossa democracia está e continuará aí, firme e forte, porque temos um Centrão político. Um Centrão não ideológico, pragmático, fisiológico. Um Centrão que representa o pensamento e o modus operandi do brasileiro médio. Para esta larga faixa do espectro político, não interessa a centralização do poder em um único partido. O Centrão vive do caos democrático, onde muitas vozes defendem pontos de vista diferentes o tempo todo. É nesse ambiente que o Centrão maximiza os seus ganhos.

Descansem, pois, os espíritos timoratos. Qualquer que seja o próximo presidente, a nossa democracia não corre risco. Continuaremos essa mesma maçaroca democrática de sempre, graças à eterna vigilância do Centrão.

A fábula do articulador político

Neste curto artigo, Carlos Pereira faz picadinho da fama de Lula como grande articulador político, aquele que pode liderar um ”presidencialismo de conciliação”, no dizer do economista Nilson Teixeira. Mais uma fábula não suporta a luz fria da análise política. O que restará no final?

Entre o ‘bandido’ e o ‘genocida’

Em 2018, fiquei rouco de dizer aqui que Alckmin estava polarizando com a pessoa errada. Em uma eleição marcada pelo anti-petismo, o candidato do PSDB deveria convencer o eleitorado de que era tão ou mais anti-petista do que Bolsonaro. Essa era a única (pequena) chance de chegar ao 2o turno, fosse contra Bolsonaro, fosse contra o candidato do PT. A campanha de Alckmin, na época, escolheu bater em Bolsonaro, inclusive mimetizando a agenda de costumes do PT. Sozinho no campo do anti-petismo, Bolsonaro nadou de braçada.

Em 2022, o anti-petismo terá um papel bem menor, mas ainda terá um papel. O papel será bem menor porque o tempo passa, as lembranças se confundem na memória, e hoje Bolsonaro é a vidraça. Mas, mesmo sendo menor, terá o seu papel. Muitos votarão em Bolsonaro para não devolver o poder ao PT.

Nesse sentido, a análise do professor Carlos Pereira é perfeita, e me lembra a análise que fiz sobre Alckmin em 2018. Essa tal “frente do Centro”, ao bater somente em Bolsonaro, implicitamente considera que Bolsonaro já está no 2o turno. Pretende, portanto, roubar a vaga de Lula. Mas essa é uma aposta arriscada, mesmo considerando que o anti-petismo perdeu força na sociedade. O risco é o candidato desse polo ser considerado uma “quinta coluna” do petismo e deixar o campo anti-petista novamente todo para Bolsonaro.

Esses “candidatos do centro” começariam bem, por exemplo, ao reconhecer que Bolsonaro não é a única ameaça à democracia. Lula e seu partido minaram as instituições democráticas de várias maneiras, e isso deve ser igualmente explicitado em seu posicionamento. Mas o seu “manifesto pela consciência democrática” passa a ideia de que somente agora a nossa democracia estaria sob risco. Ou ajustam o discurso, ou o seu candidato, qualquer que seja, terá os mesmos votos de Alckmin em 2018.